No domingo 29, faz dez anos que o Brasil assistiu ao impeachment do presidente Fernando Collor. Nesse dia a Câmara aprovou a abertura do processo contra o ocupante do Planalto. Collor renunciaria três meses depois. Foi a primeira vez na história que um presidente perdeu o poder por caminhos democráticos. Hoje, o fato está em todos os livros de história. Mas um segredo permanecia até agora: o relator da CPI que investigou Collor e sua turma, senador Amir Lando (PMDB-RO), recebeu – e recusou –, em agosto de 1992, três propostas de suborno. As ofertas foram feitas por pessoas próximas a Collor que esperavam comprar a inocência do ex-presidente. A maior delas chegou a US$ 200 milhões. É o próprio Amir, após uma década, que conta: “Propostas vieram, só que eu sempre as desqualifiquei”, revela agora o relator. Lando prefere não apontar nomes. Mas, em conversas reservadas com parlamentares e assessores próximos, detalhou as investidas. Dois dos participantes dessas conversas contaram a ISTOÉ que as propostas teriam partido do então presidente do Banco do Brasil, Lafayete Coutinho; do dono do banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá; e do secretário-geral da Presidência e cunhado de Collor, embaixador Marcos Coimbra. Os três tinham poder político e cacife econômico para o que pretendiam e ocupavam posições estratégicas no poder.

Lafayete Coutinho integrava a tropa de choque do governo que se empenhou na reversão de votos contra o impeachment. Coimbra, com trânsito livre no Palácio, atuava como conselheiro presidencial. Calmon de Sá era secretário de Desenvolvimento Regional e amigo de Collor. IstoÉ procurou os três envolvidos, além do próprio ex-presidente Fernando Collor, para que se pronunciassem sobre as revelações de Amir Lando. Deixou recados detalhados com uma das secretárias de Calmon de Sá, com um dos filhos de Marcos Coimbra em Nova York, e com o assessor de imprensa de Collor, Célio Gomes. De Calmon de Sá e Coimbra, não recebeu retorno. O assessor de Collor antecipou que o ex-presidente não se pronunciaria e não fez nenhum novo contato com a reportagem. Lafayete Coutinho, em uma rápida conversa telefônica, foi taxativo: “Esse assunto não me interessa.” E bateu o telefone.

Segundo os relatos, os autores das ofertas não tiveram pudores em suas investidas. A primeira abordagem, no início de agosto, foi no corredor das comissões do Senado, entre a sala da CPI e o gabinete do relator. A oferta já representava uma pequena fortuna: US$ 25 milhões. A negativa foi imediata, mas o valor alto fez Amir Lando concluir que o grupo do então presidente entrara em pânico. Uma semana depois, o montante dobrou: US$ 50 milhões. A pessoas
próximas, o senador confessou ter ficado estarrecido com o poder
de fogo do esquema financeiro montado por Paulo César Farias, o tesoureiro de campanha de Collor. A nova recusa parece ter levado
a tropa de choque ao desespero e a bolada foi elevada para US$ 200 milhões. Nesta última tentativa, em meados de agosto, eles apelaram:
o alvo foi a esposa de Amir Lando, Maria de Lourdes. O emissário do grupo, cujo nome Lando preserva, bateu na casa do parlamentar no
Lago Sul. Assim que ela abriu a porta, o homem irrompeu pela sala oferecendo a fortuna em troca da isenção de Collor.
 

Quando Lando chegou, no meio da madrugada, encontrou a mulher apavorada. Maria de Lourdes contou o fato ao senador e, diante da ousadia demonstrada pelos investigados, temeu pela vida do marido. Ela não foi a única a pensar que os integrantes da CPI corriam perigo. Entre os próprios parlamentares, o medo era constante. Ao final do primeiro mês de trabalho, os políticos e alguns funcionários andavam protegidos por policiais federais. A segurança emocional só se instalou entre os investigadores no dia 16 de agosto, um domingo. Dias antes, Collor pedira à população apoio contra a CPI. Sugeriu que todos saíssem às ruas de verde e amarelo. Como resposta, o que se viu pelo País foram multidões de preto em defesa da continuidade das investigações. Ao se deparar com milhares de manifestantes, Amir Lando desabafou ao então senador José Paulo Bisol (RS): “Com todo esse apoio, ninguém terá coragem de atentar contra nós.”

As investidas físicas não ocorreram, mas as tentativas de roubo de documentos e suborno de funcionários e parlamentares se multiplicaram. Uma funcionária da CPI recebeu, e também recusou, propostas de propina em troca da abertura do cofre onde eram guardados os documentos da investigação. Marcas e arranhões mostraram tentativas de violação do cofre. Foi preciso um esquema de lacre para garantir a integridade da fechadura. Alguns não resistiram. Recusando-se a revelar nomes, o presidente da CPI, Benito Gama, conta que dois deputados embolsaram US$ 200 mil para votar contra o parecer. Receberam o dinheiro em um pacote e foram colocados num jatinho rumo ao Paraná. Após meia hora de vôo, arrependeram-se e voltaram para Brasília. Na votação, ficaram contra Collor. Benito promete contar todos os meandros escabrosos da CPI no livro que está escrevendo, cujo título provisório é Eu juro que vi.

Muro político – A CPI foi instalada em 1º de junho de 1992 e concluída em 24 de agosto, com a leitura do relatório de 371 páginas que confirmava a prática de crime de responsabilidade pelo presidente da República e recomendava a cassação de seu mandato. Mas, entre uma data e outra, muitas articulações foram necessárias para vencer as barreiras políticas que tentaram evitar o impeachment de Collor. O requerimento de instalação da CPI, apresentado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), pedia investigações sobre o tráfico de influência de PC Farias dentro do governo. Nem sequer chegava a citar Collor. Ainda assim, a pressão para engavetá-lo era tremenda. O empenho do senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi decisivo.

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A maioria dos caciques políticos era contrária à CPI. Temia-se que ela chegasse, como de fato chegou, ao presidente da República, fazendo desmoronar a incipiente democracia brasileira. “Logo no início, Ulysses (deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB) veio ao meu gabinete para lembrar-me que o suicídio de Getúlio Vargas foi motivado por uma investigação parlamentar contra seu irmão Benjamin Vargas”, relembra Pedro Simon. Esse argumento foi repetido até os últimos dias dos trabalhos. Amir Lando e Benito Gama relatam ter sido procurados por expoentes políticos da época que se mostravam preocupados com o impacto do processo sobre as instituições brasileiras: “Luiz Eduardo Magalhães (líder do governo Collor), Fernando Henrique Cardoso, Bornhausen (senador Jorge Bornhausen, ministro-chefe da Secretaria de Governo), Mauro Benevides (presidente do Senado), todos me alertaram para os riscos de uma ruptura democrática”, lembra o relator. A CPI colheu 25 depoimentos. O primeiro, no dia 4 de julho, foi o de Pedro Collor, o irmão mais novo do presidente, que denunciara o esquema de corrupção de PC Farias. Cinco dias depois, foi a vez de o próprio PC falar aos parlamentares. A comissão só tomou o rumo do Palácio do Planalto na metade das investigações, após relato do motorista Francisco Eriberto Freire França, descoberto por ISTOÉ, que revelou, em detalhes, como o duto de propina montado por PC pagava as contas de Collor. Era o elo que faltava.


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