Passava pouco das 8h da quinta-feira 19 quando 250 homens da polícia cercaram um dos becos da favela da Grota, que integra o Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Nas 48 horas anteriores, centenas de policiais munidos de mandados judiciais e auxiliados pelo dirigível Pax Rio varreram todos os barracos da região em busca do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, acusado de ser o autor da tortura e do assassinato do jornalista Tim Lopes. Nos últimos tempos, o bandido vinha sendo rastreado pelos sinais de seu telefone Nextel. A área de atuação se concentrou na parte baixa da favela e, por volta das 3h, restavam poucas casas a ser vasculhadas. A partir de então, os moradores do lugar fizeram o serviço. “Eles ligavam para o Disque-Denúncia, dizendo que ele tinha pulado para uma casa ou para outra”, conta a inspetora Marina Magessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes.

Os policiais acabaram invadindo uma das casas e encontraram Elias Maluco desarmado, de bermudas, sem camisa e descalço. O traficante não esboçou reação. “Perdi, chefe. Mas não esculacha não”, pediu ao agente que lhe deu voz de prisão. A captura feita sem um só disparo foi comemorada pelos policiais e pelo governo Benedita da Silva (PT) como uma significativa conquista na guerra contra o tráfico. “Honramos um compromisso com a população do Rio e com a família de Tim Lopes”, exultou Benedita. Até o presidente FHC mandou congratulações. “O presidente gostaria de cumprimentar a governadora Benedita da Silva,
por sua atuação com firmeza na repressão ao crime organizado, dando
ao Rio de Janeiro a perspectiva de uma melhor segurança”, afirmou, através do porta-voz Alexandre Parola.

Benedita tem motivos para comemorar o minucioso trabalho de investigação e de inteligência da polícia do Rio. A prisão de Elias Maluco veio num momento crucial para a governadora. Candidata ao governo que ocupa desde a saída de Anthony Garotinho (PSB), ela passou os últimos dias às voltas com o rescaldo da chacina ocorrida em Bangu I, em que os chefões do Comando Vermelho trucidaram seis traficantes rivais. O episódio pôs em xeque a competência do governo em um item especialmente caro ao eleitor do Rio: a segurança. Com a prisão de Elias Maluco antes do prazo dado pelo governo à polícia, Benedita deu o troco. Os adversários tentaram minimizar o fato. Para Rosinha Garotinho (PSB), mulher de Garotinho – apontada pelas pesquisas como eleita no primeiro turno –, o feito se deveu à estrutura montada na gestão de seu marido. Benedita admitiu que a prisão de Elias ajuda na campanha, mas disse que não a usará como “panfleto político”.
 

De acordo com o delegado Zaqueu Teixeira, chefe de Polícia Civil, a prisão do traficante até poderia ter ocorrido antes, caso a empresa de telefonia por satélite que prestava serviço ao marginal tivesse colaborado. “Se não fosse o serviço prestado pela Nextel no Rio, já
o teríamos prendido. Mesmo com as autorizações judiciais, a empresa não
fez as interceptações necessárias ao nosso trabalho”, reclamou. Pouco
antes da prisão, Elias ainda recebia por telefone orientações de um informante. Em um dos diálogos gravados pelas autoridades, o colaborador dizia que
os policiais estavam sobre a laje da casa em que o traficante se escondia. Parecendo à vontade, Elias duvidava: “Foram embora já…
Tu tá de bobeira aí…”

Cinismo – Uma vez preso, Elias Maluco adotou um cinismo semelhante ao do colega Fernandinho Beira-Mar na rebelião de Bangu I. Ouvido no Tribunal de Justiça, disse que não participou do assassinato do jornalista Tim Lopes e estava viajando no dia em que ele foi torturado e morto na favela Vila Cruzeiro. Não soube revelar, no entanto, o destino da viagem: “Mais tarde meu advogado vai dizer onde eu estava.” Negou que seja traficante e apresentou-se como pintor de automóveis, morador da favela de Vigário Geral. Durante todo o tempo em que esteve foragido, o traficante não saiu do Rio. Ficará preso em uma cela do Batalhão de Choque da PM, ate que a reforma de Bangu I, semidestruído após a revolta de 11 de setembro, esteja pronta. O presídio é o mesmo local onde estão confinados Beira-Mar e outros integrantes de sua quadrilha.

Hóspede indesejado, Beira-Mar motivou um jogo de empurra entre as autoridades de segurança do Rio e as do governo federal. Os secretários estaduais de Justiça e de Segurança, Paulo Saboya e Roberto Aguiar, tentaram sem sucesso sua transferência para o Acre. Já o ministro da Justiça, Paulo de Tarso, sugeria acomodá-lo em uma prisão da Marinha, no meio da Baía de Guanabara – o que foi descartado pelo Ministério da Defesa. Conformado, Aguiar acabou admitindo que Beira-Mar voltará mesmo a Bangu I, mas agora sob vigilância total. “Vou transformar a vida dele num inferno”, prometeu o secretário. A cela do traficante será monitorada 24 horas por três câmeras blindadas e terá iluminação permanente. Beira-Mar – assim como Elias Maluco e outros do primeiro escalão do crime – perderá direito a visitas íntimas e não terá contato direto com visitas ou advogados.

Enquanto o secretário endurecia o jogo, o titular da 34ª Delegacia de Polícia, Leonilson Ribeiro, encarregado de investigar a chacina de Bangu 1, resolveu amolecer. Indiciou como responsáveis pelos crimes os traficantes Marcinho VP, do Morro do Alemão, Claudinho da Mineira e Fiote. Surpreendentemente, não incluiu Beira-Mar, que várias testemunhas identificaram como principal mandante. “Ele disse que estava dormindo e saiu da cela para não ser morto”, argumentou Leonilson. A decisão do delegado irritou Zaqueu Teixeira: “Beira-Mar
será indiciado por participação na chacina, mesmo não sendo diretamente. Se for constatado que o delegado está dando opiniões sobre o caso, ele será afastado”, garantiu.