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A decisão do presidente do Egito, Mohammed Mursi, de aprovar um decreto que ampliou seus poderes levou muitos analistas a criticarem o mandatário egípcio e o acusarem de "matar" a revolução no país. Segundo imprensa e especialistas, ao aprovar a medida que impede que qualquer pessoa desafie seus decretos, leis e decisões, o presidente Mursi "traiu os ideais da Primavera Árabe" e pode se transformar em um novo ditador, como seu antecessor, Hosni Mubarak.

A medida de Mursi gerou um conflito entre os poderes Executivo e Judiciário no país. Juízes do Conselho Superior de Magistratura do Egito acusaram o presidente de praticar um "ataque sem precedentes" contra o poder judiciário.

Manifestações tomaram conta das ruas das principais cidades do país, incluindo a capital, Cairo. No último domingo, confrontos entre opositores e simpatizantes de Mursi provocaram a morte de uma pessoa e deixaram 60 feridas.

"Foi difícil para alguém imaginar o presidente Mursi fazer o que ele fez. Mas a realidade é que agora o presidente está acima de todas as autoridades. E todas as leis, decretos e declarações não podem ser canceladas por qualquer corpo governamental ou político", disse ao Terra o analista Hassan Nihan, cientista político da Universidade do Cairo.

Mursi se encontrou com juízes de seu país na última segunda-feira, dia 26, na tentativa de pôr fim à crise que tomou conta do Egito. Ele assegurou que seus poderes presidenciais seriam limitados a "assuntos soberanos" e de proteção das instituições egípcias, segundo informou seu porta-voz. Ainda de acordo com o porta-voz, Yasser Ali, Mursi disse aos membros da Suprema Corte que a independência judiciária seria respeitada.

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Ele disse também que o decreto seria mantido para "proteger a revolução", apesar de várias lideranças da oposição, entre eles o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, organizações de ativistas de direitos humanos e democracia terem protestado para que o decreto fosse cancelado.

"As declaraçõers de Mursi terminam de vez com a Revolução de 25 de Janeiro (levante popular em 2011 que derrubou Hosni Mubarak) e inaugura de vez o regime da Irmandade Muçulmana (ao qual pertence Mursi), tornando o presidente acima da lei e um novo ditador", salientou. Apoiadores de Mursi alegam que o decreto foi necessário para proteger a revolução contra um Judiciário que teria ainda fortes ligações com o ex-presidente Hosni Mubarak.

Golpe suave

Para o analista independente egípcio Mohamed Maher, os últimos dias estão sendo marcados pelo nascimento de um "novo tipo regime" no Egito, com poderes quase absolutos para o presidente Mursi. "Mursi não completou nem cinco meses no cargo e, sem qualquer evento provocativo, enterrou a revolução egípcia e deu um tiro certeiro no coração da Primavera Árabe", enfatzou Maher. "A impressão que fica é que tudo vinha sendo planejado, desde quando o presidente dispensou o conselho militar que governava o país até então e, aos poucos, manipulou os eventos para um golpe de Estado, um golpe suave, que pegou todos de surpresa", completou o analista.

Manifestações anti-Mursi aconteceram no Cairo, Alexandria, Suez, Minya e outroas cidades ao longo do delta do Nilo na terça-feira, dia 27. Na praça Tahrir, berço da revolução e protestos contra Mubarak, comícios contra o presidente continuaram no dia seguinte. A Irmandade Muçulmana também organizou manifestações em apoio ao presidente.

"Se Mursi não reverter sua decisão nos próximos dias, o Egito poderá entrar em um período de tensões e sua jovem democracia poderá chegar ao fim", disse Maher. Ele também explicou que se a tensão prosseguir por um longo período, os egípcios poderão testemunhar decretos do governo para intimidar e controlar a mídia, a remoção de juízes e administradores e o controle mais intenso de empresas estatais. "Teríamos, então, um novo regime ditatorial".

Polarização

Colunistas políticos do Egito falam em uma forte polarização na política do país, tornando-o mais dividido que nunca – de um lado, um presidente com agora poderes absolutos, apoiado em um movimento religioso (Irmandade Muçulmana) que acredita representar a imensa maioria dos egípcios. Do outro, a oposição, agora mais unida do que nunca, mas sem força para obrigar o presidente Mursi a mudar de curso.

"Sem um parlamento em atividade (foi dissolvido pelo conselho militar), o presidente Mursi é o Executivo, Legislativo e também o Judiciário. A polarização só vinha aumentando e agora está mais clara e evidente", escreveu em sua coluna o editor de opinião do diário Egito Independente, Tamer Wagih.

"Na ausência de um parlamento, a única instituição que vinha desafiando o presidente era o Judiciário. E por conta disso, alguns ex-integrantes do antigo regime conseguiram manter-se em seus postos por ordens judiciais, o que contrariou Mursi e a Irmandade", completou Wagih em sua coluna.

Para o analista Hassan Haslan, do Centro Al-Ahram para Estudos Estratégicos e Políticos no Cairo, o cenário é ainda muito difícil para qualquer parte agir contra o outro. "Não é de interesse da Irmandade que Mursi acabe com a oposição e consolide seu poder, sob pena de ambos serem vistos como fracos e que recorreram à ditadura para mostrar força. E a oposição não tem poder suficiente para mobilizar as massas contra o presidente, pois está fracionada entre liberais, esquerdistas revolucionários e simpatizantes do antigo regime de Mubarak".

Segundo Haslan, as alas estudantis e revolucionárias da oposição temem que se Mursi for enfraquecido demais por conta de levantes populares, a classe dominante e membros do antigo regime possam usar o momento para lançar um golpe. "É praticamente impossível, portanto, que a Irmandade e Mursi consolidem total poder no Egito, assim como será inviável para a oposição apostar em tentativas de tirar o presidente do poder sob pena de uma ditadura ainda pior". "As ações de Mursi são claramente uma aposta política, e ainda não sabemos como os militares e a polícia reagirão a longo prazo", disse o analista. "Mas, por hora, previsões no Egito são muito incertas".


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