Confiante em que é possível pôr o País na rota do crescimento econômico, o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, idealiza uma sociedade com mais igualdade de oportunidades. Sobre as chances de sucesso em sua empreitada, ressaltou ser um homem que não é dado a arroubos de otimismo irrealista e por isso está tranquilo quanto às possibilidades de acertos nas políticas econômicas e sociais que pretende desenvolver, caso vença as eleições. Por duas horas, Serra falou de suas propostas e de sua participação no governo de FHC. No País administrado também por ele nos últimos sete anos – ocupou os ministérios do Planejamento e da Saúde – não há epidemias, houve distribuição de renda graças aos projetos sociais, como bolsa-escola, bolsa-alimentação e geração de cinco milhões de empregos, sobretudo no segundo mandato. Entre goles de guaraná diet, “para matar a fome”, Serra se mostrou contrário ao socorro do governo às grandes corporações, como bancos e empresas aéreas. Admitiu que não aceitaria criar um “protel” para salvar a telefonia, que bate às portas do Planalto para sair do vermelho. Pondo e tirando o relógio freneticamente, Serra – que esteve na redação de ISTOÉ na sexta-feira 13 – não se define como supersticioso, mas preferiu não responder a algumas questões na condição de presidente, alegando que “isso dá azar”. Apesar de ter subido o tom de sua campanha na tevê, o candidato do governo negou que partirá para o ataque pessoal contra Lula ou que lançará mão de dossiês ou grampos telefônicos para tirar votos do PT. No entanto, cobrou de Lula explicações de como criar dez milhões de empregos e de como se dará seu relacionamento com o MST.

ISTOÉ – O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz disse que a receita do FMI impede a criação de empregos pelo fato de as taxas de juros serem muito altas e a inflação, contida. O sr. pretende gerar empregos liberando a inflação e baixando juros?
José Serra –
Não, de forma nenhuma. A análise dele é aplicada, envolve o padrão de relacionamento do FMI com as diferentes economias. Isso não significa que o atual acordo com o Brasil não tenha sido um bom acordo nem que nós não possamos sair da atual situação de tensão econômica. Com o aumento das exportações e do saldo comercial, inclusive com mais substituição de importações, nós vamos ser capazes de baixar os juros. O principal fator que mantém os juros elevados é o déficit em conta corrente como proporção das exportações e do PIB.

ISTOÉ – O sr. fala em crescimento de 4,5% em média até 2006. Se o País pode crescer neste porcentual, por que está crescendo só 1% ou no máximo 2%? Como fazer para chegar a esse número que o sr. projetou?
Serra –
Quando você tem uma meta para o futuro, pode sempre se perguntar por que a meta não foi cumprida antes. Isso pode ser dito para qualquer coisa, em qualquer momento da história no mundo, em qualquer país e em qualquer situação. Toda coisa que você fizer, alguém pode chegar e falar: por que não foi assim antes?

ISTOÉ – E por que não foi assim antes?
Serra –
Porque as circunstâncias não permitiram. Daqui para adiante eu vejo que é possível ter essa taxa de crescimento: existe capacidade ociosa, há possibilidade de um superávit comercial crescente e uma política agressiva de exportações. A substituição de importações tem toda condição de funcionar. São essas as condições.

ISTOÉ – Mesmo com esse superávit primário que está sendo pedido no acordo com o FMI?
Serra –
Superávit primário implica sacrifícios em um primeiro momento. Em relação a este ano é de 0,25% do PIB. Basta dizer que o crescimento de 1% do PIB paga folgadamente esse aumento de superávit. O superávit é um fluxo, quando é feito pela primeira vez implica aumento da carga fiscal, mas não implica redução do gasto social. Por exemplo, os gastos em saúde, previdência e educação continuaram aumentando simultaneamente ao aumento do superávit. Na verdade, ele foi obtido graças ao aumento de impostos.

ISTOÉ – A principal camisa-de-força para o desenvolvimento é a dívida brasileira, tanto a interna quanto a externa. Hoje essa dívida estaria ao redor de 60% do PIB…
Serra –
Eu não estou de acordo que a principal camisa-de-força é a dívida. É o déficit em conta corrente como proporção das exportações e o PIB. Ambas as dívidas são perfeitamente pagáveis. Aliás, a externa está se tornando cada vez mais pagável com a redução do déficit em conta corrente.

ISTOÉ – Há quatro anos, vendeu-se a idéia de que com a reeleição de FHC, como chegou a dizer o ministro Kandir (Planejamento), o Brasil podia crescer até 9% ao ano. Como o sr. explica o fato de estarmos longe desse porcentual e por que, agora, acreditar que com o sr. se pode conseguir isto?
Serra –
Vou responder de novo. Foi por causa das circunstâncias. Veja que a afirmação do Kandir não foi uma afirmação do governo nem minha. Houve a crise do Sudeste Asiático, a da Rússia, depois houve a desvalorização, a crise da Argentina, o atentado ao World Trade Center. Perturbações para ninguém botar defeito. No entanto, a mudança da política cambial foi crucial para a economia se reequilibrar. A política de sobrevalorização não era adequada ao crescimento. O crescimento do emprego, nesses últimos anos, foi da ordem de mais de 5 milhões, que é até um bom resultado em face de todas essas circunstâncias. Na verdade, o lento crescimento do emprego no governo de FHC foi durante o primeiro mandato, diretamente em razão da política cambial.

ISTOÉ – Nada indica que o mundo vá parar de apresentar crises e a nossa economia vem demonstrando estar fragilizada e suscetível a elas.
Serra –
Se você olhar toda a América Latina, o desempenho da média foi pior do que o do Brasil. E no mundo não tem sido brilhante. Nós estamos aqui para fazer história, para governar e olhar para o futuro. A gente pode também ficar sentado e passar a vida eternamente fazendo balanços e projeções pessimistas. Eu não sou pessimista e acho que com uma política correta e adequada vamos voltar a crescer rapidamente.

ISTOÉ – O turismo em seu programa seria gerador de 850 mil empregos a partir da premissa de que o número de turistas passaria de cinco milhões para nove milhões. Que indicações pode se ter do futuro para que esse número praticamente dobre?
Serra –
O movimento de turistas para o Brasil é muito baixo e o potencial do País é muito grande. Vai entrar o Prodetur 2, que são mais US$ 800 milhões em investimentos, dando sequência ao Prodetur 1. O gasto que o Brasil tem em promoção de turismo no Exterior é ínfimo: são R$ 24 milhões, que vamos aumentar para R$ 84 milhões. Fazer vôos charters para o Brasil hoje é um processo difícil, mas isso pode ser resolvido com facilidade criando-se um fundo com US$ 5 milhões. O Brasil é um país que não vai atravessar guerras, e as questões de segurança que envolvem os complexos turísticos podem ser facilmente equacionadas.

ISTOÉ – Facilmente equacionadas?
Serra –
Totalmente.

ISTOÉ – Mas por causa da segurança pública a imagem do Brasil é muito ruim no Exterior.
Serra –
Mas o pessoal da área de turismo considera que esse não tem sido, mas pode vir a ser, um fator de perturbação. E os grandes complexos turísticos são áreas delimitadas que, com uma ação deliberada, organizada, etc., podem ser melhoradas consideravelmente.

ISTOÉ – Como é “facilmente equacionada” a questão de segurança?
Serra –
Não estou dizendo da questão de segurança ampla, geral e irrestrita, estou falando dos grandes complexos turísticos. É o investimento.

ISTOÉ – Mesmo no Rio, que é a cidade que mais recebe turistas no Brasil?
Serra –
Eu estou apresentando aqui as bases de por que o potencial de turismo é muito grande. Podemos também chegar ao seguinte: olha, o Brasil não tem jeito, turismo de nove milhões, imagine! A gente sempre pode raciocinar sobre a pior hipótese para tudo.

ISTOÉ – E quais são os seus projetos para melhorar a segurança?
Serra –
Nós vamos criar o Ministério da Segurança Pública para concentrar todas as ações federais em um único organismo. E especializá-lo. Depois, vamos criar uma polícia federal fardada para cuidar das fronteiras, porque boa parte daquilo que desenvolve o crime organizado está no contrabando de armas e de drogas. Se necessário, vamos promover mudanças na Constituição. Vamos também envolver os municípios e publicar um sistema de indicadores de segurança para cidades, para governos e para Estados. Tem que se desenvolver muito a área de inteligência e de informação. Vamos fazer mudanças amplas e profundas na legislação penal e no processo penal.

ISTOÉ – Quais?
Serra –
A maioria dos projetos já está no Congresso, mas não anda. O governo federal vai ter o poder de interferir mais nas questões estaduais e nos casos de calamidade policial. Vamos criar presídios federais de segurança máxima. A legislação, no que se refere ao tratamento de presos, vai mudar e vamos eliminar o teto de 30 anos para o cumprimento de penas. Não é prisão perpétua, mas cada um vai ter a condenação que tiver e as reduções serão aplicadas sobre ela, não sobre 30 anos. Hoje, um sujeito pode ser condenado a 400 anos, mas, se ele for à missa todos os dias, acaba saindo em três, cinco ou dez anos.

ISTOÉ – O sr. é favorável a uma vinculação orçamentária para a segurança?
Serra –
Não. A segurança já está naturalmente vinculada, porque o grosso dos gastos é de salários; automaticamente salário com estabilidade é uma vinculação.

ISTOÉ – Mas para vigiar as fronteiras tem dinheiro?.
Serra –
Vamos elevar o efetivo da PF de sete mil para 20 mil gradualmente. Não se faz isso de uma hora para outra. Esse é um processo gradual, que vai custar, no final, R$ 2 bilhões por ano. Crescendo a receita, se vai alocando. Eu não poria novas amarras no orçamento.

ISTOÉ – O Brasil tem um programa de Primeiro Mundo no combate à Aids. Em compensação, temos na saúde um panorama caótico em termos de acesso ao atendimento e da qualidade. Como é que o sr. pretende resolver isso?
Serra –
Por exemplo, o que é caótico?

ISTOÉ – As pessoas não conseguem marcar consulta e, quando conseguem, são pessimamente atendidas. Temos ainda as epidemias…
Serra –
Por exemplo. Fala! O que mais?

ISTOÉ – A hepatite C, a tuberculose…
Serra –
A hepatite C está sendo enfrentada como nunca foi antes. O que mais? A hepatite C é a primeira vez que está sendo enfrentada, inclusive com testes novíssimos e a introdução do Interferon peguilado, que era o sonho de todo o pessoal de saúde pública. A tuberculose não cresceu. Você tem números mostrando que cresceu?

ISTOÉ – Ela vem crescendo.
Serra –
Não, não. Cadê o número? Pode ir pegar, eu espero o tempo que for! Não há esse crescimento. Você pode chegar e dizer uma coisa pirandelliana: é assim que parece; parece que está aumentando, então é. Não é verdade. Eu quero números evidentes.

ISTOÉ – Um grande especialista em saúde pública…
Serra –
Quem?

ISTOÉ – O dr. Vicente Amato, que é reconhecido, e ele também confirmou a malária…
Serra –
Mas a malária caiu.

ISTOÉ – … continua sendo um problema…
Serra –
Continua sendo um problema enquanto tiver florestas. Não há nenhum agravamento na área de epidemias. A malária caiu verticalmente. A malária e a febre amarela silvestre vão continuar, a menos que você queira matar os macaquinhos e acabar com todas as florestas tropicais. O importante é o controle. Mesmo no caso da dengue – que é a doença que eu diria que não recrudesceu, mas que se manteve no padrão desde meados dos anos 80 –, o esforço do governo federal foi imenso. Em 1997, especialmente depois que eu entrei, os gastos cresceram verticalmente.

ISTOÉ – Em quanto?
Serra –
Eu acho que hoje está se gastando R$ 1,5 milhão por dia para dengue. Só que a dengue envolve um problema comportamental uma vez instalada. É tão comportamental quanto a Aids. Na Aids é o comportamento sexual e em relação às drogas. Na dengue é a organização da casa. No Brasil, estamos segurando a Aids, porque a pessoa portadora do vírus é muito vulnerável (à tuberculose) e, naturalmente, onde tem mais pobreza ela tende a prosperar mais. Aumentamos muito a despesa com tuberculose.

ISTOÉ – O sr. promete criar 500 mil empregos na área da saúde. Como fará isso, aumentando a CPMF para obter mais verbas?
Serra –
Não. Foi votada uma emenda constitucional. Houve uma vinculação de verbas nas esferas federal, estadual e municipal. Se você tomar 2000 como referência, só essa vinculação produz R$ 17 bilhões a mais por ano no orçamento de saúde das três esferas. Vem daí.

ISTOÉ – E essas pessoas vão ser empregadas como?
Serra –
Em equipes de saúde da família, por exemplo. Nós vamos ter 30 mil equipes a mais. Cada equipe emprega nove pessoas; só aí são 270 mil. Além disso, tem equipes de saúde bucal, que aí é uma para cada duas equipes de saúde da família. Na minha gestão foram criados mais de 300 mil empregos. Hoje, para combater dengue e outras coisas, tem mais de 40 mil pessoas no Brasil inteiro e o Ministério paga um salário mínimo para cada uma delas.

ISTOÉ – Como o sr. enfrentará a questão da distribuição de renda, do combate à pobreza?
Serra –
Aprofundando as atuais políticas sociais. Eu me refiro à bolsa-alimentação, que eu mesmo criei no Ministério da Saúde; bolsa-escola, erradicação do trabalho infantil. Isso por um lado. Por outro, é emprego, é renda para as pessoas. Você não gera renda só transferindo renda para as pessoas. É preciso que elas gerem renda e, nesse sentido, a questão do emprego tem um papel central. E por emprego entenda bem: não é só emprego assalariado, é também empreendimento, o trabalho por conta própria.

ISTOÉ – O sr. adotaria o projeto de renda mínima?
Serra –
Não. O Brasil já tem um projeto de transferência de renda imenso. Eu diria que talvez hoje deva ser o maior do Terceiro Mundo, entre todos os países em desenvolvimento. Essa transferência de renda é feita na base da contrapartida. Por exemplo, individualmente posso reivindicar a idéia de que criei o maior programa de renda mínima no Brasil, depois do da Previdência, que é o seguro-desemprego. Não que eu tenha inventado o seguro-desemprego, eu dei a base financeira para ele se expandir e as regras dessa expansão. Agora, ele é um benefício contra o desemprego; há os benefícios contra a ausência na escola, contra a desnutrição, contra o trabalho de criancinhas. Essa é a maneira correta de fazer, porque exige uma contrapartida.

ISTOÉ – Mas a concentração de renda tem aumentado no Brasil.
Serra –
Quem falou?

ISTOÉ – A Pinad mostrou que o 1% mais rico ganhou renda e os 10% mais pobres perderam renda.
Serra –
Os dados do IBGE são de rendimentos do trabalho, não incluem as transferências compensatórias.

ISTOÉ – O sr. acha que a concentração de renda diminuiu?
Serra –
Se você incluir as despesas compensatórias, o IBGE precisaria calcular. Por exemplo, há R$ 29 bilhões de transferências compensatórias que não estão computadas na renda das pessoas.

ISTOÉ – Toda a sua campanha está baseada sob o ícone de mudança. No entanto, o combate à dengue, pelo que o sr. falou, parece que não exige mudança. Não temos epidemia…
Serra –
No caso da dengue, é manter a estratégia da descentralização, da cobrança de resultados, da capacitação. Tudo isso vem sendo feito, inclusive saneamento. Pela primeira vez na história, o Ministério da Saúde fez mais de R$ 1 bilhão por ano, nos dois últimos anos, inclusive este, de investimentos em saneamento nos municípios de baixo IDH. Isso tem um impacto enorme.

ISTOÉ – O que o sr. quer mudar?
Serra –
Aprofundar as políticas sociais e ter uma política de crescimento e de atuação mais abrangente e profunda na área da segurança pública. Isso eu disse no meu primeiro programa de tevê. O meu governo fará a diferença por essas duas questões.

ISTOÉ – Os empresários que têm dificuldades financeiras pedem socorro ao governo (Proer, Proar) alegando manutenção de postos de trabalho. A telefonia está há seis meses batendo na porta do governo pedindo socorro. O sr. daria esse socorro?
Serra –
Eu não tenho notícia de que eles têm pedido dinheiro para o governo. Posso até falar sobre isso…

ISTOÉ – Então faça uma análise conceitual desses socorros e em relação à telefonia.
Serra –
A princípio, não daria.

ISTOÉ – Empresário que quebrar, tem que quebrar?
Serra –
Em princípio, sim. Depende, tem que se ver caso a caso.

ISTOÉ – O sr. concorda com a avaliação de seus adversários de que essa década foi a do enriquecimento do setor financeiro?
Serra –
O Lula também está falando isso? Nunca ouvi. O pessoal da Febraban está vibrando com o Lula. Segundo eu ouvi dizer, está dividindo o voto entre mim e o Lula.

ISTOÉ – O sr. concorda com a avaliação e acha que é importante quebrar essa tendência de transferência da riqueza nacional para o setor financeiro?
Serra –
Riqueza é um estoque, não é um fluxo. Duvido que tenha havido transferência da riqueza. Agora, que os bancos têm ganho mais, têm, embora uma boa parte deles tenha quebrado. Talvez foi o que mais quebrou dos grandes setores. Nós vamos dar ênfase radical na questão da produção para gerar empregos na agricultura, na indústria, no setor de serviços e tudo o mais. Isso é o que vai ser privilegiado no Brasil nos próximos anos. Essa é a nossa grande orientação.

ISTOÉ – Todos os candidatos repetem que a taxa de juros é fundamental para o crescimento e a criação de empregos. O que o sr. pensa sobre essa questão?
Serra –
A condição essencial para o crescimento é reduzir os juros. Os juros poderiam ser um ou dois pontos mais baixos hoje. Isso poderia ter acontecido em março ou abril, inclusive em razão daquilo que era o juro no mercado futuro. Agora, uma redução substancial vai exigir o aumento do saldo comercial para diminuir a dependência de recursos externos. Com isso, o Brasil pode abaixar os juros de maneira sustentada e firme.

ISTOÉ – Em quanto tempo o sr. prevê isso?
Serra –
Ah, um, dois anos. É um processo gradual, não é de repente que se baixa.

ISTOÉ – Quais seriam as prioridades do seu governo em política externa?
Serra –
O componente econômico é muito forte nesse caso. Nós defendemos o livre comércio, mas para todos. O Brasil tem uma posição multilateralista. Os EUA, principalmente no período mais recente, estão com um multilateralismo à la carte. Convém, tira do cardápio; se não convém, é unilateral. Não pode ser assim. O Brasil já tem mantido e vai ter que manter cada vez mais essa posição de multilateralismo.

ISTOÉ – O sr. acha que o Brasil está preparado para discutir essa questão de começar a entrar na Alca em 2005?
Serra –
Me parece um pouco cedo. A Alca pode ser um bom negócio para o Brasil ou pode ser um péssimo negócio. Se for péssimo negócio, nós não entramos. A tarifa mediana dos EUA é um terço da brasileira, imposto sobre importação. Mas em compensação eles têm mais de 100 tarifas que ultrapassam 100%, quando nós não ultrapassamos em nenhum caso 35%. Eles são especialistas em proteção não-tarifária. Se eles não cederem na remoção de barreiras não-tarifárias, não haverá Alca.

ISTOÉ – Há várias barreiras internacionais a produtos estrangeiros. Como é que o sr. pretende reduzi-las?
Serra –
Brigando.

ISTOÉ – Os seus adversários têm apontado o sr. como o candidato do setor financeiro. O sr. se sente à vontade para dizer qual é a presença dos bancos no financiamento da sua campanha?
Serra –
Na base do que os adversários dizem, nós podemos passar aqui horas, porque é muito fácil fazer pergunta dizendo “os adversários dizem” ou “o que se diz”. Aí você pode fazer qualquer acusação. Na prestação de contas vai estar tudo apontadinho.

ISTOÉ – O sr. é a favor do financiamento público das campanhas?
Serra –
Sou. O problema da barreira não é só o Congresso e o governo, é a opinião pública. Na hora que tiver financiamento público de campanha vocês vão ver a reação da opinião pública, da mídia: “Podia fazer tantas creches, tantas escolas, tantos litros de leite”. Numa reforma política, financiamento de campanha é secundário. Se tivesse alguma modalidade de voto distrital ou em lista partidária, evidentemente a despesa seria muito menor. Eu acho que essa é a mudança mais importante para se fazer. Para mim, horário gratuito devia ser um horário em que o candidato se apresentasse numa mesa, que seria a mesma dos outros, para falar do seu programa. É chato? É chato, mas é porque a vida é assim.

ISTOÉ – Mas seu programa de tevê utiliza muitos recursos.
Serra –
Menos do que o do PT, que apresenta maior número de filmes. Nós praticamente só fazemos vídeo, exceto um ou outro… Mas eu estaria disposto a topar essa parada de fazer uma coisa simples. Isso diminuiria o gasto de campanha extraordinariamente, porque é de longe o maior item de despesa. Isso, junto com a mudança do sistema eleitoral, seria uma coisa extraordinária do ponto de vista de diminuir a despesa.

ISTOÉ – Nas duas gestões de FHC, a maior parte do tempo ele governou com base numa aliança mais à direita. Num eventual governo seu, o sr. pretende ter uma base mais à esquerda?
Serra –
As circunstâncias mudaram. O segundo governo FHC, ao terminar, vai concluir um ciclo na política brasileira. Nós vamos abrir um novo ciclo. Eu não posso antecipar todas as condições desse novo ciclo, até porque ele vai se definir um pouco na prática e depende também do resultado eleitoral. Nós ainda estamos disputando a eleição, deixa primeiro eu ganhar, depois a gente fala disso.

ISTOÉ – Como é que o sr. pensa em recompor com algumas perdas políticas (Tasso Jereissati, ACM e Roseana Sarney) que se deram, como dizem aliados e adversários, graças ao seu estilo, para um eventual governo seu?
Serra –
Quem disse que é graças ao meu estilo? Na verdade é por causa do estilo deles. Estou fazendo todo o esforço e confio que vou passar o primeiro turno. Aí vou pensar. Vamos ver como é que compomos. Não estou dizendo que vou fazer isso ou aquilo. Não dá para ficar cantando vitória já, isso dá azar. Eu não sou supersticioso, mas dá azar!

ISTOÉ – Como o sr. vai tratar temas polêmicos como aborto, descriminalização de maconha e união civil homossexual?
Serra –
Eu sou contra a descriminalização da maconha e a permissão do aborto. Eu acho que num país como o Brasil – fora questões de princípio que eu tenho no caso do aborto –, heterogêneo, desigual, seria abrir comportas, se produziriam situações, na minha opinião, críticas em matéria de abusos. Com relação à união de homossexuais, para mim essa é uma questão em que o Estado não deve interferir. Se querem legalizar, legalizem.

ISTOÉ – O sr. já fumou?
Serra –
Não. Sabe que eu tentei fumar? Quando eu era adolescente, morava no Alto da Mooca, que era um bairro na época de periferia, não tinha luz na rua, calçamento e esgoto. Aí a garotada com 12, 13 anos começou a fumar. Eu tentei, mas não consegui. Veja que sorte, né?

ISTOÉ – E maconha?
Serra –
Não. Eu não fumo cigarro, imagina maconha! Para mim, a idéia de introjetar fumaça no pulmão é inconcebível. E você fumou?
ISTOÉ – O entrevistado é o sr.

ISTOÉ – O governo FHC foi pouco generoso com o funcionalismo. O sr. acha possível inverter essa política salarial?
Serra –
A despesa nominal cresceu de R$ 17 bilhões para cerca de
R$ 60 bilhões. Sabia? Na verdade, houve aumentos consideráveis por categorias.

ISTOÉ – Quais?
Serra –
Sei lá. Polícia Federal, para te dar um exemplo, fiscal da Receita Federal, uma série de categorias.

ISTOÉ – Qual é sua proposta para reformar a Previdência?
Serra –
A Previdência do INSS não precisa mais de reforma alguma. Hoje, você tem só 47% no mercado formal. Os demais não estão contribuindo para a Previdência. É crucial aumentar a taxa de formalidade e ter crescimento do emprego. Existem propostas – isso não está no meu programa de governo – de vincular um abatimento na CPMF para estimular a empresa a formalizar seus empregados. Se a taxa de formalidade hoje fosse a mesma de 1990 ou 1991, a Previdência teria superávit.

ISTOÉ – Sua campanha agora vai atacar mais o Lula?
Serra –
Não. Nós vamos debater idéias. Se você olhar os outros debates, eu fiz questionamentos ao Lula em questões programáticas.

ISTOÉ – Por que o sr. fala em oito e ele em dez milhões de empregos?
Serra –
É mais realista oito milhões com a economia crescendo 4,5% ao ano. Não sou contra criar dez, mas o mais realista são oito. Agora, nós estamos procurando mostrar isso a cada momento. O PT ainda tem que mostrar. Eu acho que está na hora de o Lula – estando tão na frente e sendo o homem decente que é – começar a explicar como pretende fazer as coisas. Ou o “Lulinha Paz e Amor” não tem o dever de fundamentar posições, debater as questões e tudo o mais? Tem.

ISTOÉ – Em que outros pontos o sr. vê grandes diferenças?
Serra –
Por exemplo, o PT fala tanto da P-50 da Petrobras e no programa dele não está a prioridade às compras governamentais para produção doméstica. Quer dizer, eu acho que o problema não é tanto o programa, o problema é que as pessoas têm que olhar biografias, o que disse, o que diz, condição para fazer, coisas do gênero.

ISTOÉ – O sr. acha Lulinha Paz e Amor só marketing?
Serra –
Ainda é cedo para dizer. Vamos ver se o Lulinha Paz e Amor começa a explicitar todas as suas posições: o que acha do MST, por exemplo. Ele disse outro dia que com ele o MST não vai invadir. É uma declaração no mínimo estranha. Isso precisaria ser explicado. Então vamos ver se o Lulinha Paz e Amor é de verdade ou não é, mas o critério para ser de verdade é começar a defender as posições do PT. Será que o leão carnívoro agora virou vegetariano? É possível? Não sei geneticamente, mas, se virou, então vamos mostrar qual foi a mudança no metabolismo.

ISTOÉ – Se o Nizan Guanaes orientar o sr. a partir para o terrorismo contra o PT, como fez o Collor em 1989, o sr. iria por esse caminho?
Serra –
O Nizan não orienta dessa forma, a questão não é assim.

ISTOÉ – O sr. usaria esse artifício?
Serra –
Eu acho que a questão das invasões rurais é uma questão importante no programa. Agora, transformar isso num centro de campanha, acho um exagero.

ISTOÉ – O sr. usaria uma Lurian?
Serra –
De forma nenhuma.

ISTOÉ – Algum ataque pessoal?
Serra –
Não há a menor possibilidade, seja pelo respeito que eu tenho ao Lula, seja porque esse não é o nosso estilo. Nunca fiz isso na minha vida.

ISTOÉ – O sr., que foi vítima do Dossiê Cayman, seria capaz de usar um dossiê Santo André ou fitas da PF, como chegou a ser suscitado, contra o Lula?
Serra –
Não. Nem passa no nosso horizonte de raciocínio.

ISTOÉ – Agora é “Lulinha Paz e Amor que se cuide”?
Serra –
Não é do meu gênero funcionar com ameaças, nem dar uma de durão. O que eu espero é que a gente possa discutir questões substantivas na campanha com relação aos problemas do Brasil, no primeiro turno ainda e no segundo turno. Eu tenho procurado fazer isso no horário eleitoral e nas entrevistas.

Participaram da entrevista: Ana Carvalho, Aziz Filho, Carla Gullo, Célia Chaim, Cilene Pereira, Claúdio Camargo, Darlene Menconi, Hélio Campos Mello, João Primo, Joaquim Castanheira (ISTOÉ Dinheiro), Juliana Vilas, Luciano Suassuna (ISTOÉ Gente), Mário Simas Filho, Ramiro Alves e Weiller Diniz.
Fotos: Ricardo Stuckert. Produção: Dárcio de Jesus