Ao sair de um consultório médico, uma das atitudes mais comuns do paciente, hoje, é bater na porta de outro profissional à procura de confirmação do diagnóstico. Isso porque, para muita gente, uma opinião só não basta. Porém, às vezes essa perambulação resulta em mais confusão ainda. Os médicos divergem sobre os procedimentos adequados e muitas pessoas acabam até viajando para o Exterior em busca de uma resposta definitiva. Mas essa situação está mudando. Centros de saúde do País estão adotando programas que oferecem o parecer de um médico estrangeiro, integrante de uma instituição renomada, sem precisar sair do Brasil. Na lista de opções, há profissionais do Memorial Sloan-Kettering, considerado referência no tratamento de câncer, da Harvard Medical School, da conceituada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e do hospital inglês Royal Brompton, onde podem ser encontrados ótimos especialistas em cardiologia infantil.

Trata-se, na verdade, de uma segunda opinião virtual. Pela internet, o especialista brasileiro se conecta com o colega estrangeiro para trocar informações sobre a situação do paciente. Todo o histórico médico, como exames e lista de remédios, é transmitido ao outro profissional. Uma microcâmera é instalada nos dois consultórios para ocorrer uma maior interação entre os profissionais. Se quiser, o paciente pode assistir e participar da conversa. Geralmente, o recurso é utilizado em casos de doenças complexas quando não se sabe qual a melhor medida terapêutica a ser aplicada, se há dúvidas no diagnóstico ou em casos de cirurgias de alto risco.

O procedimento permite aos médicos chegar a uma conclusão sobre a atitude correta a ser tomada e livra o paciente de um tratamento desnecessário. Em São Paulo, um dos centros que oferecem o serviço é o Hospital Israelita Albert Einstein. Lá, o recurso é utilizado especialmente nos casos graves de câncer e de doenças hematológicas. Outro hospital que já dispõe do instrumento é o Sírio-Libanês, também na capital paulista. “O doente precisa se conscientizar que é importante escutar outros médicos em situações complicadas de saúde. É um direito dele”, alerta o cirurgião Raul Cutait, presidente do Conselho Médico do Sírio-Libanês. A instituição consulta profissionais de centros como o Memorial Sloan-Kettering.

O especialista Cutait ressalta outro ponto fundamental em relação à segunda opinião virtual. “Não é uma ofensa para o médico brasileiro pedir ajuda para um colega de trabalho”, afirma. Quem concorda com Cutait é a oftalmologista Wendy Falzoni, da clínica Vide, de São Paulo. “Faz parte da nossa formação a troca de informações, pois, por mais conhecimentos que tenhamos, não somos Deus”, diz. Wendy faz intercâmbio com o Cincinnati Eye Institute, nos Estados Unidos.

Um dos inconvenientes do tratamento é o custo. Dependendo do caso e do número de especialistas estrangeiros a serem consultados, o preço do parecer pode variar entre US$ 300 e US$ 3 mil. Nesse valor estão incluídos, por exemplo, o preço da consulta no Brasil, os honorários do médico no Exterior e o custo da ligação para a conexão. “Mesmo assim, vale a pena. Se o paciente for pessoalmente ao Exterior, ele gastará com passagem, hospedagem e precisará fazer novamente os exames lá”, afirma a geriatra Carla Frohmuller Andrade, que passou a usar o recurso recentemente em sua clínica, no Rio de Janeiro. “Sem contar que, para muita gente, a cultura e o idioma diferentes podem dificultar o entendimento”, completa.

Mas já existe pelo menos uma opção para se beneficiar da nova conduta sem precisar pagar. O serviço é oferecido gratuitamente no Real Hospital Português da Beneficência, de Pernambuco, a crianças carentes que nascem com problemas cardíacos. “Saber o que fazer em casos como esses é primordial. Uma decisão mal tomada pode comprometer o tratamento”, conta Sandra Mattos, chefe do Serviço de Cardiologia Pediátrica e Fetal da instituição.

O executivo Júlio Milko, 75 anos, de São Paulo, sabe a importância de ser tomada a decisão correta. Em 1988, ele operou o olho esquerdo, atingido pela catarata, doença caracterizada pela opacificação do cristalino (lente situada atrás da íris) que pode levar à perda progressiva da visão. Três meses depois, Milko sofreu um acidente que comprometeu a eficácia da operação. Para tratar o problema e voltar a enxergar normalmente, ele usou uma lente de contato especial. “Mas a achava inconveniente porque precisava limpá-la a todo momento”, conta. Há cerca de um ano, sua médica, a oftalmologista Wendy, soube da criação de uma nova técnica cirúrgica. Mas ainda assim era preciso saber se valeria a pena correr os riscos de uma operação. Depois de trocar informações com o Cincinnati Institute, nos EUA, ficou decidido que era melhor operar. “Foi um milagre. Recuperei a visão e consigo até pilotar avião novamente”, diz.

De olho nas vantagens trazidas pelo procedimento, algumas empresas também estão oferecendo o recurso como um benefício associado a outros produtos. É o caso da Icatu Hartford Seguros. A companhia tem um seguro-cirurgia para indenizar pacientes que necessitam fazer operações complexas (o valor a ser pago pela cirurgia varia de R$ 500 a R$ 20 mil). Mas o seguro disponibiliza a segunda opinião virtual como um serviço a mais ao cliente, sem custos adicionais. O Unibanco também tem um esquema semelhante. Só que o benefício é fornecido para os clientes proprietários de um cartão de crédito específico.

Para regulamentar essa nova conduta, o Conselho Federal de Medicina acaba de criar uma resolução. A norma estabelece, por exemplo, que o principal responsável pelo paciente é o médico que está a seu lado. “O especialista estrangeiro também pode responder a um processo caso aconteça algum problema, mas o grau de responsabilidade dele é bem menor”, explica Mauro Brandão, infectologista do Rio e conselheiro da entidade.