Quase um ano depois de ter prometido agarrar o terrorista Osama Bin Laden vivo ou morto, George W. Bush decretou nova sentença pedindo a cabeça de outro inimigo público número 1. No dia seguinte às cerimônias para lembrar os atentados de 11 de setembro, o presidente americano foi à tribuna da Assembléia Geral das Nações Unidas lançar um alerta: se o mundo não ajudar a derrubar o líder iraquiano Saddam Hussein, os EUA farão o trabalho sozinhos. Assim, na base do “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, o discurso presidencial foi mais um ultimato do que um pedido de aprovação. De Bagdá, vieram bravatas como resposta. Afinal, Saddam pode usar a história como consolo para seus nervos: o pai deste Bush que agora o intimida não conseguiu acabar com seu reinado tirânico em 1991. Gente muito mais frágil, como Osama e o líder tabelan, o mulá Omar, também continua a driblar a captura e a ameaçar o bem-estar global. Omar, aliás, está vivíssimo e comanda, a distância, atentados como o do último dia 5, quando seu substituto no poder do Afeganistão, o presidente Hamid Karzai, escapou por pouco de um atentado à bala. E Bin Laden é um fantasma que atiça o terror: não o pararam nem vivo nem morto.

No começo do mês, ISTOÉ captou burburinho frenético na comunidade de inteligência americana. Várias fontes distintas repetiam a mensagem de que Osama Bin Laden estava morto. Na terça-feira 10, soube-se de uma data marcada para que este obituário tão aguardado fosse divulgado ao mundo. “O anúncio oficial da morte de Osama será feito no dia 11 de setembro”, disse um agente da Polícia de Nova York. Essa informação ganhou força quando, naquele dia, o site www.jehad.net, espécie de porta-voz dos movimentos radicais islâmicos, noticiou a confirmação da morte de Osama. Horas mais tarde, o jornalista Abou Já’far al Kuwaiti, ligado a uma facção kuaitiana da al-Qaeda, desmentiu aquilo que havia divulgado. Nos EUA, a CBS também repetiria esta charada. “Na verdade, a morte de Osama já é considerada inegável em Washington. Mas os assuntos políticos do momento ganham precedência sobre a divulgação desta boa nova”, diz a fonte da polícia de Nova York. “O que a comunidade de inteligência tentou fazer foi vazar a informação para a imprensa, o que obrigaria Washington a confirmar a notícia. Imaginou-se que esta seria uma homenagem aos companheiros mortos nos ataques terroristas e um consolo para os parentes das vítimas”, diz o agente.

Osama Bin Laden teria sido morto durante os pesados bombardeios às cavernas das montanhas Tora-Bora, em dezembro de 2001. Seu corpo não foi encontrado, mas, entre os homens que foram capturados, há testemunhas de sua morte. No bunker que se acredita ter sido a última morada do saudita, um catre continha uma grande mancha de sangue. Análises de laboratório desse material, conduzidas nos EUA, comprovaram a coincidência genética entre o sangue e exemplares de DNA fornecidos por irmãos de Bin Laden. “Estas provas são apenas circunstanciais. Pode até ser que o sangue seja mesmo de Osama, mas isso não prova que ele esteja morto”, diz uma fonte do FBI. “Mas o fato de Bin Laden, tão adepto de publicidade, não ter divulgado outro vídeo com proselitismo no aniversário dos atentados levanta suspeitas muito fortes de que ele esteja morto. Acho que a estratégia de seus herdeiros é torná-lo uma figura mitológica. Como ele gostava de andar a cavalo, são capazes de dizer que Osama subiu aos céus montado num cavalo branco, como fez o profeta Maomé”, diz o mesmo agente. A explicação para esse silêncio sobre o corpo do inimigo viria dos tortuosos caminhos do marketing da Casa Branca. O momento em que o presidente Bush fazia seu apelo mais contundente na ONU, exigindo ação rápida contra o Iraque, não era a oportunidade mais inteligente de noticiar a expiração do ex-inimigo número 1. “O fato de o presidente ter ido à ONU expor seu caso e, antes, ter assegurado que pediria endosso ao Congresso numa ação contra o Iraque já demonstra que ele aceitou as recomendações de ponderação feitas pelas cabeças mais sensatas. Os falcões sofreram uma invertida”, diz o senador democrata nova-iorquino Chuck Schummer.

A confirmação da morte de Bin Laden, porém, não alteraria a situação atual do movimento islâmico radical. Há claras indicações de que, passado o primeiro impacto dos golpes desferidos pelos americanos, a militância muçulmana está se reagrupando. Do contrário, como explicar a insolência de uma celebração pública de júbilo pelos ataques de 11 de setembro em plena Londres? Semanas antes, cartazes foram fixados em postes da cidade, convocando para festejos numa mesquita em Finsbury Park. No comando estava o xeque Omar Bakri, cabeça do movimento al Muhayirun, que no dia 11 soltou impropérios contra os ianques e seus aliados britânicos.

Mas os comícios verborrágicos não são as únicas armas dos homens de Osama. No mesmo dia em que o xeque Bakri vociferava na Inglaterra, dois mísseis eram disparados contra a guarnição de rangers americanos de Gardez, a noroeste do Afeganistão. Um comando patrulha ranger foi atacado na periferia de Cabul e outro, ao sul de Kandahar. Foi lá que, uma semana antes, o presidente Hamid Karzai sofrera o atentado que acabou ferindo o governador da província, Gul Agha Sherzai. Na mesma data, um carro-bomba no centro de Cabul matou 32 pessoas. Na ONU, na quinta-feira 12, momentos antes do discurso do presidente Bush, Karzai disse que o mulá Omar está vivo e com ele há um grupo de fiéis fanáticos. “Não sei se Osama Bin Laden está vivo ou morto. Mas, como Omar, ele não pode fugir para sempre. Suas forças estão desbaratadas. Se estiver vivo, ele não representa o perigo do passado”, disse Karzai.

Mas será mesmo? O Serviço de Inteligência do Paquistão (ISI) divulgou que militantes do Taleban e da al-Qaeda, que haviam buscado refúgio no Paquistão, estão voltando para o Afeganistão. “Eles estão se reagrupando”, garante o ISI. Além disso, fotos de satélite e a CIA revelaram que duas novas comunidades de terroristas da al-Qaeda foram montadas ao norte do Iraque, na região curda. Lá, estão sendo treinados para uma luta que, como promete o site jihad.net, seguirá até o juízo final. Saddam Hussein não anda em boa companhia.