A pontado como uma das principais instituições do paraíso fiscal caribenho de Bahamas, o Socimer International Bank quebrou no final da década de 90 mergulhado num escândalo que causou estragos nas contas de quase mil correntistas da Espanha e do Chile. Quatro anos depois de ter sido liquidado pela corte de Bahamas, documentos obtidos por ISTOÉ e uma investigação do Ministério Público e da Polícia Federal (PF) apontam para uma conclusão ainda mais surpreendente: registrado na Junta Comercial de São Paulo apenas para comercializar produtos de exportação, o Socimer International , por intermédio da subsidiária Socimer do Brasil Ltda., atuou no País como um banco clandestino durante quase dez anos.

Sem autorização do Banco Central, o Socimer concedia empréstimos internos e ajudava empresas suspeitas a trazer dinheiro do Exterior. No dia 15 de outubro de 1997, por exemplo, o banco suíço foi fiador de uma operação no valor de R$ 2 milhões em que o liquidado Milbanco repassou os créditos de seus correntistas ao Banco Industrial do Brasil. Obtidos durante uma busca de quase dois meses nos cartórios e na Justiça de São Paulo, documentos revelam que as operações do Socimer eram feitas por meio de contratos particulares, à margem das leis financeiras.

O Ministério Público Federal e a PF acreditam que o banco suíço usou o Brasil para lavar o dinheiro desviado no Exterior, que retornava limpo para Caribe e Europa por intermédio de fraudes no câmbio. Os procuradores dizem que o Socimer não é um caso isolado e o mesmo esquema é seguido por outros bancos estrangeiros. “Atraídos pelos juros altos do País e pela falta de controle de entrada e saída do capital, os investidores estrangeiros descobriram um verdadeiro paraíso fiscal no Brasil”, diz o procurador Luiz Francisco de Souza, que investiga a fraude. A tese do Ministério Público é baseada em documentos que mostram o mesmo esquema: empresas e bancos estrangeiros enviando dinheiro para o Exterior através de cambistas ou operações fraudulentas de câmbio.

Parte dessa documentação foi fornecida em janeiro desse ano pelo FBI (a polícia federal dos EUA) ao delegado da PF José Castilho Neto, que seguiu para os Estados Unidos com dois peritos na tentativa de desvendar a rota do dinheiro enviado irregularmente para o Exterior. De posse de um protocolo de cooperação, o FBI acabou quebrando o sigilo de quatro bancos brasileiros, entre eles o Banco do Estado do Paraná (Banestado), no qual cambistas brasileiros mantinham suas contas. Na semana passada, ISTOÉ teve acesso à lista com nomes de empresas que enviaram irregularmente para fora do País US$ 30 bilhões usando as chamadas CC-5, contas de estrangeiros domiciliados no País. No foco principal das investigações do Ministério Público e da Polícia Federal de Foz de Iguaçu estão empresas estrangeiras.

Os documentos demonstram que as empresas, por intermédio de “laranjas” (agentes intermediários que efetuam, por ordem de terceiros, transações fraudulentas, ficando oculta a identidade do verdadeiro comprador ou vendedor), enviavam o dinheiro para a conta de cambistas no Banestado e para outros três bancos de Nova York. De lá, os recursos seguiam para as contas de bancos nos Estados Unidos ou para paraísos fiscais das empresas que atuam no Brasil. Entre os suspeitos da operação ilegal aparecem empresas conhecidas, como a World Telecom, protagonista de um recente grande escândalo contábil nos Estados Unidos, que detém o controle acionário da Embratel. Por meio de “laranjas”, a World Telecom enviava recursos para a conta nº 3290130392 do Banestado em Nova York. Do banco nova-iorquino o dinheiro lavado seguia para várias contas da empresa de telecomunicações nos EUA.

 

O mesmo procedimento também era utilizado, de acordo com uma perícia da PF, por vários bancos estrangeiros que atuam no Brasil. Do Banestado para a agência do banco Chase de Nova York seguiam os recursos enviados do Brasil pelo The Royal Bank of Canadá, Westdeutsche Landsbank, Cedel Dusseldorf e pela financeira Dell Lall. Já para a agência do Citibank de Nova York cambistas brasileiros mandavam, entre outros, os recursos de Exprinter International Bank, Banco Plussa e do Morgan Stanley. Da conta nº 50.144972 do Banestado saíram, em 1997, US$ 435 mil para a conta do BK Boss de Nova York do Patrimônio Funds Inc., de propriedade do Banco Patrimônio, que no ano de 2000 acabou sendo adquirido por um grupo estrangeiro controlado pelo J.P Morgan, uma das agências que medem o risco de investimento no Brasil. Na lista dos investigados pela PF não escapam também bancos brasileiros.

dministrador no País de um fundo da Socimer, o Socimer Fixed Income Brazilian Fund, o Banco CCF do Brasil, adquirido recentemente pelo HSBC, recebia os rendimentos do Brasil na agência do BK de Nova York, que era operado também pelo banco Pactual Overseas.

Uma outra frente de investigação, sob o comando do delegado da PF de São Paulo Protógenes Pinheiro de Queiroz, tenta desvendar outra prática ainda mais nociva para os cofres do País: a fraude de US$ 277 milhões aplicada por 25 bancos estrangeiros na conversão de títulos da dívida externa nos anos 80, que teria contribuído para aumentar a dívida externa do País. O inquérito, que corre sob sigilo de Justiça, atinge principalmente o banco francês PNB Paribas. Mas outros bancos, como Lloyds, American Express Bank e Deutsche (envolvidos no dossiê Banestado), também estão sob investigação.

Fachada – Em 1993, o banco francês conseguiu a liberação de US$ 20 milhões originários de títulos da dívida externa, adquiridos com deságio no Exterior. Utilizando-se de uma resolução do BC que permitia a empresas estrangeiras investir os títulos bloqueados em empresas que se comprometiam a criar empregos no Brasil, o PNP Paribas se comprometeu a construir um hotel na Bahia. Para obter a conversão e iniciar as obras do hotel, que nunca foi construído, o banco francês registrou em São Paulo a empresa Achcar Comércio Participações Ltda., representada pelo já falecido Alberto Fares Achcar. Dois anos depois, beneficiado por funcionários da Junta Comercial de São Paulo, o banco francês transferiu suas cotas da Achcar para a IDB Investment Company Ltd., uma empresa de fachada com o capital irrisório de US$ 100 no paraíso fiscal das Ilhas Jersey, no canal da Mancha. De posse do contrato da Achcar, a IDB conseguiu na agência do Banco Central um documento ainda mais comprometedor: o registro de capital estrangeiro no valor de US$ 20 milhões. Esse documento, que deve ser concedido pelo Banco do Brasil mediante a comprovação da entrada do capital estrangeiro, dá o direito de a empresa estrangeira repatriar os recursos do País.

O advogado Marcos David Figueiredo de Oliveira, autor das denúncias que originaram o inquérito na PF, diz que as investigações mostram evidências de que, com a operação, o BNP Paribas conseguiu enviar duas vezes os recursos para o Exterior. Na primeira, o dinheiro obtido com a conversão do título da dívida sumiu, indo para o Exterior provavelmente por intermédio de cambistas. Na segunda vez, o registro do BC deu o direito de o IDB repatriar outros US$ 20 milhões”, afirma. “Quem acabou pagando a conta foi o governo brasileiro, já que dólares que nunca entraram tiveram que ser comprados para sair do País por intermédio de operações cambiais”, diz Oliveira.

Contratado para converter as operações de câmbio do PNP Paribas, Marcos David Figueiredo transformou-se no principal delator de seu cliente, que teria se recusado a lhe pagar os honorários advocatícios. Para Figueiredo, a fraude no câmbio tem sido facilitada pelas juntas comerciais do País, que não têm exigido os documentos previstos na lei que regulamenta a entrada de empresas estrangeiras no País. O advogado explica que, para escapar da apresentação dos documentos necessários, os estrangeiros, ao ingressarem no País, procuram adquirir empresas brasileiras falidas, mas oficialmente ainda em funcionamento. O Ministério Público acredita que a compra dessas empresas é o primeiro passo para os sonegadores estrangeiros iniciarem uma série de aumentos de capital e transferências falsos para obter registros de capital estrangeiro acima do capital aplicado no País.

Ex-sócia do Socimer International Bank na Aconcágua Participações, uma empresa de gaveta registrada num cartório de títulos e documentos de São Paulo, a Indústria Mangotex, que fabrica mangueiras de carros em Itu, foi adquirida sem nenhuma burocracia no início da década de 90 pelo The Visiom II Private Equity Fund L.P., um fundo instalado nas Bahamas. Até hoje não consta na Junta Comercial o registro dos procuradores estrangeiros da empresa. Segundo Fábio Nisaka, que foi procurador do Socimer no Brasil, a Mangotex é administrada pelo mesmo grupo de chilenos que geria o banco suíço. Para o Ministério Público Federal, há fortes indícios de que parte do dinheiro desviado na Europa esteja aplicada na Mangotex.

Procurado pela Istoé, Moacyr Freire, que respondia pelos interesses da Socimer no Brasil, não quis falar. Freire trabalha para a Antares Investimentos, que tem o mesmo nome de uma empresa sediada nas Ilhas Virgens e administrada pelo arquiteto Ronaldo de Souza, sócio do ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira. Procurada há dois meses, a assessoria de imprensa do BC não retornou as ligações. O PNP Paribas também não quis se pronunciar sobre o caso.