A “coincidência” tem tudo para aumentar a polêmica que a construção de novas plataformas de petróleo da Petrobras já causou na campanha eleitoral deste ano, envolvendo principalmente o presidente da Petrobras, Francisco Gros, e o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, que sugeriu a demissão de Gros por ter encomendado a plataforma P-50 ao estaleiro Jurong, de Cingapura, em prejuízo do estaleiro brasileiro Fels-Setal, que entrou na concorrência em parceria com a japonesa Keppel. A questão é simples: por que fazer lá fora o que pode ser feito aqui? A “coincidência” provavelmente explica – e levanta suspeitas inclusive em relação à licitação ainda não definida de duas outras plataformas, P-51 e P-52.

Vamos a ela: o banco Morgan Stanley, do qual Francisco Gros foi um dos executivos, é acionista da empresa norueguesa Aker Kvaerner, contratada pela Petrobras para fazer os projetos das plataformas P-51 e P-52. Gros foi diretor-executivo do banco americano em 1999, antes de assumir a presidência do BNDES, no ano 2000. A estatal, que ele preside desde o ano passado, ainda não abriu a licitação para a construção das duas plataformas, cujo projeto básico de engenharia foi realizado pelo Centro de Pesquisas da Petrobras, no Rio, com assessoramento e sob a liderança da Kvaerner. Para executivos da indústria naval, o problema não é a participação de empresas estrangeiras em empreendimentos da Petrobras, mas o fato de dar a elas a liderança do projeto, como no caso da Kvaerner. A crítica é endossada por técnicos da Coordenação de Pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe), eles mesmos com condições de sobra para liderar um projeto deste tipo, assim como a Projemar, a Sels-Setal, a Sermetal e a Odebrecht. Estaleiros com capacidade de construir plataformas existem no Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.

A escolha da Kvaerner cria uma suspeita, na avaliação do jurista Fábio Konder Comparato, professor titular da USP com 30 anos de experiência no ensino do Direito Comercial e autor do pedido de impeachment de Fernando Collor, em 1992, juntamente com o advogado Evandro Lins e Silva. “O fato de ter sido executivo de um banco acionista de uma empresa contratada pela Petrobras cria uma suspeita de que ele estaria atuando por interesse privado, e não pelo interesse público.” No mínimo, diz Comparato, Gros deve uma satisfação aos acionistas da empresa que preside. O professor de ética da Escola Superior de Advocacia, Oscar Argollo, do Conselho Federal da OAB, também faz críticas. “Eu me absteria de participar da decisão se fosse ex-executivo de um banco acionista de uma companhia que recebesse uma encomenda de projetos para a empresa sob minha direção”, disse. “O Brasil” , ele diz, “precisa de maior ética no setor público”.

Comparato contesta a legalidade dos critérios da estatal na escolha do Jurong para construir a P-50, entre eles o preço 5% inferior ao do Fels-Setal. “Não se trata de uma questão de lucro da empresa, mas de defesa da economia nacional. Se fosse uma empresa privada, aí, sim, o lucro seria relevante, mas não é. A Petrobras é uma sociedade de economia mista.” Segundo Comparato, qualquer acionista minoritário da Petrobrás pode apresentar uma ação para anular o contrato com o estaleiro Jurong. “Seria ainda o caso de o Ministério Público Federal abrir um inquérito civil público pelo fato de o contrato com o estaleiro de Cingapura ferir os interesses nacionais e para verificar se houve improbidade administrativa pelo fato de o sr. Francisco Gros ter sido executivo do banco que é acionista da empresa norueguesa.” Segundo o professor, poderia até haver uma ação popular contra a escolha do estaleiro Jurong por ter prevalecido interesses de terceiros, que colidem, em princípio, com os interesses do controlador. Poderia também haver uma ação por abuso de controle porque “a União adotou ato contra o interesse da economia nacional”.

Não é a primeira vez que o presidente da Petrobras se enrosca. Há poucos dias, ele se livrou de problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU) pelo não fornecimento de informações sobre plataformas. O TCU se preparava, na terça-feira 10, para apresentar uma ação administrativa que poderia resultar até no seu afastamento provisório do cargo, conforme noticiou Ricardo Boechat no Jornal do Brasil, na quinta-feira 12. Gros conseguiu uma intervenção do STF, que lhe deu um prazo de 10 dias, a contar da segunda-feira 9, para fornecer as informações.
Com pouca aceitação no PSDB, que o critica por não se engajar na campanha de José Serra (que, por sua vez, entrou na briga pelo lado da oposição, afirmando que o Brasil tem condições de fazer plataformas de petróleo), e menos ainda com Lula (a quem se referiu com certo desdém, dizendo que o candidato do PT estaria demonstrando desconhecimento total do assunto ao criticar sua decisão), Gros deverá deixar a estatal no próximo governo. No mercado, comenta-se que uma de suas opções mais prováveis seria o retorno à direção do Morgan Stanley. Seria o máximo da coincidência.

Colaborou Osmar Freitas Jr.