Ao despertar para a noite eterna, os vampiros desenvolvem uma espécie de fixação pelo mundo da luz. Sonham abandonar seus túmulos e reconquistar o direito de caminhar durante o dia, imunes a alho e a crucifixos. Se depender do número de produções dedicadas ao tema, esses sorumbáticos seres do além já estão dominando a superfície da terra. Há 80 anos, desde o lançamento de Nosferatu – obra cult do diretor F. W. Murnau –, não param de surgir filmes, livros e até novelas inspiradas nos sombrios bebedores de sangue. Recentemente, pesquisa feita com 1.200 americanos de 16 a 91 anos elegeu Drácula o monstro favorito do público. No estudo, coordenado pelo psicólogo Steven Fischoff, da Universidade Estadual da Califórnia, o príncipe da noite bateu os colegas Freddy Krueger e Frankenstein. “Assassinos sanguinários só fazem sucesso entre os jovens. Os mais velhos preferem o monstro clássico, com pouco sangue e muito conteúdo”, explica o psicólogo.

Mas não é apenas entre os adultos que Drácula desperta fascínio. Crianças e adolescentes se curvam à elegância do herói sombrio. Antonio Calmon, autor da novela O beijo do vampiro, tem uma explicação na ponta da língua para isso: “O vampiro seduz por suas características de imortalidade, eterna juventude e grandes poderes. É também uma forte metáfora sexual”, diz. Calmon se inspirou na sátira A dança dos vampiros, filmada por Roman Polanski em 1967, para criar em 1991 a novela Vamp, na qual testou a viabilidade de uma trama fundamentada na comicidade dos mortos-vivos. O modelo deu tão certo que, dez anos depois, a Globo transformou Tarcísio Meira no vampiro Bóris e produziu mais uma novela sobre o assunto.

O folhetim tem arrancado boas risadas, principalmente entre as crianças, mas nem sempre é aprovado por quem entende do assunto. Adepto do movimento gótico – estética mórbida que teve seu auge na década de 80 –, o desenhista Cristiano Marinho, conhecido como Kizzy, é um estudioso do vampirismo e considera a novela um atentado contra os autênticos seres das trevas. “Os vampiros são sofisticados e elegantes. A novela mostra um vampiro escrachado que não tem nada a ver com Drácula, por exemplo, uma alma apaixonada”, diz. Kizzy se refere ao galã da obra de Bram Stoker, publicada em 1897, e não a Vlad Dracul, o príncipe que originou a lenda e nada tinha de romântico. Entre 1456 e 1462, Vlad governou a região da Transilvânia (norte da Romênia) com tanta violência que acabou ganhando o apelido de Vlad Tepes, “o empalador”.

Aos 25 anos, Kizzy se veste de preto há pelo menos dez e procura inspiração no Cemitério da Consolação, em São Paulo, onde passeia com a irmã Alessandra e o amigo Lesepierre. Com lentes de contato que deixam seus olhos brancos, Kizzy não gosta de ser comparado com os adolescentes que viram góticos por modismo. Também não admite preconceito. “Mais de uma vez fomos expulsos de cemitérios. As pessoas acham que vamos violar sepulturas e promover rituais satânicos”, lamenta.

O combate ao preconceito contra os góticos é uma das bandeiras do vereador José Laurindo (PT), responsável por apresentar na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de lei que transforma 13 de agosto no Dia dos Vampiros. A data seria aproveitada para promover uma campanha de doação de sangue. “É o dia do vampiro às avessas, aquele que doa sangue em vez de chupar”, explica. José Laurindo admite que a idéia não foi sua, mas sugestão da atriz Mariliz Marins, 30 anos, filha do ator e diretor José Mojica Marins. Há três anos, Mariliz criou a personagem Lizvamp, filha de Zé do Caixão com uma vampira inglesa. Na ficção, Lizvamp é uma roqueira tão evoluída que não se alimenta mais de sangue humano. “Ela capta energia negativa das pessoas e a transforma em energia positiva”, explica a atriz. Fã de gibis de terror desde criança, Mariliz atuou em diversos filmes do pai e há dez anos escreve contos com personagens sombrios. Agora, só falta viabilizar a gravação do primeiro longa com a personagem.

Mas, afinal, os vampiros existem? Para responder a essa pergunta, o gerente de vendas Marcos Graminha, 32 anos, fundou a Sociedade Brasileira de Vampirologia. “Há os vampiros históricos, como Vlad Tepes, os vampiros literários, como Conde Drácula, os vampiros de energia que deixam o ambiente carregado e até os vampiros da política, que sugam o dinheiro público. Sem falar nas vítimas de doenças raras que apresentam sintomas típicos dos vampiros”, enumera. Dono de uma videoteca com mais de 80 títulos e uma vasta coleção de livros sobre vampiros, Graminha se refere à porfiria, patologia que ataca o metabolismo e pode causar atrofia dos músculos, esfoliação da pele e fotofobia. Em São Paulo, a professora de inglês Denise Guimarães, 37 anos, desenvolveu a doença há dois anos e chegou a perder os movimentos. Sua sorte foi a doença ter sido diagnosticada a tempo. “Fiquei 40 dias no hospital sem poder tomar sol e me alimentando apenas com soro”, lembra. “Só depois de voltar a andar, pude me divertir com a relação entre a porfiria e os vampiros”, conta Denise, atualmente uma autora de livros sobre o tema em busca de editora. Se depender dessas criaturas da noite, Drácula e sua turma não voltam para os túmulos tão cedo. Pelo menos enquanto não forem traídos por uma estaca.

NOSFERATU
Por causa de sua atuação no filme cult de F. W. Murnau (1922), Max Schrek despertou em muitos fãs a crença de que ele era um vampiro de verdade. Em 1979, Werner Herzog refez a fita, com Klaus Kinski e Isabelle Adjani

VAMPIRELLA Sedenta de sangue e sexo, a vampira mais famosa dos quadrinhos foi criada na década de 60 por Forrest J. Ackerman e arranca até hoje suspiros de adolescentes e marmanjos loucos por uma mordida

ZÉ VAMPIR Maurício de Souza se rendeu ao charme vampiresco para criar o personagem infantil, que circula de smoking e gravata com a Turma do Penadinho e prefere doce de groselha a sangue

BENTO CARNEIRO Chico Anysio criou o “vampiro brasileiro” nos anos 80. Ao lado do fiel escudeiro Calunga, o feioso se metia em mil confusões mas jamais se fazia de rogado: “Minha vingança sará malígrina”, ameaçava.

LESTAT Imortalizado pelos livros de Anne Rice, o personagem interpretado por Tom Cruise no filme Entrevista com o Vampiro, de Neil Jordan, mostrava o lado delicado do vampirismo.

DRÁCULA
O conde mais famoso do cinema foi inspirado no livro de Bram Stoker (1897). Depois de Bela Lugosi, Christopher Lee e Frank Langella, foi a vez de Gary Oldman atualizar a lenda na versão de Francis Ford Coppola (1992)

NATASHA Para viver a roqueira imortal em Vamp (1991), Cláudia Ohana teve de usar lentes de contato coloridas e roupas escuras. Também emprestou a voz ao hit Sympathy for the devil, dos Rolling Stones, que compunha a trilha sonora

BÓRIS
O personagem interpretado por Tarcísio Meira é o grande vilão da nova trama de Antonio Calmon, O beijo do vampiro. Com quase mil anos de idade, Bóris se disfarça de Igor Pivomar para conquistar Lívia e tomar de volta o filho Zeca