Ex-governador do Ceará, ex-prefeito de Fortaleza e ex-ministro da Fazenda no início da implantação do Plano Real, Ciro Gomes, candidato da Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB), se define como um homem tarimbado para assumir a Presidência do Brasil. Ele afirma ter percorrido nos últimos sete anos todos os Estados brasileiros e durante esse tempo protagonizou o papel de crítico feroz do modelo econômico abraçado pelo PSDB, partido que ajudou a fundar. Na semana em que os institutos de pesquisas o colocam atrás do candidato do governo, José Serra, na disputa por uma vaga no segundo turno das eleições, Ciro Gomes concedeu entrevista exclusiva a ISTOÉ. Ele se posiciona como um candidato de centro-esquerda – apesar do apoio do PFL –; aumenta o tom dos ataques ao candidato tucano, a quem chama de “projeto de ditador”; anuncia que pretende investigar todas as privatizações promovidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso; e critica a Justiça Eleitoral, que estaria decidindo com parcialidade contra a sua candidatura. Na entrevista de exatamente duas horas, Ciro apresenta os quatro pontos estratégicos que pretende implantar em seu governo: devolver o país a uma rota de crescimento econômico com uma melhor distribuição de renda, resgatar a soberania brasileira, romper com a ideologia neoliberal, segundo ele, imposta pela agenda de Wall Street e, por fim, aperfeiçoar as instituições políticas brasileiras na direção de aprofundar a democracia. Em suas respostas, Ciro deixou transparecer que, se não estiver no segundo turno, irá se empenhar pela eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

ISTOÉ – Assumindo a Presidência, o sr. encontrará uma economia comprometida com o FMI e uma proposta de orçamento já formulada. O sr. vai romper esses compromissos ou eles não comprometem seus planos?
Ciro Gomes –
Comprometem violentamente. Por isso me recuso a fazer promessas. O Lula promete criar dez milhões de empregos, o Serra promete oito milhões. Está marcada para o Brasil uma restrição tão violenta que quem se eleger acenando com paraísos para a população se desfinancia politicamente em seis meses e mergulha o País em uma crise. Não vai dar para fazer milagre. Vamos ter uma fase de seis meses a um ano para arrumar a casa e só depois será possível virar essa estratégia.

ISTOÉ – Como?
Ciro –
Imagino ser possível incrementar o gasto em atitudes-fins – em investimento, em gente, em políticas sociais – cortando em custeios. Tenho uma boa vivência em manejo de orçamentos. É inacreditável se você olhar o que é o orçamento brasileiro. Por exemplo, a rubrica orçamentária este ano para diárias e passagens aéreas de autoridades é de R$ 2 bilhões. Com R$ 2 bilhões construo 200 mil casas populares, com infra-estrutura.

ISTOÉ – Por que tanto dinheiro para diárias?
Ciro –
Claro que você não vai cortar todas as diárias, mas há uma imoderação flagrante. Na verdade, é expediente para a complementação de salários dos amigos do rei. Já fui ministro e sei como é. Tem vários pontos onde existe imoderação, ineficiência e sobrepreço. Um escândalo.

ISTOÉ – Quanto isso representa?
Ciro –
Não é nada espetacular, mas, como eu disse, numa rubrica você pode achar R$ 1 bilhão, supondo que vá cortar a metade. Então, dá para atenuar um pouco o sacrifício.

ISTOÉ – Ao não fazer promessas, o sr. não teme estar na contramão do eleitor?
Ciro –
Há um fragmento da sociedade que parece que precisa ser enganado. Não quero essa interlocução. Essa ilusão vira crise política e um presidente enfraquecido popularmente é presa fácil das corporações, dos grupos de pressão e das oligarquias parlamentares. Só supera isso um presidente com muita força no povo e que tem uma noção de tempo para propor as mudanças estruturais.

ISTOÉ – Qual seria a segunda fase?
Ciro –
Imagino que funcione um conjunto articulado. Uma reforma tributária cujo objetivo é formalizar a economia, desagravar produção e salários, deslocando para o consumo e para o ganho de capital o peso de financiar o Estado. Assim, a economia ganhará competitividade. Ao formular uma matriz institucional para a Previdência, ainda que o efeito final vá ser daqui a 20 anos, passa-se a organizar investimentos em cima daquilo que está certo que vai acontecer. Porque hoje é certo que haverá um colapso na Previdência. E, por fim, precisamos entrar numa dinâmica urgentíssima de superação do déficit externo. Esse conjunto permitirá que se traga a taxa de juros para baixo sem maior risco inflacionário. Se você trouxer a taxa de juros para baixo, restaura a equação de poupança/investimento, e o País tem vocação para crescer rapidamente entre 4% e 5%.

ISTOÉ – Essa taxa cai nos primeiros seis meses de governo?
Ciro –
Não tenho a menor dúvida. O Banco Central está sendo muito conservador e hoje já haveria margem, nada espetacular, para a redução.

ISTOÉ – O sr. montou sua candidatura com alianças bem distintas…
Ciro –
Eu e a torcida do Flamengo (risos)

ISTOÉ – O sr. tem os apoios do Brizola e do ACM. Qual deles terá maior influência em seu governo?
Ciro –
Sem nenhum tipo de simplificação grosseira, cada passo desses exige do presidente a capacidade de articular três quintos do Congresso. Quero muito ser presidente, mas se eu tiver condição de pôr em prática isso. Não tenho vocação para coveiro, nem para síndico de massa falida. Não tenho vocação para a renúncia, não tenho vida suja que justifique um impeachment e estou novinho demais para me matar. Ou faço um bom governo ou prefiro não me eleger. A primeira grande interdição à minha proposta era a de que eu seria um Dom Quixote solitário. Essa aliança tem um norte. É de centro-esquerda.

ISTOÉ – O sr. não acha importante o seu eleitor saber que papel terá o PFL no seu governo?
Ciro –
Não tenho compromisso de cargos com ninguém, com nenhuma pessoa e com nenhum partido, nem com o PPS, nem com o PDT, nem com o PFL, nem com o PTB.

ISTOÉ – Não há, em sua aliança, setores que inviabilizem as reformas que o sr. tem prometido?
Ciro –
O PFL apoiou 100% das iniciativas que o FHC fez ao Congresso. O Fernando Henrique fez passar 34 emendas à Constituição em sete anos e o PFL disse amém a todas elas. Então, se houve uma frustração na agenda das reformas, absolva-se o PFL, porque o que o FHC mandou o PFL votou em 100%. Mais do que o PMDB.

ISTOÉ – Em seu programa está registrada a expressão “parlamentarizar o presidencialismo”, que tem provocado muita polêmica. O que significa isso?
Ciro –
O Brasil tem total condição de evoluir para um parlamentarismo, experimentando caminhos. Quais são os caminhos? Por exemplo, o Congresso convocar eleições antecipadas, como o mundo inteiro faz. O que há na verdade contra nós é que todo mundo percebe claramente que, no Brasil, o poder só fica disponível ao jogo eleitoral. Passado o jogo eleitoral, o poder é subtraído do povo e entregue a esse ajuntamento de plutocratas, de oligarcas e de corporativistas. Todo branco, todo aristocrata no Brasil vive falando da Europa e falando dos EUA e tal, mas não quer imitar as práticas. Quer imitar o padrão de consumo, a estética, os ternos Armani, aí tudo bem. Mas e as práticas? Nos EUA se vota em plebiscito para discutir alíquotas de tributos em toda eleição. Essa é a minha formação.

ISTOÉ – Se eleito, o sr. vai preparar uma transição para o parlamentarismo?
Ciro –
Sou militante da causa parlamentarista. Não sou como o PT, que tem o parlamentarismo no programa e no plebiscito votou contra ele. Mas se sou candidato à Presidência, esse mandato é para ser exercido plenamente.

ISTOÉ – Mas o sr. defende o referendo e o plebiscito.
Ciro –
Não vou impor isso a ninguém. Isso depende do Congresso.

ISTOÉ – Isso é uma previsão constitucional. Uma questão de iniciativa política se submete ou não ao plebiscito e referendo?
Ciro –
Sim. Acho que um tema típico em que o Congresso deveria usar um referendo é o tema previdenciário. Como a Previdência está quebrada, tudo que for feito para consertá-la terá que tirar benefício de algum grupo de interesse ou agravar a contribuição de algum grupo de interesse. Isso não passa nem aqui, nem na Suécia, nem no Parlamento americano. Como é que se pode superar isso? O próprio Congresso poderia ordenar uma plataforma. Por exemplo, se depender da nossa proposta, um regime de capitalização, administrar uma transição, garantir que direitos adquiridos não serão lesados, marcar a data final de vigência para daqui a 20 anos e estabelecer a gradualidade na transição. É empacotar isso diante da fúria das corporações eventuais, porque a idéia é tirar o financiamento da folha de pagamento e transferir gradualmente para o faturamento líquido das empresas e levar para o povão decidir.

ISTOÉ – Privatizações, por exemplo, poderiam ser definidas por plebiscito?
Ciro –
A privatização acabou.

ISTOÉ – Tem a Caixa Econômica, os bancos…
Ciro –
Só se elegerem o candidato do governo.

ISTOÉ – Não haverá privatização no seu governo?
Ciro –
Não haverá privatização dos bancos públicos, nem da Petrobras, nem da geração hidráulica de energia.

ISTOÉ – Mesmo dos bancos estaduais que estão sob intervenção preparados para leilão?
Ciro –
Quanto a esses, não tenho maior restrição.

ISTOÉ – O sr. pretende investigar as privatizações do governo FHC?
Ciro –
Essa, dentre todas as campanhas, é a que tenho tido mais constrangimento porque sou acusado de uma campanha de baixarias contra o Serra, quando o Brasil inteiro viu que eu entrei na tevê propondo saúde, educação, segurança, projetos. Mas ele entrou sem assinar, de forma ilegal, trocando imagem e descontextualizando declarações. Não tenho vocação para pessoalizar questões políticas. Mas, presidente da República, vou apurar todos os escândalos que estão aí debaixo do tapete e apontar à Justiça os responsáveis.

ISTOÉ – Quais são os casos que o sr. acha que precisam ser esclarecidos?
Ciro –
Todos. Começa no Sivam e vem até a Sudam. Vem também a privatização da Telebrás, a privatização da Vale do Rio Doce, Ricardo Sérgio, todos os escândalos.

ISTOÉ – O sr. quer ver gente na cadeia nesses casos?
Ciro –
Quem bota gente na cadeia não é o presidente, é a Justiça.

ISTOÉ – Mas o sr. quer ver?
Ciro –
Esta frase é sua. O que eu quero é recuperar o dinheiro do povo brasileiro e que a impunidade seja, enfim, cessada.

ISTOÉ – Como o sr. pretende equacionar a crise energética sem privatizações?
Ciro –
O caminho imprudente da crença de que o capital estrangeiro ia nos salvar, nos investimentos que não fizemos e na falta de planejamento que praticamos é que criou a crise. O modo atabalhoado de privatizar foi que acabou com a estrutura de energia no Brasil. Privatizaram-se as distribuidoras e repassou-se a elas um pesado encargo em tarifas e aí deu lucro internacional. Para não ter colapso de energia e sustentar um crescimento de 4% ao ano, o Brasil precisa injetar 3,5 gigawatts de potência no sistema por ano. Isso custa US$ 10 bilhões no universo de quatro anos. É claro, admito privatizar termelétricas.

ISTOÉ – E Angra 3?
Ciro –
Tenho um ceticismo em relação à qualidade ambiental da energia nuclear. Não estou fechado à idéia, inclusive estou convocando uma discussão, mas não sou simpático à energia de base nuclear.

ISTOÉ – Gostaria que o sr. falasse um pouco do seu plano de inserção comercial no Exterior.
Ciro –
O Brasil tem uma tradição de diplomacia comercial que, apesar de muito tímida, é de boa diretriz. O Brasil nunca cometeu a imprudência que, por exemplo, o México hoje comete de colocar todos os ovos numa cesta só. Então o Brasil exporta 24% para a América, 25% para a Europa, até a crise argentina 21% eram para a América Latina, mas acho que trata mal as complementaridades com o Oriente, especialmente com a Índia e com a China. A idéia é de que o Brasil deve não concentrar o seu comércio, o que me deixa reticente, por exemplo, em relação aos prazos de uma área de livre comércio com a América do Norte. Não acho que a gente tem que ter medo dessa discussão, mas os prazos que estão estabelecidos são absolutamente impertinentes enquanto persistirem as assimetrias profundas entre as nossas economias na taxa de juros, na maturação tecnológica e no nível de escala de certas cadeias produtivas que são fundamentais para os nossos empregos.

ISTOÉ – O que fazer até que essas assimetrias não sejam tão profundas?
Ciro –
Acho que, como tática, o Brasil tem que consertar o Mercosul. Fazê-lo evoluir para as primeiras concepções, incorporando o Chile, a Bolívia, etc.

ISTOÉ – Como é que o sr vai multiplicar esse comércio, se a estratégia continua a mesma?
Ciro –
A Europa tem nos oferecido entendimentos específicos que nós não avançamos bem. Há uma tensão em commodities que nós temos que agravar para que a Europa remova as barreiras. Por aí tem um caminho. A mesma coisa com a agenda americana. E nós temos complementaridades com a China que são impressionantes. Os chineses estão interessados em um mundo multipolar. A maior quantidade de coincidência de votos nas Nações Unidas é a do Brasil com a China. O presidente da China veio ao Brasil duas vezes durante o governo Fernando Henrique Cardoso e ninguém deu bola. Se o chinês passar a comer três quilos de frango per capita/ano mais do que está comendo hoje, compra 100% da produção de frango brasileira.

ISTOÉ – Qual sua opinião sobre a escolha da empresa que vai fornecer os caças que vão substituir os Mirage da FAB? Qual é a sua opinião sobre a base de Alcântara?
Ciro –
No meu governo nenhum pedacinho do território brasileiro, por minúsculo que seja, ficará indevassável às autoridades brasileiras. Tudo bem que haja um entendimento operacional com a China e com os EUA para lançar foguetes, mas, ainda que seja terra por debaixo da unha, tudo poderá ser devassável às autoridades brasileiras. Quanto aos caças, acho que o Brasil tem que perder o medo de usar uma das principais ferramentas que estão disponíveis ao poder público de se ativar desenvolvimento industrial, de induzi-lo, que são compras governamentais. Se o acordo da Dassot com a Embraer realmente embutir a construção aqui, a nacionalização de componentes e a transferência tecnológica, eu não teria a menor vacilação em dar preferência a essa empresa.

ISTOÉ – Em seu programa consta que a indústria de armamentos será integralmente estatizada e posta sob o controle das Forças Armadas. O que isso significa?
Ciro –
Refere-se a armas de uso pessoal, como nós fizemos no Ceará e pretendemos fazer como presidente. Eu vou proibir o porte de armas na rua. Nós vamos permitir no domicílio.

ISTOÉ – Como fazer isso?
Ciro –
Ficará proibido o porte de armas na via pública. Porte de arma na rua será proibido legalmente. A idéia é que a indústria de armamentos seja estatizada e posta sob o controle das Forças Armadas.

ISTOÉ – O sr. vai estatizar as fabricantes de revólveres?
Ciro –
Exatamente.

ISTOÉ – Como tirar a juventude do tráfico?
Ciro –
O que pode orientar a juventude e restaurar nela certos valores que estão se dissipando é um conjunto articulado de políticas que claramente tem a ver inclusive com a matriz de desenvolvimento do País. Mas isso só não basta, é preciso mudar o paradigma pedagógico para qualificar a escola como um lugar interessante.

ISTOÉ – Como fazer isso?
Ciro –
Mudando os currículos, transformando o paradigma pedagógico da decoreba, que nós temos hoje, numa escola crítica, numa escola em que o aluno possa influir no currículo, que possa dizer quais são os objetos da sua curiosidade central.

ISTOÉ – Seu programa de governo fala em libertar a classe média dos planos de saúde e das escolas particulares. Isso não é vender um milagre?
Ciro –
Não. Isso vem da minha experiência como governador. É perfeitamente possível começar a consertar centros de excelência no serviço público. A classe média da circunstância já está indo ao Hospital Geral de Fortaleza, no Ceará. Era um hospital federal completamente degradado, mas nós o estadualizamos e profissionalizamos, estabelecendo padrões de qualidade. Se eu sofrer um acidente, for atropelado ou sofrer uma bala perdida, em Fortaleza, quero ser internado no Instituto José Frota. Em matéria de emergências é, disparado, o melhor sem plano de saúde. Fizemos centros de referência também na educação.

ISTOÉ – O sr. também fala em descentralizar a educação.
Ciro –
Isso chama-se Federalismo de Integração. O pacto federativo está dilacerado no Brasil. Na briga da dengue, o povo foi insultado com a discussão entre as autoridades, um dizendo que o mosquito era responsabilidade do outro. Isso é uma caricatura, mas está funcionando basicamente em quase tudo. Hoje, no orçamento da União, através do pacto parlamentar, você pode cravar uma rubrica para fazer uma fonte luminosa na praça de Birigui, mas ninguém é responsável por nada, nem pela saúde, nem pela educação. Então a nossa idéia é reordenar o pacto federativo.

ISTOÉ – Como?
Ciro –
A União deve descentralizar tudo o que for operação, estabelecendo padrões mínimos de desempenho. Criar organismos transfederais reunindo prefeito, representação do governo do Estado e do governo federal para acompanhar e supervisionar aqueles mínimos de desempenho.

ISTOÉ – Qual é sua opinião sobre a liberação da maconha?
Ciro –
Não acho que seja propriamente crime ser usuário. É assim que os tribunais estão agindo, é assim que o Ministério Público está agindo e eu acho que isso é um avanço. Mas não temos que contemporizar nada porque esse “tapinha inocente”, que as pessoas imaginam que estão fazendo sem qualquer consequência, financia o narcotráfico.

ISTOÉ – O sr. fala em distribuição de renda. Mas quem vai perder, quem vai entregar os anéis?
Ciro –
Há um brutal processo de transferência de renda de quem trabalha e de quem produz para o setor financeiro. E o setor financeiro é sócio das grandes televisões e sócio do capital externo. A minha candidatura sabe onde está o dinheiro e sabe o que pode ser feito para tirar dali e botar para quem produz e trabalha. Por saber isso é que estamos sofrendo tanto.

ISTOÉ – O sr. diz que enfrenta setores poderosos e por isso tem alguns desgastes. Determinados grupos de comunicação têm uma fatia muito privilegiada da verba publicitária federal. O sr. vai rever isso?
Ciro –
Vou. Tratar a todos com igualdade não é possível, mas tem que ser feito de uma forma mais equitativa com a questão de audiência e da circulação.

ISTOÉ – O sr. é a favor dos transgênicos no Brasil?
Ciro –
Eu era governador do Ceará, com o Ceará tendo como item principal da sua pauta de exportação a castanha-de-caju. Por antracnose, pragas e equívocos de monocultura, etc., a produtividade foi caindo até chegar a 200 quilos por hectare, o que já não compensava sequer limpar, colher e tratar. Eu chamei a Embrapa e o governo financiou o projeto do Centro Nacional de Pesquisas de Cajucultura. Em oito meses, eles desenvolveram um caju clonado anão, precoce, que está dando agora 5.400 quilos por hectare irrigado. Isso é biotecnologia. É basicamente isso que quero fazer. A questão do Genoma e a questão dos transgênicos não pode ser proibida. O que temos de atacar é a questão da biossegurança. Proibir ciência e tocar fogo em pesquisa é coisa da Santa Inquisição.

ISTOÉ – Como o sr. pretende integrar e desenvolver a Amazônia?
Ciro –
Não existe uma Amazônia, como se pensa em Brasília e aqui no Sudeste, são várias Amazônias, profundamente distintas. A primeira grande questão é fazer um mapeamento dessa Amazônia para compreender seus diversos solos, para compreender onde é que se tem que preservar em 100% e onde se pode explorar. No Pará e no Acre há solos argilosos que podem permitir perfeitamente não só uma agricultura sustentável como um manejo florestal.

ISTOÉ – Nessa campanha há uma briga violenta entre o sr. e o candidato José Serra. Isso não pode ser um abraço de afogados que dê a Lula a vitória no primeiro turno?
Ciro –
Não é assim que devia ser feita a campanha. Inclusive eu tentei resistir. Eu fui atacado durante uma semana, imaginei que a lei estava em vigor, supliquei ao TSE e o TSE imediatamente deu a punição a ele. Ele recorreu fora do prazo e com prejuízo extenso para mim, por quatro a três, lendo a mesma lei, examinando o mesmo fato, ministros de alta cultura jurídica deram ganho de causa ao Serra. Ele foi injurioso, foi calunioso, foi difamatório, como tudo que está proibido e dito na lei.

ISTOÉ – O sr. está sendo prejudicado pelo TSE?
Ciro –
Só para comparar, nós colocamos um slide para proteger o programa, porque ele fazia sem assinatura e depois do programa dele convencionar: “Acabou aqui o programa.” Mandava então o ataque. Aí colocamos um slide bem-humorado de uma luta de tele-catch dizendo: “Acaba aqui o golpe baixo. Vai começar o programa que tem propostas.” O Tribunal simplesmente deu três vezes direito de resposta ao Serra, cortando o meu programa por isso. Depois, um dos programas dele foi ao ar com o áudio fora de sincronia e ele pediu à Justiça para repetir; a Justiça repetiu no domingo, quando não tinha nada para fazer, não fui nem notificado de que o programa ia ser repetido. O programa que foi repetido por ordem do TSE, a pedido do Serra, significou um corte no meu programa, que já é de quatro minutos. Ele tem dez minutos, além do dinheiro do mundo todo, além de nomear ministro o marido da prefeita de Arapiraca para aliciar votos no PMDB. A tudo isso o País está assistindo. Se o povo brasileiro vai ser vulnerável, mais uma vez, a essa grande armação ou não, não sei.

ISTOÉ – O sr. acha que o ministro Nelson Jobim deve abrir mão da presidência do TSE?
Ciro –
Eu não acho nada. Pela minha formação jurídica, sei que o código fala em suspeição. Diz os casos de suspeição, sendo um deles a amizade íntima com a parte. Então diz lá que o juiz deve escusar-se de participar de julgamentos em que esteja uma parte com quem ele tenha inimizade explícita ou amizade íntima. O que posso dizer é que eu estou inseguro juridicamente, não estou me sentindo tratado com equilíbrio nem com justiça.

ISTOÉ – Como o sr. imagina conquistar eleitores ainda indecisos no meio dessa guerra com o Serra?
Ciro –
Meu programa eleitoral não tem um ataque pessoal a ninguém. E mesmo assim nossa crítica política está sendo cortada pelo TSE em um despudorado exemplo de manipulação do poder para constranger um adversário. A crítica básica é a seguinte: mostramos o Fernando Henrique, em 1994, prometendo criar quatro milhões de empregos, mostramos que o desemprego cresceu para sete milhões e 800 mil, em 1998; mostramos ele prometendo criar sete milhões de empregos, em 1998, e mostramos o Serra prometendo criar oito milhões de empregos agora. Então, perguntamos para a população se dá para acreditar. É contra isso que eles estão se levantando.

ISTOÉ – Isso inviabiliza uma aliança no segundo turno contra o Lula?
Ciro –
Eu diria a você que o Serra é um projeto de ditador. Se hoje, como candidato, ele age assim – escuta telefônica, manipulação de imagens subtraídas clandestinamente, poder econômico abusivo, manipulação da máquina do Estado para nomear ministro, porque o cara nomeou ministro o marido da prefeita de Arapiraca para cabalar delegados na convenção do PMDB –, mas ninguém diz nada. Aliás, para ser justo, poucas pessoas falam. Um homem desse com o poder na mão, Deus me livre.

ISTOÉ – O sr. sente essa força contrária também na imprensa?
Ciro –
Aqui eu quero fazer um registro: A ISTOÉ é a revista que tem se mantido equilibrada. É a única. É inequívoco o esforço que a média da grande mídia faz em favor do Serra.

ISTOÉ – Tudo indica que o novo Congresso terá um perfil conservador, que vai reagir às reformas que o sr. defende.
Ciro –
Todos os presidentes da República que se elegeram no Brasil, quanto mais na sequência de dois turnos, tiveram no começo do governo absoluta maioria no Congresso e fizeram passar todas as providências que quiseram.

ISTOÉ – Mas quantos deles fizeram reformas estruturais como as que o sr. propõe?
Ciro –
O Fernando Henrique, por exemplo, fez algumas.

ISTOÉ – Sim, as liberais.
Ciro –
Você acha que o Congresso é liberal?

ISTOÉ – O sr não acha?
Ciro –
O Congresso simplesmente aprovou o que o presidente quis. Foram 34 emendas constitucionais. Aprovou a reeleição, e isso não tem nada a ver com o liberalismo.

ISTOÉ – Foi um “toma-lá-dá-cá”, não é?
Ciro –
Abusos? Muitos. Algumas dessas maiorias se dissolveram pela sua inorganicidade, pela sua falta de norte ideológico e pela forma imprudente com que o presidente se comportou em alguns casos. Mas no meu caso, caramba, eu fui ministro da Fazenda, estive no Congresso e tive um relacionamento excepcional, conheço o mundo político brasileiro inteiro, tenho relacionamento com todo mundo e há muitos anos. Por que é a mim que se cobra isso? Quem não tem condição de governabilidade é o Serra.

ISTOÉ – Por quê?
Ciro –
Por uma circunstância prática: o ódio que ele semeou nesse processo. O Lula está alimentando ilusão, mas a última barreira antes de o Lula ser destruído sou eu. Anotem aí também para o futuro. Se eu não tiver êxito, a última barreira antes da desconstrução do Lula sou eu. O que tem de dossiê aí de Santo André, de escuta telefônica, de corrupção no Rio Grande do Sul, de corrupção em matéria de lixo, de transporte, de problemas administrativos em Recife e tal, eu já estou sabendo de tudo.

ISTOÉ – Na hipótese de não ter êxito, o sr. vai apoiar o Lula no segundo turno?
Ciro –
Olha, amigo, para acreditar que vale a pena ficar sem ver meu filho de 13 anos por 40 dias, tenho de acreditar que estou aí para ganhar.

ISTOÉ – Na hipótese de ter êxito, o sr. pretende trabalhar como no segundo turno?
Ciro –
Aí nós teremos vencido uma batalha, que é a de defender o Brasil da tragédia de continuar esse projeto que está aí. E aí o Brasil vai ter uma campanha de altíssima linhagem. Vai ver um adversário, pelo menos eu, elogiando o outro, dizendo assim: você é um homem de bem, você é um amigo verdadeiro do povo, a minha discordância de você é nesse ponto do seu programa ou na sua falta de vivência para manejar o orçamento, ou na falta de sustentabilidade política da sua proposta. E pronto.

ISTOÉ – E esses dossiês que o sr. citou. Se forem verdadeiros ficariam fora do debate?
Ciro –
Quem trabalha com dossiês é o Serra, não sou eu não. Eu apenas tenho a informação de que eles já estão com tudo isso.

ISTOÉ – Quem o sr. gostaria de enfrentar no segundo turno?
Ciro –
Eu queria enfrentar o Serra. Os tempos são iguais. A coisa ficaria muito clara em um debate entre os dois. Enfim, tiro fácil a máscara dele.

ISTOÉ – O sr. trabalharia para aprovar o projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo que tramita no Congresso?
Ciro –
Acho que duas pessoas do mesmo sexo convivendo e fazendo um patrimônio juntas têm todo o direito de dar efeito civil a essa relação.

ISTOÉ – E quanto ao aborto, que é uma questão premente nos hospitais públicos?
Ciro –
Acho que essa é uma questão da mulher e da família. Não devia haver intrusão do Estado.

Participaram da entrevista: Ana Carvalho, Aziz Filho, Carlos José Marques (ISTOÉ Dinheiro), Carla Gullo, Célia Chaim, Cilene Pereira, Claúdio Camargo, Darlene Menconi, Ines Garçoni, João Primo, Luciano Suassuna (ISTOÉ Gente), Mário Simas Filho, Ramiro Alves e Weiller Diniz.
Fotos: Ricardo Stuckert. Produção: Dárcio de Jesus