Falta inteligência ao Federal Bureau of Investigation (FBI), o órgão de investigação doméstica dos Estados Unidos. Quem diz isso é Robert Mueller, o diretor da instituição. Não é o único a fazer esta afirmação. Quem acompanha as atividades do FBI sabe que sua performance no combate ao crime é apenas sofrível. Exemplos não faltam. Theodore Kaczynski, vulgo “Unabomber”, agiu impunemente durante 16 anos, fazendo 13 vítimas com bombas enviadas pelo correio e só foi preso depois de denúncia do irmão. Agora, numa guerra de acusações, tanto o FBI quanto a Central Intelligence Agency (CIA) estão sendo apontados no país como responsáveis pelas falhas de vigilância que permitiram a surpresa dos ataques terroristas de 11 de setembro. Os maus passos dos órgãos responsáveis pela segurança nacional estão sendo rastreados, depois de uma série de revelações que provam incompetência, burocratismo e rivalidade entre os setores de inteligência. Já se sabia que lapsos haviam ocorrido. Mas a extensão dos erros somente agora ganha verdadeiras proporções.

Há tempos circulava pelos corredores do Congresso a suspeita de que o FBI havia ignorado insistentes pedidos do agente especial Kenneth Williams para que fosse feita uma investigação nas escolas de pilotagem de aviões da região. Williams revelava que aumentara muito o número de homens provenientes do Oriente Médio querendo aprender a pilotar. O diretor Mueller procurou escantear a questão. “Mesmo que nós tivéssemos apostado nesta investigação, não teríamos reunido dados suficientes para evitar os atentados de 11 de setembro”, disse. Mentira. Mueller sabia que havia mais alertas vindos de outros escritórios do FBI no país. De Minneapolis, até agosto de 2001, partiram insistentes pedidos para autorização de mandado de busca e apreensão nos pertences de um certo Zacarias Moussaoul. Mas um supervisor na sede alterou os memorandos de Minneapolis para que o mandado de busca fosse rejeitado. Seguia-se, então, a política do novo governo que não dava prioridade ao combate ao terrorismo. Sabe-se hoje que Zacarias tinha em seu computador nomes e endereços de terroristas. Ele aguarda julgamento numa cela em NY e é tido como o 20º sequestrador, aquele que faltou ao encontro e cuja prisão poderia ter evitado a tragédia.

O escudo ilusório que Mueller usou em público para rechaçar responsabilidades foi demolido por um petardo de 13 páginas escritas por uma agente especial de Minneapolis. Furiosa com o jogo do “não é comigo” do chefe Mueller e a insensibilidade dos burocratas de Washington, a agente Coleen Rowley mandou uma carta ao comitê de investigação parlamentar sobre os serviços de inteligência. Uma cópia aterrissou na mesa do diretor do FBI. E a imprensa logo escancarou as denúncias de incompetência. O FBI, em suma, teve chances de impedir os atentados, mas falhou. Agora está tentando encobrir seus erros.
Robert Mueller não teve outra opção a não ser reconhecer publicamente os erros da agência, prometendo mudanças radicais no FBI. O mea-culpa deu certo. John Ashcroft – o equivalente a ministro da Justiça americano – aproveitou para cortar os arreios legais que foram impostos ao FBI há 23 anos. Sem consultar o Congresso, Ashcroft restabeleceu parâmetros antigos para investigações, autorizando os agentes a xeretar a vida de insuspeitos, a internet, organizações sócio-políticas e qualquer pessoa, independentemente de ter ou não cometido algum crime. “Volta-se aos tempos negros de J. Edgar Hoover. Todos sabemos como eles foram ruins”, disse a ISTOÉ o senador democrata Charles Schumer. Ele se refere ao ex-diretor e um dos fundadores do FBI, que montava dossiês de personae non gratae e, em alguns casos, usava as informações para destruí-las.

Além de passar a ser uma agência de coleta de inteligência com poderes de investigar os cidadãos que pagam seu orçamento, o FBI ganhará mais dinheiro para ampliar suas atividades. O castigo pela incompetência, portanto, acabou virando recompensa. Isto pode servir de consolo à CIA, que também senta no banco dos réus. Descobriu-se que a agência de espionagem tinha todos os passos dados por dois dos terroristas de 11 de setembro, um ano antes desta data. Khalid Almihdhar e Nawaf Alhazmi – dois dos sequestradores do avião da American Airlines que se chocou contra o Pentágono – foram investigados e filmados em janeiro de 2000 pelo serviço de inteligência da Malásia, participando de uma reunião de terroristas da al-Qaeda. ISTOÉ já havia relatado este encontro na edição 1670, identificando Mohammed Atta, o suposto líder dos sequestradores, e o chefe do aparato de inteligência do Iraque, que aparecem num vídeo feito na Malásia. ISTOÉ soube deste encontro através de uma fonte da CIA. E revelou-se agora que se trata da mesma investigação na qual Almihdhar e Alhazmi despontam com destaque. Ou seja, a CIA sabia que algo grande estava sendo tramado. Quando Almihdhar e Alhazmi saíram de Kuala Lumpur, capital da Malásia, foram direto para os EUA, onde entraram sem restrições. Isso porque a CIA não avisou o FBI ou o Serviço de Imigração sobre a presença de terroristas no país. Na quarta-feira 5, os jornais The New York Times e Los Angeles Times revelaram que o autor dos atentados nos EUA é o kuwaitiano Jalid Sheik Mohammed da organização Al-Qaeda e que provavelmente esteja escondido no Paquistão ou Afeganistão. O diretor da CIA, George Tenet, terá muito o que explicar na investigação parlamentar.