Em plena corrida presidencial, o mercado financeiro entra em ebulição. O dólar volta a passear pelas alturas e atinge R$ 2,66, o pico do ano, registrado na quinta-feira 6. A Bolsa de Valores trabalha no negativo durante a semana toda e, na mesma quinta-feira, registra uma queda de 3,79%. Tamanho é o nervosismo no pregão que dois operadores chegaram a trocar socos no salão da Bovespa. O risco-país, índice que mede a confiança dos estrangeiros no Brasil, passa a ocupar o segundo lugar no ranking mundial, apenas atrás da desfalecida Argentina, e volta ao patamar de 11 de setembro. Enfim, seria mais uma semana típica da tensão pré-eleitoral, não fosse uma diferença básica: desta vez, o “efeito Lula” não foi considerado o culpado por tudo. O estopim para a espiral de mau humor partiu do próprio coração do mercado, o Banco Central .

Tudo começou quando o BC resolveu antecipar a entrada em vigor do novo método de cálculo da remuneração dos fundos de investimento de renda fixa. Previamente estabelecida para ocorrer em setembro, a mudança aconteceu, de sopetão, em 29 de maio (véspera do feriadão de Corpus Christi). Compreender o exato teor da mudança é tarefa exclusiva de poucos especialistas nos meandros do mercado, já que nem mesmo os gerentes dos bancos de varejo conseguiram responder à enxurrada de dúvidas dos correntistas. Em poucas palavras, o BC mandou as instituições financeiras contabilizar os títulos em carteira pelo valor de mercado (e não mais pelo valor no momento da aquisição).

Na prática, a medida, em geral considerada correta por analistas, apesar de ter vindo em hora errada, acabou por causar perdas de até 5% nos fundos, no rastro da desvalorização dos papéis da dívida – os prejuízos ficarão restritos aos investidores, já que os bancos, segundo levantamento do jornal financeiro Gazeta Mercantil, poderão até lucrar com a mudança. E mais: abalou a confiança dos investidores (principalmente os da classe média), que antes tinham a renda fixa como um porto seguro para guardar dinheiro. “A grande diferença é que agora o risco-Brasil vai chegar à poupança dos indivíduos”, diz o vice-presidente de Mercado de Capitais do BankBoston, Ricardo Gallo. Pelo novo modelo, qualquer oscilação nos títulos federais deve afetar o saldo dos cotistas.

Os saques cresceram sensivelmente. Quem resolveu abandonar os fundos correu para a poupança, para os CDBs e para o dólar. Mas o pior de tudo estava se desdobrando na parte de trás das instituições, longe dos balcões de atendimento. Lotados de papéis de longo prazo (justamente os que tendem a causar instabilidade nos fundos), os bancos passaram a se desfazer em massa deles. Resultado: o BC foi obrigado a atender ao mercado e passou a vender títulos com prazo mais curto – justamente o inverso da política adotada a partir de 1999. A obrigação de acertar a dívida de curto prazo, agora muito mais pesada, vai sobrar para
o próximo presidente.

Os papéis, subitamente, se inverteram. A corrida presidencial, que antes supostamente incendiava o mercado, passou a se alimentar da incerteza dos indicadores. O presidente do BC, Armínio Fraga, um dos grandes propaladores do “efeito Lula” até a semana passada, virou alvo do candidato de oposição. Lula chamou Fraga de “irresponsável” por tentar jogar a culpa na corrida presidencial. “O BC, ao mexer nos fundos, causou desconfiança”, afirmou. Garotinho, do PSB, chegou a comparar o fato ao confisco de poupança de Collor. Ciro Gomes (PPS) também chamou Fraga de irresponsável. “Ele está querendo assustar a população e fazer com que o eleitorado vote no candidato do governo”, disse o candidato.

Até o Ministério Público colocou Fraga na mira. A procuradora da República em Brasília, Valquiria Nunes, abriu inquérito civil público para investigar os prejuízos com as mudanças nas regras e a possibilidade de omissão do BC na fiscalização preventiva dos fundos. “As normas que prevêem o novo formato de contabilização já existem desde 1996. Quando o BC edita uma nova norma, na verdade ele está retirando dos administradores a responsabilidade pelas perdas”, diz Valquiria. O inquérito vai investigar também a “possibilidade de saques por beneficiários de informações privilegiadas”. De fato, um boato dando conta de vazamento circulou durante a semana.

O presidente do BC se absteve do discurso politizado e tentou serenar os ânimos em incontáveis entrevistas no decorrer da semana (algo incomum em sua rotina). Em pelo menos uma delas, assumiu o erro. “Se eu pudesse ter feito diferente, teria feito o ajuste antes. Mas é fácil falar depois do ocorrido”, lamentou Fraga. Até a semana passada ele era reconhecido pela sua enorme habilidade em manejar o mercado.