O maior fundo de pensão da América Latina, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), amanheceu na última semana sob intervenção. Agentes federais foram deslocados para o prédio do Previ, em Botafogo, zona sul do Rio, para garantir a posse do interventor. Carlos Eduardo Esteves Lima, funcionário de carreira do Banco do Brasil, assumiu o posto com plenos poderes e lá deverá permanecer pelos próximos 60 dias. Lima chegou acompanhado apenas de dois assessores de confiança. O primeiro ato foi rápido: uma breve reunião com o então presidente do fundo, Luís Tarquínio. Toda a diretoria foi sumariamente afastada. Num clima tenso, funcionários temiam falar ao telefone com medo de que suas ligações estivessem sendo grampeadas. Dois dias depois, o prédio foi evacuado às pressas, sob o pânico de uma ameaça de bomba. O ato de força foi consumado na manhã da segunda-feira 3, depois de quatro meses de advertências públicas.

Não é novidade intervir em grandes fundos de pensão. Cinco deles estão ou já estiveram submetidos a esse regime. Até mesmo o Previ sofreu uma intervenção branca, em 2000, porque não havia paridade nas contribuições pagas pelos participantes e a patrocinadora. Agora, o motivo foi desobediência da lei: o Previ vinha resistindo a se enquadrar na Lei Complementar 108, que dava mais poderes ao banco, tirando dos bancários a maioria no Conselho de Administração, instância final para decidir o rumo dos investimentos. Desde que a lei foi promulgada, 93 fundos de estatais já se adaptaram às novas regras. O Previ era o único fundo de pensão que resistia, infração considerada grave pelo ministro da Previdência Social, José Cecchin. O prazo limite para o enquadramento expirou em 30 de maio. Desde a última semana, o interventor tem plenos poderes para alterar o estatuto e convocar novas eleições.

“Foi um ato abusivo”, denuncia o ex-diretor de Participações Sérgio Rosa. Ele alegou que, se a intenção fosse apenas adaptar o estatuto do fundo à nova lei, não haveria necessidade de demitir toda a diretoria. Apesar de não ter havido denúncia contra os administradores do Previ, Rosa e todos os outros diretores estão com seus bens indisponíveis. Os críticos da intervenção acusam o governo de ter tomado a decisão com objetivos políticos. O Previ é dono de um caixa de R$ 38,7 bilhões, um investidor capaz de fazer a alegria de muita gente num ano eleitoral. “A intervenção é grave porque o governo não é dono dos fundos de pensão, apenas parceiro”, denunciou o presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva, ao defender os diretores demitidos. A adaptação à nova lei é vista como um retrocesso pelos bancários, que têm novamente reduzida sua participação na gestão do fundo. Há três anos, depois de muita pressão, eles haviam conseguido garantir maior participação na diretoria e maioria no Conselho de Administração.

No tribunal – O caso foi parar na Justiça. O ex-diretor Henrique Pizzolato entrou com mandado de segurança na tentativa de evitar a intervenção, mas o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o pedido. Ele denunciou também que o interventor estaria vasculhando arquivos e apagando alguns deles. “O que eles estão procurando? Informações privilegiadas?”, questionou Pizzolato. A intervenção do Previ está tomando contornos policialescos – o que não chega a ser uma novidade na biografia do fundo. Não é de hoje que o fundo de pensão do BB vem frequentando o noticiário policial. Os anos 90 foram considerados a década dos escândalos. Travessuras financeiras com um caixa deste tamanho já levaram o Previ ao banco dos réus por pelo menos duas vezes: nas privatizações da Companhia Vale do Rio Doce, em 1996, e do sistema Telebrás, em 1998.

Negócios suspeitos e deficitários, além de investimentos de retorno duvidoso, são características que marcam a história recente do Previ. O curioso é notar que todos os investimentos que estão sendo revistos concentraram-se no período de 1995 a 1997, época em que o Previ foi presidido por Jair Bilachi. O ex-presidente trabalhou durante sua gestão com João Bosco Madeiro como diretor técnico. Ambos são alvo de inquérito policial e de investigação do Ministério Público. Motivo: denúncias de corrupção nas privatizações da Telebrás e da Vale. As apurações feitas pela Justiça acabaram ligando Bosco a Ricardo Sérgio de Oliveira, funcionário de carreira do BB e ex-colaborador do tucano José Serra. O projeto turístico de Sauípe, na Bahia, é outro investimento que vem sendo considerado, no mínimo, obscuro. O Previ teria injetado R$ 67 milhões num complexo turístico que nunca deu lucro. A participação do fundo na mineradora Paranapanema é outra decisão sem explicação financeira justificável. O Previ comprou ações da empresa no momento em que ela vivia sua pior crise financeira. Tudo que gira em torno do Previ tem dimensões gigantescas. É o maior investidor da Bolsa de Valores, está entre os 100 maiores fundos de pensão do mundo e é considerado o maior investidor capitalista do Brasil. Não é à toa que uma intervenção do governo, em pleno ano eleitoral, levanta tantas suspeitas.

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