O presidente do Uruguai chorou, desmentiu, pediu desculpas, acusou a imprensa sem saber que sua bombástica declaração de que os políticos da Argentina formam “um bando de ladrões e o presidente Eduardo Duhalde não sabe para onde está indo” encontraria um extraordinário respaldo da população. Pesquisa com 15 mil pessoas feita pelo jornal Clarin mostrou que 52,8% concordaram com a gafe de Jorge Battle, 25,1% consideraram que o presidente uruguaio generalizou demais e apenas 7,6% manifestaram algum incômodo com a agressiva declaração.

Os argentinos perderam a ilusão e o respeito pelas autoridades titubeantes do país, pelos bancos, pelas multinacionais, por organismos internacionais e, principalmente, pelos Estados Unidos. O que sobrou de seu sentimento de orgulho estava nos pés de Batistuta, Ortega, Verón… a espetacular seleção que sobreviveu à crise e aparecia como uma das principais favoritas da Copa do Mundo. Fazia tempo que os argentinos não cantavam o hino nacional com tanta emoção nem saíam para festejar alguma coisa, como fizeram na vitória da estréia contra a Nigéria. Vararam a noite em festas nas ruas, forradas da bandeira azul e branca, orgulhosos do fato de a seleção dedicar seus jogos ao povo argentino. Apesar dos ingleses, os argentinos, que já perderam emprego, casa e comida, têm grandes esperanças de uma virada. É uma alegria fugaz que até poderá se transformar em euforia caso a seleção ganhe a Copa, aquela que seria a terceira de sua história – a primeira em 1976 e a segunda, também muito importante para o orgulho nacional, em 1986, depois da ditadura militar (1983) e da derrota para os ingleses na disputa pelas Malvinas, em 1982.

Em São Paulo, o prefeito de Buenos Aires, Anibal Ibarra, fez um relato dramático sobre a situação social do país. Contou que sua administração passou a distribuir 130 mil pratos de comida por dia. “A situação é dramática, não sabemos quanto tempo vai durar, tampouco se já tocamos o fundo do poço. Porém, o risco de uma nova explosão social, dada a situação de empobrecimento e desemprego no país, é cada vez mais latente”, disse Ibarra. Ele voltou a advertir sobre o risco da hiperinflação e a criticar a precipitação do presidente Duhalde em
recorrer ao Fundo Monetário Internacional antes de ter resolvido
alguns problemas internamente.

Quinta-feira 6, o governo argentino comemorou a decisão do FMI de enviar uma missão negociadora a Buenos Aires, provavelmente nesta semana, considerando que a Argentina “está agora muito mais perto de um acordo”. À noite, depois de uma conversa por telenone de 40 minutos entre o ministro da Economia, Roberto Lavagna, e a vice-diretora-gerente do Fundo, Anne Krueger, o que se apresentou como oficial é que uma missão do FMI desembarca nesta semana em Buenos Aires para iniciar formalmente as negociações. Isso, em meio a boatos de que a instituição teria voltado a insistir em alterações no plano por ele elaborado.

Os dirigentes do FMI são insaciáveis e não se comovem nem com a informação estampada na primeira página do jornal Página 12, um dos mais importantes do país, de que crianças da cidadezinha de Quilmes, distante poucos quilômetros da capital, vêm comendo ratos, gatos e cavalos para matar a fome. O governador de Córdoba, José Manuel de la Sota, não faz rodeios: “Não dá para haver exigências adicionais porque a situação está no limite.” Para o embaixador argentino nos Estados Unidos, Diego Aguelar, a Argentina “já cumpriu deveres acima de suas possibilidades”. Ele acredita que até o final de junho as negociações estarão encerradas e, quem sabe, o governo argentino possa pôr a mão no dinheiro. Antes disso, a solução caseira para entrar dinheiro no país é o turismo. “O turismo”, disse o prefeito de Buenos Aires, “é um dos poucos setores que têm perspectivas de crescimento”, empurrado pela favorável taxa de câmbio.

Oportunidade para o turista e para os investidores. O grupo americano de restaurantes Hooters pretende abrir dez novas casas Chicken Wings no país, nos próximos cinco anos, com um investimento de 15 milhões de pesos. A rede tem 300 restaurantes nos Estados Unidos e um faturamento mundial de US$ 700 milhões. O investimento na Argentina é arriscado. Enfurecidos pela crise, os argentinos cultivam aversão a tudo o que é símbolo do capital americano. A tal ponto que a província de Buenos Aires aprovou uma lei que obrigará lojas e estabelecimentos comerciais a retirar placas em inglês dentro de dois anos e a Coca-Cola, segundo o jornal inglês Financial Times, se cobriu de azul e branco em seus anúncios, preocupada com pesquisas de mercado que revelam resistência a empresas estrangeiras. Até algumas autoridades parecem estar no limite de aguentar o blablablá dos americanos. A um comentário de Horst Köhler, diretor do FMI, no sentido de que a instituição se irrita com a lentidão do governo em cumprir o pacto fiscal, o chefe de gabinete do presidente Duhalde, Alfredo Atanasof, foi curto e quase grosso: “Se querem que andemos mais rápido, que nos ajudem com mais rapidez.” Disse mais: “Há muitas coisas que nos irritam nesse mundo globalizado e seguramente são muito mais irritantes do que a Argentina, e ninguém fica falando sobre elas aos quatro ventos.”

Se o time de Batistuta levar a Copa para casa, aí sim, os americanos vão ver o que é nacionalismo.