O cansaço e a apatia dos colombianos com quatro anos de fracassadas negociações de paz entre o governo do presidente Andrés Pastrana e a guerrilha esquerdista abriram caminho para a vitória de uma alternativa belicosa: o linha-dura Álvaro Uribe Vélez, 49 anos, candidato independente e dissidente do Partido Liberal, foi eleito presidente já no primeiro turno da eleição presidencial no domingo 26. Ele obteve 53,72% dos votos, contra 31,7% de Horacio Serpa, do Partido Liberal. Em 1998, os colombianos haviam tomado o caminho inverso, optando por Andrés Pastrana, do Partido Conservador, que prometia negociar com os guerrilheiros e, ao mesmo tempo, enfrentar o desafio de diminuir a gravíssima desigualdade social do país. Pastrana chegou a ceder um território do tamanho da Suíça para a principal organização guerrilheira, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mas acabou interrompendo as negociações em fevereiro passado diante da incapacidade dos rebeldes em se engajar seriamente no processo de paz. Desta vez, os colombianos escolheram um líder que promete “mão forte e coração grande” para enfrentar uma orgia sangrenta que já dura três décadas, matou pelo menos 35 mil pessoas e dividiu a Colômbia em verdadeiros Estados paralelos, com metade do território controlado pelos chefões do narcotráfico, pela guerrilha de esquerda e por milícias de extrema-direita. Mas, apesar da votação recorde, uma sombra paira perigosamente sobre a legitimidade do novo governo, já que cerca de 54% dos 24 milhões de eleitores não compareceram às urnas. Não apenas porque temiam os atentados das Farc – que decretaram um boicote ao pleito em áreas rurais –, mas principalmente porque os partidos tradicionais na Colômbia estão completamente desacreditados, como, de resto, em grande parte dos países da América Latina.

A administração George W. Bush manifestou inequívoca satisfação com a vitória de Uribe, incondicional defensor das teses antiterrorismo em voga na Casa Branca depois do 11 de setembro. Antes mesmo de o candidato comemorar, a embaixadora dos EUA em Bogotá, Anne Patterson, já o estava cumprimentando pela vitória. Em 2000, o Congresso americano aprovou o polêmico Plano Colômbia, um pacote de ajuda militar de US$ 1,3 bilhão para o governo colombiano combater o narcotráfico, já que a Colômbia produz cerca de 80% da cocaína consumida nos EUA. Os resultados desse plano até agora foram escassos. Os EUA sempre insistiram em vincular a guerrilha ao narcotráfico, mas o Congresso americano proibiu a utilização do dinheiro do Plano Colômbia no combate à insurgência.

A Colômbia já é o terceiro país da lista dos que mais recebem ajuda americana e não é à toa que os falcões da Casa Branca ficaram encantados quando o candidato Uribe disse ser favorável a que as guerrilhas tivessem o status de organizações terroristas. A proposta também encontrou eco no governo espanhol, que pretende incluir os grupos guerrilheiros colombianos numa lista de organizações terroristas elaborada pela União Européia para o congelamento dos bens desses grupos.

Para enfrentar essas organizações armadas – as Farc, com 18 mil combatentes, o Exército de Libertação Nacional (ELN), com cinco mil, e os paramilitares de extrema-direita das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), com oito mil –, o presidente eleito propõe uma legislação antiterrorista que facilite as detenções e as batidas policiais, além de criar uma rede nacional de informantes (leia passado sombrio acima). Além disso, o novo mandatário pretende dobrar o efetivo das Forças Armadas para 100 mil soldados e os da Polícia Nacional para 200 mil. A estratégia de Uribe é enfraquecer militarmente a guerrilha para depois negociar em condições de superioridade.

Bancarrota – A violência colombiana tem dimensões ciclópicas, mesmo para padrões latino-americanos. No momento, existem duas mil pessoas sequestradas, incluindo uma ex-candidata à Presidência, a senadora Ingrid Betancourt, mantida como refém das Farc. Segundo o centro de pesquisas colombiano Caracol, somente entre janeiro e março deste ano ocorreram 23 massacres, que provocaram a morte de 128 pessoas. Neste mesmo período, houve também 42 assassinatos de autoridades e líderes comunitários.

Os prejuízos da endêmica guerra civil colombiana são gigantescos. Desde fevereiro, quando as negociações de paz foram canceladas, a infra-estrutura do governo vem sendo ferozmente atacada pelos guerrilheiros. Pelo menos 250 torres de energia foram destruídas. Além disso, os investidores estrangeiros bateram as asas, como em todo país conflagrado. Segundo a Casa Branca, no ano passado 85% dos atentados terroristas contra empresas americanas ocorreram na Colômbia. Outrora um dos países que mais cresceram na América Latina, com uma média anual de 3,5% do PIB, a Colômbia amargou em 2001 um crescimento medíocre de 1,8%. O desemprego saltou de 10% para 20% na última década e a dívida externa dobrou e atingiu US$ 34 bilhões. Com tantos problemas e tendo fracassado na sua principal promessa – pacificar a Colômbia –, o presidente Andrés Pastrana deve estar louco para entregar o abacaxi. Desta vez, tudo indica, os canhões irão falar mais alto.

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Passado sombrio

Gabriel García Márquez diz em O outono do patriarca que “sempre há outra verdade atrás da verdade”. O ar comportado de bom-moço e a aparente timidez de Álvaro Uribe Vélez, um homem que não bebe e pratica ioga há 20 anos, casado e pai de dois filhos, escondem uma trajetória que nada tem de singela, muito menos de inocente. A começar pelas amizades. Apesar de ter se formado em direito na Colômbia e estudado ciências políticas em Harvard (EUA) e Oxford (Inglaterra), esse apaixonado por cavalos vem se associando a inúmeros figurões suspeitos ao longo de sua vida pública, iniciada precocemente aos 20 anos. Em 1982, quando era prefeito biônico de Medellín, capital do Departamento de Antióquia, Uribe se envolveu em projetos de construção de moradias para a população de baixa renda que eram patrocinados por Pablo Escobar Gaviria, o capo do cartel de Medellín, então a maior organização de narcotraficantes da Colômbia. No ano seguinte, quando seu pai, Alberto Uribe Sierra – um latifundiário com conhecidas ligações com outro chefe do cartel, Fabio Ochoa –, foi assassinado por um comando das Farc, o futuro presidente pediu emprestado a Escobar um helicóptero para chegar à fazenda da família. Uribe também é acusado de ter fornecido numerosas licenças de piloto para integrantes do cartel de Medellín quando dirigiu a Agência de Aeronáutica Civil da Colômbia, nos anos 80.

O presidente eleito cultiva a lealdade. É amigo de longa data de um sinistro personagem, o empresário Pedro Juan Moreno Villa, 59 anos. Ex-chefe de campanha, o empresário se tornou a eminência parda de Uribe quando este foi governador do Departamento de Antióquia (Noroeste da Colômbia), entre 1995 e 1998. Muitos o consideram o futuro “Montesinos colombiano” (referência a Vladimiro Montesinos, homem-forte do ex-presidente peruano Alberto Fujimori). Em 1997, a Drug Enforcement Agency (DEA), o organismo antidrogas dos EUA, apreendeu três grandes navios carregados com 50 toneladas de permanganato de potássio – substância usada na produção da cocaína –, que tinham sido adquiridas pela GMP Productos Químicos, uma empresa de Moreno. Braço direito incansável do governador, o empresário foi um dos responsáveis pela implantação de uma idéia de Uribe, os Comitês de Vigilância Rural (Convivir), grupos de civis armados criados originalmente para proteger empresários e fazendeiros dos sequestros e extorsões da guerrilha. Muitos desses comitês, contudo, passaram a colaborar com as milícias paramilitares de extrema direita não apenas no combate a guerrilheiros, mas em sangrentos massacres de camponeses e lideranças civis acusadas de apoiarem a guerrilha. De acordo com o Escritório de Informações sobre Refugiados e Direitos Humanos (CODHES), as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) floresceram nas áreas rurais de Antióquia quando Uribe era governador e a maioria das 200 mil pessoas que fugiram da região naquela época foi expulsa pelos paramilitares da AUC auxiliados por grupos dos Convivir. Uma das propostas mais temerárias da campanha de Uribe, aliás, é justamente criar uma milícia nacional parecida com os Convivir, mas cuja função principal seria trabalhar como uma gigantesca rede de alcaguetagem, com cerca de um milhão de colombianos passando informações para que a Polícia Nacional e as Forças Armadas possam capturar guerrilheiros.

Organizações humanitárias internacionais não se cansam de denunciar as perversas relações dos paramilitares com setores das Forças Armadas da Colômbia no massacre de civis. E Álvaro Uribe também é amigo de muitos oficiais envolvidos nessas denúncias. Segundo o jornalista Joseph Contreras, correspondente da revista Newsweek em Bogotá e autor de uma biografia de Uribe lançada este mês (El señor de las sombras), o novo presidente tem relações muito próximas dos generais Fernando Millán e Rito Alejo del Río, afastados de seus comandos pelo presidente Andrés Pastrana justamente por colaborarem ativamente com as AUC. E até o governo americano, que muitas vezes faz vistas grossas a essas violações, cassou o visto de entrada desses oficiais. Nada disso dissuadiu Uribe de defender esses militares.

Resta saber se essas ligações perigosas terão algum papel no novo governo colombiano. Num passado recente, outro presidente (Ernesto Samper, que governou entre 1994 e 1998), passou a maior parte do tempo tentando negar seu envolvimento com os barões da droga. Mesmo assim, conseguiu terminar seu mandato. Já a Colômbia…

Cláudio Camargo
 


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