Uma questão pessoal, de Kenzaburo Oe (Companhia das Letras, 192 págs., R$ 33), propõe um dilema universal: como agir quando se é colocado na encruzilhada entre a vida e a morte? Oe discorre sobre as possibilidades de um homem nesta situação e faz do leitor um comparsa irregular, inesperado e contrariado por ajudar o protagonista a se desvencilhar devagar, mas furiosamente, das perturbações que a escolha da morte pode causar. Bird é o homem na encruzilhada e sua história é baseada na do próprio autor, embora não haja nitidez sobre onde a fantasia prevalece. Em 1963, nasceu o primogênito de Oe, Hikari – hoje um compositor de sucesso –, com uma anomalia cerebral. O personagem do livro enfrenta o mesmo problema: “Ai de mim e de minha mulher com essa criatura vegetal, esse bebê-monstro atrelado às nossas vidas. Preciso fugir dele.” Seu plano inclui esvaziar a si mesmo. Se a sorte ajudar e o filho morrer, o aparvalhado Bird poderá preencher sua nova vida com aventuras na África ao lado da amante. Mas como se engana!

O “bebê-monstro” não quer morrer. E agora? Bird pede ao médico para acabar com tudo. Recebe a garantia de que pode provocar inanição
se parte do leite for substituída por água com açúcar. Tal e qual um cacto, o recém-nascido resiste. Diante do inevitável, surge a questão: qual o significado desta figura inescrutável que avança para a vida,
ainda que vegetativa, com tanta disposição? Assim, Kenzaburo Oe – ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1994 – expõe chagas e
marca seu estilo faca no peito de escrever, viajando por sentimentos
de revolta e resistência que rememoram as horrorosas cicatrizes dos sobreviventes de Hiroshima, com os quais a humanidade, a contragosto, teve e tem de conviver.