A proposta que o consórcio Dassault/Embraer apresentou em maio à Aeronáutica não prevê apenas a substituição dos caças supersônicos Mirage-IIIE pelos modernos Mirage 2000-5Br. Está também incluída na proposta a criação de um parque industrial no município paulista de Gavião Peixoto, a partir do qual o Brasil poderá ter acesso ao mercado internacional de aeronaves militares, especialmente o da América Latina. O potencial desse mercado é estimado, por consultores, entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões até 2015. ISTOÉ teve acesso às propostas recebidas pela Aeronáutica – além do Mirage 2000-5Br, da Dassault/Embraer, os caças Sukhoi Su-35, do consórcio Rosoboronexport/Avibrás; o F-16, da Lockheed Martin; o MiG-29, da RAC-MiG, e o JAS-39 Gripen, da Saab/BAe. A proposta da Dassault/Embraer é a única que pode garantir ao Brasil, no curto prazo, acesso à alta tecnologia aeronáutica. Em dez anos, o consórcio Brasil-França poderia exportar aviões militares. Na primeira fase, que vai até 2005, o índice de nacionalização seria mínimo, podendo crescer gradualmente a participação da indústria brasileira. Isso permitiria à Embraer retornar às suas origens. Afinal, a empresa foi criada em 1969 com dois objetivos estratégicos: atender encomendas da Força Aérea e produzir aeronaves civis.

O segundo objetivo, o de fabricar aviões civis – de acordo com o plano apresentado pelo fundador da Embraer, Ozires Silva, à área econômica do governo em 1969 – já está consolidado, com encomendas de mais de US$ 11 bilhões. A Embraer se tornou a maior empresa exportadora do País nos últimos três anos, ultrapassando a Companhia Vale do Rio Doce. Falta consolidar o primeiro objetivo, o de atender às encomendas da Força Aérea Brasileira (FAB). A Embraer já fabrica três aeronaves militares de interesse estratégico para o País: o Super Tucano, de treinamento militar avançado e ataque, o AIEW, de controle aéreo antecipado, e o de sensoreamento remoto, ainda sem nome, destinado ao acompanhamento da região amazônica. O diretor da área de defesa da companhia, Romualdo de Barros, relutou em revelar detalhes da proposta franco-brasileira, mas confirmou que a Embraer apresentou um programa para o acesso do País ao mercado internacional. “Nosso projeto não é, realmente, baseado apenas no fornecimento do Mirage 2000-5Br, mas até mesmo em mudanças do avião, caso a Aeronáutica pretenda que isso seja feito, assim como colocar o Brasil no mercado global, salto que seria facilitado pelo fato de já termos decolado no mercado internacional de aeronaves civis, pois estamos no quarto lugar do ranking mundial”,
diz o executivo.

Ao contrário da proposta do caça F-16 americano, que envolve restrição política do governo americano ao fornecimento de armamentos sofisticados, segundo o brigadeiro Cherubim Rosa Filho, do Superior Tribunal Militar, a do consórcio franco-brasileiro garante a cessão das tecnologias avançadas e mísseis escolhidos pelo Estado-Maior: “Não admitimos barreiras para o acesso da Aeronáutica a qualquer tecnologia”, garante o diretor da área de defesa da Embraer. Com o programa, a indústria francesa vai ter chances de vender seus aviões militares na América Latina, região ainda fortemente influenciada pela indústria americana. A Embraer, segundo oficiais da Aeronáutica, deve atender a projetos militares, até porque foi beneficiada, tecnologicamente, através do programa AMX – avião subsônico de ataque –, desenvolvido com a indústria italiana. A proposta põe a Embraer e seus sócios franceses em condições mais consistentes de disputar o projeto de substituição dos caças Mirage-III, ou seja: um contrato de US$ 788 milhões. Afinal, um dos itens decisivos da licitação da Aeronáutica é o relativo à compensação comercial, para reduzir o impacto do reaparelhamento militar no orçamento da União. “Criar um parque industrial no Brasil para a exportação de aviões militares é uma compensação comercial e vai afetar positivamente no comércio exterior do País”, diz o brigadeiro Mauro Gandra, ex-ministro da Aeronáutica do governo
Fernando Henrique Cardoso.

A oferta do programa faz sentido. Os suecos pretendem negociar o JAS-39 Gripen e podem garantir compensações comerciais de várias áreas. Também a estatal russa Rosoboronexport garante compensações na negociação do Sukhoi Su-35, bem como a americana Lockheed, fabricante do F-16. Todas as propostas serão analisadas pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista, na reunião do Conselho de Defesa, na primeira quinzena de junho. Ele vai dar ênfase ao financiamento externo e ao preço, itens que todos podem atender, assim como à logística. Este último quesito pode dificultar os planos dos russos, segundo o brigadeiro Eden Asvolinsque. Será analisado também o desempenho das aeronaves. Para Asvolinsque, que foi da Junta Interamericana de Defesa, em Washington, “a restrição americana ao míssil de tecnologia mais avançada desejado pelo Brasil nos coloca como país periférico”.

Há um consenso na Aeronáutica de que, se não fosse o escândalo envolvendo o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e acusações a oficiais da FAB, o Mirage 2000-5Br já teria sido escolhido. A licitação e a decisão de submetê-la ao Conselho de Defesa têm a finalidade de evitar um novo desgaste. No caso do Sivam, oficiais criaram problemas para todos os consórcios porque fizeram exigências de acordo com as cláusulas adotadas pelo Estado-Maior. O coordenador do projeto do Sivam, brigadeiro Marcos Antonio de Oliveira, fez longas reuniões com os executivos, exigindo que as cláusulas fossem cumpridas. Os critérios adotados por Oliveira foram investigados pelo Congresso e Tribunal de Contas e não se detectou nenhum indício de irregularidade. O brigadeiro Mauro Gandra, então ministro da Aeronáutica que se demitiu em novembro de 1995, depois da divulgação da escuta do Palácio, não teve influência na escolha da Raytheon, que construiu o Sivam. Quando ele assumiu, em janeiro de 1995, a empresa já tinha sido escolhida pelo Conselho de Defesa.

A preferência de oficiais da Aeronáutica, como o brigadeiro Mauro Gandra, pelo programa do Mirage 2000-5Br não envolve nenhum tipo de antagonismo aos Estados Unidos, mas sim uma estratégia para garantir ao Brasil condições de reduzir sua dependência externa. “Vamos continuar a comprar aviões nos Estados Unidos, como o P-3, recentemente adquirido, mas a instalação de um parque industrial para a produção de aviões militares no Brasil é extremamente relevante”, diz Gandra, que assinou o contrato para a Embraer desenvolver o projeto do caça Super Tucano, que vai operar no Centro de Treinamento de Natal.

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Jogo de pressões

O vice-presidente de relações internacionais da Dassault Aviation no setor de defesa, Yves Robins, diz que os EUA podem fazer pressão para a compra de aviões americanos, como na Coréia do Sul, mas acredita que no Brasil a situação é diferente.

ISTOÉ – O sr. teme que os EUA pressionem o Brasil para que escolha o F-16?
Yves Robins –
Os EUA são uma superpotência, estão muito próximos da América Latina e numa posição de aplicar pressões políticas. No jogo da política externa entre os EUA e qualquer aliado ou parceiro, é possível que outros critérios, além dos puramente técnicos e financeiros, sejam levados em consideração. Foi o que ocorreu na Coréia do Sul. Lá, por ocasião da concorrência para o fornecimento de 40 aviões de combate no valor de US$ 4,4 bilhões, as autoridades locais garantiam que decidiriam em termos estritamente técnicos, industriais e financeiros. Não foi o caso. O avião francês oferecido, o Rafale, era US$ 300 milhões mais barato do que a proposta do americano F-15K, mas as autoridades coreanas se viram na contingência de tomar uma decisão política. Compraram o avião americano, mesmo reconhecendo que a proposta francesa era melhor. Esse é um exemplo clássico de que a política joga um papel fundamental numa decisão sobre sistemas de defesa. Mas não estou dizendo que esse possa ser o caso no Brasil.

ISTOÉ – Que tipo de problemas o Chile teve ao comprar os F-16 dos americanos?
Robins –
A Força Aérea Chilena queria um avião que fosse equipado com mísseis BVR (Beyond Visual Range), que no caso americano é o míssil AIM-120 Amraam. E os americanos, de maneira a assegurar o fornecimento dos F-16, prometeram ao Chile que eles liberariam esse míssil. Depois, disseram aos chilenos que a introdução desse armamento poderia afetar o equilíbrio militar na região. Agora, na proposta feita ao Brasil, o AIM-120 Amraam está incluído e os EUA disseram que esse fornecimento ao Brasil não afetaria o equilíbrio militar da região. Não sei qual foi a mágica.


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