Livros sobre espetáculos, ilustrados com belas fotos, existem aos montes. Mas são poucos aqueles nos quais o fotógrafo, ultrapassando o olhar passivo do espectador, avança em regiões secretas de um balé ou peça de teatro, oferecendo uma leitura nova e reveladora do que se viu no palco. É exatamente esta a impressão provocada pelo livro Ritual (Estação Liberdade, 112 págs., R$ 45), documentação do espetáculo multimídia homônimo, dirigido pelo artista e estilista Carlos Miele, trazendo 80 fotos de Gal Oppido e texto de Vitoria Daniela Bousso.

Acostumado a cruzar linguagens e referências, Miele gostou do formato híbrido da obra. “Não se trata nem de um livro de dança nem de artes visuais”, avisa. “A idéia era criar algo independente do espetáculo, que não ficasse preso ao lado narrativo.” Composto de cinco performances, o balé-multimídia nasceu das roupas-objetos desenhadas por Miele com materiais de alta tecnologia, como os “vestidos de metal líquido”, os “lucíferos”, as “roupas de fuga” ou os “vestidos de fibra óptica”, feitospara adquirirem as formas desenhadas pelos movimentos dos bailarinos. Foi a maneira que ele encontrou para colocar em cena diferentes representações do corpo, do primitivo e mítico ao digital e tecnológico. Atento a todas as ressonâncias das performances, Gal Oppido reforçou seu lado sensorial. “É raro poder fazer um mergulho profundo e a partir daí extrair e fornecer dados e indícios da concepção do espetáculo”, diz Oppido. O resultado é uma obra autônoma, que respira uma poética própria.