Gustavo Cisneros nasceu rico, cres-
ceu milionário e hoje, aos 58 anos, faz parte de todas as listas de bilionários,
os que estão no topo do mundo capita-
lista. Ele é venezuelano, casado com
uma das mulheres mais elegantes do mundo, Patricia Phelps, tem três filhos,
vive rodeado por jardins feitos pelo paisagista brasileiro Burle Marx (“Um grande brasileiro, único”) e é dono de um grupo monumental de 72 empresas que operam em 80 países – algumas delas conhecidas dos brasileiros, como a AOL e a DirecTV. Veio ao Brasil lançar um livro – Gustavo Cisneros/um empresário global – que conta seus erros e acertos como empresário.

Aproveitou os dois, três dias no Brasil para lançar o livro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), quinta-feira 17, e fazer negócios nas horas vagas. Hospedou-se em duas suítes presidenciais no 25º andar do Hotel Renaissance, em São Paulo, que cobra uma diária de R$ 16 mil sem as taxas. Para ele, dono de uma fortuna de mais de US$ 4 bilhões, isso significa pouco, ao contrário do que significa para os menos iniciados na arte do luxo. Esses se deslumbram com o espaço, com a “piscina” de hidromassagem, com a gentileza dos serviçais. Foi lá que Cisneros anunciou a criação de um fundo de US$ 200 milhões para investir no País e disse que está conduzindo outros negócios. Seria o SBT? “Não vou contar os segredos dessa viagem”, diz o dono da Univision Communications, principal canal espanhol nos Estados Unidos, o que inclui tevê aberta e por assinatura.

Cisneros não se acanha em dizer que sempre quer mais, que adora cifras, que
é bom em matemática, que comprar empresas em crise (para reconstruí-las e depois vendê-las) é um grande negócio. Ele sabe o que é televisão. Da Patagônia a Seattle, de Montevidéu a Nova York, milhões e milhões de telespectadores rece-
bem notícias da Univisión – provalmente a emissora que vai anunciar em primeira mão se a negociação com o SBT der certo. E que não vai anunciar suas desven-
turas com o governo revolucionário do presidente Hugo Chávez, seu inimigo nú-
mero 1 – e vice-versa. Ele combate o presidente por sua “arrogância e abuso de poder e autoridade”.

Como troco, enfrenta a acusação de Chávez de ser cúmplice no fracassado golpe que quis tirá-lo do poder em abril e usar seu canal privado de tevê, a Venevision,
para incitar a população contra seu governo. Em agosto, um plebiscito vai escla-
recer quem tem razão.

Ameaçado de ser expatriado e de ter seus bens confiscados pela Venezuela, tem o conforto – segundo jornais de seu país – de manter 80% de suas holdings fora da Venezuela e encara o futuro com otimismo e o presente com prazer.

Comprou a popular equipe de beisebol Los Leones de Caracas, mantém entre seus amigos americanos os ex-presidentes Jimmy Carter e George Bush pai, ostenta a imagem de ser o latino-americano mais influente dos Estados Unidos e… vai comprando. Sua mulher, Patricia, com quem tem três filhos, cuida de uma coleção de arte latino-americana das mais completas do mundo. O grupo foi fundado em 1929 por Diego Cisneros, a partir de uma pequena empresa de transporte e, mais tarde, sob a administração de seus filhos, se tornou um sólido e global centro empresarial, que opera serviços em diversos setores, tem quase 40 mil funcionários e presta serviços a milhões e milhões de consumidores todos os dias.

“Só queremos alcançar o céu”, disse num trocadilho, em 1997, ao comprar por
US$ 114 milhões a empresa Imagen Satelital. Tudo indica que alcançou, não fosse a enorme encrenca que ele, um dos maiores capitalistas do mundo, criou com Hugo Chávez, o presidente socialista da Venezuela. Nunca deu certo esse tipo de confronto. Sua conversa com a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como esse fundo de US$ 200 milhões para o Brasil vai atuar?
Cisneros –
O objetivo desse fundo é ampliar a participação do País no faturamento do grupo, que hoje é de 5%. A administração será da Eccelera, empresa do grupo que funciona em São Paulo e que já administra US$ 100 milhões em investimentos em empresas emergentes da área de tecnologia. Queremos investir em outras oportunidades de negócios, como bens de consumo, varejo, cerveja. Estamos crescendo e querendo atrair investidores estrangeiros para o Brasil, através da Eccelera. Estou interessado em investir no meio de comunicações no País, mas só se for convidado. Essa é a nossa aposta para cumprir o objetivo de aumentar a participação do Brasil nos nossos negócios.

ISTOÉ – A situação econômica do País é favorável?
Cisneros –
Seguimos muito de perto o que acontece aqui. O Brasil é um país muito importante para o mundo e para a América Latina. Tem instituições muito fortes e o presidente Lula é um grande missionário que quer que o Brasil seja um país importante no mundo.

ISTOÉ – Como o presidente Hugo Chávez
quer para a Venezuela?
Cisneiros –
Não, é o contrário. Lula é um democrata, acredita nos direitos humanos, crê na liberdade de expressão, é um grande defensor dos empresários brasileiros, do diálogo. O governo de Chávez parece com o de Cuba e o plebiscito de 15 de agosto é a oportunidade democrática para a população dizer se quer manter Chávez ou se quer ter um governo mais parecido com o do Brasil.

ISTOÉ – Por que tanta pobreza na Venezuela (47% da população vive abaixo da linha da pobreza)?
Cisneros –
A população pobre da Venezuela é pobre porque os governos – este e os anteriores – têm sido muito ricos. Cumprem um péssimo papel ao administrar a riqueza do país. O setor privado ficou pequeno, 10%, e o estatal atinge 90%. O Estado é pouco eficiente e pouco eficaz.

ISTOÉ – O sr. já pensou em ser político?
Cisneros –
Nunca. Eu gosto do setor privado, gosto de ser criativo, de viajar muito, não gosto que me controlem muito. Me gusta controlar. Seria um mal político.

ISTOÉ – Como o sr. descobre que um negócio vai ser bom e que deve
seguir em frente?
Cisneros –
Gostaria de pensar que é muito trabalho e muito faro, mas a verdade é que é muita sorte, boa estrela.

ISTOÉ – Como o sr. tomou a decisão de abrir sua vida empresarial num livro?
Cisneros –
Quando o Paulo (Paulo Bachelet, autor do livro, jornalista) se reuniu com a Editora Planeta, me chamou a atenção o seu argumento de que personagens latino-americanos são raros. Gostei porque gosto de ser pioneiro. Pensei num livro que fosse útil para negócios, universidades. A editora insistiu muito do ponto de vista editorial para que eu viesse ao Brasil, considerando que o mercado brasileiro deveria comprar pelo menos 25 mil exemplares. Isso é mais importante. Quando vi a cifra me animei. Aqui estou.

ISTOÉ – O sr. gosta muito de cifras boas, não é?
Cisneros –
Muito. Sou um grande aficionado na matemática.

ISTOÉ – O sr. vem com frequência ao Brasil?
Cisneros –
Eu venho muito ao Brasil (seu pai foi muito amigo de Burle Marx),
tenho coração brasileiro.

ISTOÉ – Como o sr. acredita que possa ser combatido o desemprego aqui?
Cisneros –
O Brasil intensifica a burocracia contra o pequeno e o médio empresário. Eles têm muitos problemas para se estabelecer aqui, morar aqui, há muitas regras, muitos papéis e somente o empresário grande tem capacidade financeira para enfrentar isso. É uma grande desvantagem para eles. A única razão para que as pessoas não se transformem em pequenos empresários é que é muito caro e muito complicado converter-se em pequenos empresários aqui. É mais difícil aqui do que nos Estados Unidos.

ISTOÉ – Com tantas empresas, tanto trabalho e tanto dinheiro, o sr. não tem o sonho de milhares de pessoas de parar de trabalhar e aproveitar a vida?
Cisneros –
Eu nasci rico, poderia não trabalhar. Eu trabalho porque gosto, para criar empresas novas, pela união dos países latino-americanos, para promover o idioma e a cultura, porque sou uma pessoa de criação.