Criada há 40 anos, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês) transformou o Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, em território da Organização das Nações Unidas (ONU) e principal fórum de discussões para mudanças nas regras do comércio mundial durante a semana passada. Apesar de toda a pompa, das confusões criadas pelo excessivo cuidado com a segurança e de uma platéia internacional de mais de sete mil representantes de 192 países, o 11º encontro da entidade deixou poucos resultados práticos em benefício dos chamados países menos desenvolvidos, razão da criação do órgão em 1964. Em compensação, foi dos bastidores que saíram algumas iniciativas que poderão ajudar no intercâmbio entre as nações emergentes e na criação de uma nova geografia do comércio global.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião junto com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na segunda-feira 14, defendendo bandeiras que levanta desde o início do mandato. Lula tem defendido uma menor dependência das transações com os países do Norte e uma maior integração comercial entre os países pobres do Hemisfério Sul e aproveitou a deixa para reforçar suas idéias sobre comércio. Ele chegou a dizer que o Brasil está disposto a importar produtos mais caros de países mais pobres para ajudá-los. Citou como exemplo o caso do arroz uruguaio. A idéia gerou polêmica dentro do próprio governo, mas contribuiu para o crescimento dos negócios externos dos países em desenvolvimento. Hoje com economias mais abertas e modernas por conta da globalização, as nações menos desenvolvidas já respondem por 30% de todo o comércio global, segundo estatísticas da própria Unctad. Em meados dos anos 80, mal chegava a 20%. Incrementar esse porcentual é o grande objetivo da entidade.

Ajuda – O presidente Lula também defendeu a criação de um programa de crédito aos países mais pobres do mundo, nos moldes do Plano Marshall. Lançado pelo secretário de Estado americano George Marshall, em junho de 1947, a ajuda econômica destinou um total de US$ 13 bilhões aos países europeus destruídos pela Segunda Guerra Mundial. A falta de resultados concretos nessas reuniões da ONU motivou um comentário de Lula ao presidente do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos. Durante o encontro que manteve com Frutos no Anhembi, Lula disse que está cansado desses grandes acordos internacionais que não saem do papel. “A partir de agora temos que fazer com que as coisas aconteçam”, disse.

Talvez tenha sido por isso que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, tenha trabalhado com afinco nos bastidores. Na manhã da terça-feira 15, ele manteve seis encontros com representantes do comércio da Nigéria, Marrocos, Coréia, Índia, Finlândia e China. Com os chineses, por exemplo, Furlan e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, pediram apoio para resolver o impasse criado pelo embargo da soja para a China, fato que vai afetar negativamente as exportações brasileiras. Também tratou de acordos bilaterais para a venda de etanol para os chineses, indianos e tailandeses, interessados em adotar a tecnologia em seus países. O representante comercial da Tailândia, Kantathi Suphamongkhon, disse que só está aguardando informações tecnológicas do Brasil para dar andamento à produção de etanol em seu país. “Estamos fazendo com que empresários brasileiros e tailandeses mantenham contato”, adiantou Suphamongkhon.

Já o secretário-geral da Unctad, o embaixador brasileiro Rubens Ricupero, que presidiu a reunião em São Paulo, disse que é preciso ter mais cuidado na hora de atrair investimentos diretos para os países em desenvolvimento, em especial o Brasil. A questão, segundo ele, não é mais saber como trazer dinheiro de fora, mas fazer com que eles criem empregos, aumentem a renda, a capacidade produtiva e as exportações. “Temos que criar algo duradouro.”

As questões tarifárias e os subsídios agrícolas concedidos pelos países desenvolvidos dominaram os debates. Mas nenhuma decisão concreta foi tomada. A iniciativa mais forte para a redução de tarifas veio de um grupo de países emergentes, que quer resgatar o Sistema Global de Preferências Comerciais (SGPC), assinado em 1989, mas que não saiu do papel. As negociação vão continuar em Genebra, mas só no final do ano.