A internet tem milhões de histórias. Esta é uma delas: Dambury, Estado de Connecticut. Sexta-feira 17, 17h45. A garota Christina Long, 13 anos, 1,53m, 60 quilos, olhos azuis, cabelos castanhos, é deixada pela tia Shelly Reilly na porta do shopping center Dambury Fair. Depois disso, ela sumiu. A polícia foi chamada. Christina, porém, não seria mais achada com vida.

Westchester, Estado de Nova York. Sábado 18, 12h30. Os investigadores da equipe de prevenção de crimes contra menores, do escritório da promotora pública Jeanine Pirro, recebem para análise o computador usado por Christina. “Ela era viciada na internet”, diz Rose Mahoni, colega da menina na escola católica St. Peter. O detetive Pat O’Mally é o veterano do departamento que tem mais de 63 condenações de sedutores de menores por via eletrônica. Sua técnica principal é se fazer passar por menininhas adolescentes em busca de aventura ou atenção. Usando este tipo de isca, a turma da promotora Pirro costuma agarrar um sedutor por semana. Nunca, porém, pegaram o criminoso depois de um homicídio. “Com um pouco de sorte, nós poderíamos ter agarrado este assassino antes que fosse tarde”, acha O’Mally. É ele, porém, quem localizou no disco rígido de Christina o nome de “hotes300”. A menina manteve múltiplas e apimentadas comunicações com o dono desta sigla, num fórum de bate-papo usado por adolescentes. Naquele mesmo domingo, O’Mally – que tem filha da mesma idade da desaparecida, e faz de sua profissão uma cruzada – já obtinha da empresa American Online a identidade verdadeira de “hotes300”. Era a conta de Silviani Arruda, da cidade de Greenwich, em Connecticut.

Café Brasil – Greenwich, Connecticut. Domingo 19, 9h30. Dois agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI, Polícia Federal dos EUA) e uma equipe de detetives de Danbury, liderada pela tenente Rachel Halas, chegam ao prédio de apartamento onde está o computador de Silviani, uma brasileira de 53 anos, dona do Café Brasil, em Port Chester, cidade do mesmo Estado. Verificam, porém, que o pseudônimo “hotes300” era usado pelo filho daquela senhora. Saul dos Reis, 25 anos, casado, residente em Greenwich, vivendo ilegalmente há 15 anos nos Estados Unidos, gerente do Café Brasil, havia marcado para sexta-feira um encontro com Christina no shopping center. Foi preso no domingo antes do almoço e acabou levando naquele mesmo dia os investigadores a um terreno baldio em King Street, em Greenwich. Lá estava o corpo de Christina. Causa mortis: estrangulamento.

O brasileiro Saul sempre foi tido como um bom rapaz: quieto e respeitador. Os amigos e colegas no Café Brasil acham que ele era um bom marido. A mãe contou que todas as noites seu filho, antes de ir para o apartamento modesto que ocupava com a esposa, passava umas duas horas na internet. “Eu achava que ele estava se correspondendo com brasileiros. Saul é ingênuo, não acredito que cometeria um crime destes”, disse a mãe. O que o detetive O’Mally descobriu no rastro deixado no disco rígido do computador é que Saul conversava com várias mulheres em fóruns eróticos ou de paquera. “Estamos investigando se ele seduziu outras menores. Minha experiência diz que Christina não foi sua primeira, ou única, conquista. Acho que vamos descobrir mais adolescentes em sua lista de predador. Só espero que não encontremos nenhum outro corpo”, disse O’Mally.

Aparências – Christina Long era orfã de pai e mãe, quieta, esforçada, querida pelos professores e padres do St. Peter. Ela havia se convertido ao catolicismo sozinha, deixando a igreja presbiteriana de sua tia. Fazia parte do coral nas missas; era líder de torcida de futebol americano, ótima aluna e, notava-se, um tanto carente. Estas eram as aparências. Traduzidas nos códigos binários da internet surgiam outras figuras. Christina mantinha um nicho erótico via computador. Através dele já havia conhecido e mantido relações sexuais com outros homens antes de Saul. Sua preferência – segundo os dados deixados em seu disco rígido – era o sexo sadomasoquista. Ou seja: no hard-drive estava a Christina hard-sex. Saul conhecia esta outra personalidade da menina do coral da igreja. Eles tiveram duas sessões de sexo violento antes do estrangulamento final de sexta-feira. ISTOÉ apurou também que ambos estavam sob a influência de álcool e de outra droga. “O difícil é imaginar que este rapaz tenha mantido qualquer tipo de relacionamento com Christina. Ele mal fala o inglês”, diz a detetive Halas.

O FBI entrou na investigação porque o uso da internet para atividades de fins criminosos remete o caso para a alçada do governo federal. Como houve homicídio, Saul pode ser sentenciado à morte. O procurador de Justiça John Danaher III disse a ISTOÉ que há grande chance de que a equipe de promotoria peça a condenação máxima, ainda que os júris liberais de Connecticut não costumem dar esse veredicto. Saul está preso – inafiançável – no Centro Correcional da cidade de Bridgeport. Seu advogado, designado pela corte, é o ex-promotor Harold Pickerstein. Ele já adiantou que seu cliente vai se declarar inocente. As perspectivas não são nada boas para Saul.