O presidente Luiz Inácio Lula da Silva queria desembarcar em Nova York na terça-feira 22, onde se encontra com líderes mundiais na ONU, com uma retumbante vitória política. Não vai ser possível. Levará na bagagem a mais pesada derrota de seus 18 meses de governo, embalada pelo Senado na noite de quinta-feira 17. Uma oposição inesperadamente unida derrubou uma frágil maioria governista dividida pelas intrigas palacianas e pela desarticulação política. Foi um vexame que pode se aprofundar no Parlamento e no governo.

O placar anunciava 44 votos contra 31, e uma abstenção, a favor da proposta do PFL de um mínimo de R$ 275, exatos R$ 15 a mais que a proposta do Planalto já aprovada na Câmara por folgados 266 votos contra 163. Entre os votos contra o governo, contavam-se três senadores petistas: Paulo Paim (RS), Flávio Arns (PR) e Serys Slhessarenko (MT). Com a derrota no Senado, a proposta do governo volta para a Câmara, onde se dará o terceiro round da batalha. O Planalto vai tentar
manter o mínimo original de R$ 260. Mas a tarefa será difícil, já que os deputados,
às vésperas da eleição, não querem diminuir o salário que os senadores aumenta-
ram. O Planalto vai tentar adoçar os deputados atrelando futuros aumentos do míni-mo ao crescimento do PIB.

As deserções de votos governistas ocorreram em vários partidos da base: cinco no PMDB, três no PT, dois no PL, dois no PSB, além de uma abstenção no PMDB e duas ausências, uma no PMDB e outra no PTB. Além do fogo amigo no Senado, o governo amarga as intrigas que vêm corroendo a fidelidade canina de ex-aliados no Congresso e de ministros. O fiel presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por exemplo, não moveu um fio de bigode para convencer a filha, Roseana (PFL-MA), e seu grupo a votar a favor do governo. Sarney, que quer ser reconduzido à presidência da Casa, está às turras com o líder de seu partido, Renan Calheiros (AL), também candidato ao cargo. No Planalto, a brigalhada entre os articuladores políticos do governo é ainda maior. Enfraquecido desde que seu ex-assessor Waldomiro Diniz foi pego em grampos cobrando propina de bicheiros, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, já não se entende com o coordenador político do Palácio, Aldo Rebelo (PCdoB). A briga entre os dois chegou a tal ponto que o ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, anunciou que está investigando uma rocambolesca história de espionagem no Palácio do Planalto, envolvendo arapongas e assessores de Aldo e Dirceu. Os dois desafetos tentaram aparentar um clima pacífico, anunciando que estavam trabalhando juntos pela aprovação do mínimo no Senado, mas não convenceram ninguém.

A derrota acabou deixando os dois ministros de calças na mão. Ambos agora terão de explicar ao presidente Lula qual o raciocínio mágico que os levou a pensar que a brigalhada traria algum ganho para o governo. Também em guerra com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, Dirceu tem um estranho consolo. A demonstração de que o governo tem uma base parlamentar frágil deverá agitar o mercado financeiro, bagunçando um pouco os indicadores que fazem a alegria da equipe econômica. Mas isso também não deve agradar ao presidente. Na noite da quinta-feira 17, logo após a votação, já começaram a circular em Brasília rumores de antecipação da reforma ministerial prevista para depois das eleições. O povo, no entanto, não tem muito do que reclamar. Pelo menos por enquanto, graças ao desentendimento governista, vai vencendo no Congresso uma proposta de reajuste do salário mínimo que aumenta o seu poder de compra.