A Bolívia está prestes a escolher um novo presidente que se propõe a realizar uma verdadeira revolução social e econômica no país. Depois de décadas dominado por oligarquias tradicionais que foram incapazes de transformações significativas, o povo boliviano agora parece estar apostando num ex-capitão do Exército cujas propostas estão galvanizando o homem de rua, seja ele de ascendência indígena ou européia: Manfred Reyes Villa, 47 anos, da Nueva Fuerza Republicana (NFR), um partido com apenas cinco anos de existência. Ex-prefeito de Cochabamba (a terceira cidade mais importante do país, com 800 mil habitantes) por quatro mandatos, pai de cinco filhos e com um currículo que inclui o cargo de adido militar nos EUA, Manfred, como é conhecido, tem nada menos que 41% das intenções de votos para a Presidência, segundo as últimas pesquisas. Bem depois dele vêm dois ex-presidentes: Gonzalo Sánchez de Lozada, do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), com 16%; e Jaime Paz Zamora, do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), com 15%. A eleição presidencial boliviana será realizada no próximo dia 30 de junho em apenas um turno.

O candidato disse a ISTOÉ que os tradicionais partidos políticos bolivianos perderam sua credibilidade e é necessário, mais do que nunca, restabelecê-la, sob pena de a Bolívia permanecer eternamente ao largo da história. Entre as propostas eleitorais de Reyes Villa, estão uma revisão constitucional profunda e reforma radical do Judiciário para pôr fim à corrupção institucionalizada que assola o país. O ex-prefeito promete que, se eleito, vai propor a realização de um referendo nacional para aprovar as reformas, já que ele acredita que, por serem profundas, essas reformas não podem depender tão-somente da aprovação do Congresso Nacional. Com pouco mais de oito milhões de habitantes, a Bolívia tem um PIB de cerca de US$ 8,5 bilhões e a sua renda per capita não atinge US$ 1 mil.

Visita ao Brasil – Nesta semana, Reyes Villa estará no Brasil, onde vai se encontrar com representantes da classe empresarial brasileira, líderes políticos e com o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. O candidato diz que, se eleito, a Bolívia vai propor que os países do Cone Sul se fortaleçam através da formação de um bloco econômico capaz de fazer frente ao poderio ameaçador da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) proposta pelos EUA. “A Alca, para ser justa, deveria levar em conta as potencialidades de cada país e a sua real situação econômica, senão os países latino-americanos serão vítimas de uma concorrência desleal dos EUA”, afirma. Ele dá como exemplo o fato de o governo americano conceder generosos subsídios ao setor agropecuário. “Se isso persistir”, indaga, “como será possível a países como a Bolívia, o Brasil e demais vizinhos competirem em pé de igualdade com os produtores americanos?”

Reyes Villa quer propor ao Brasil o desenvolvimento de estratégias conjuntas que permitam aos países do continente competir em pé de igualdade. Caso contrário – adverte – o advento da Alca resultará num aumento dramático da pobreza nesses países. Em outras palavras, o candidato está propondo a formalização de um acordo multilateral que inclua Bolívia, Brasil, Paraguai, Chile e Peru, além da Argentina e Uruguai, com o objetivo de fazer frente à Alca. Ele acredita que o Brasil, por sua posição de liderança regional, é quem deva levar adiante essa iniciativa por melhores condições de competitividade.

Também a crise argentina estará incluída na pauta de discussões que o candidato irá manter no Brasil. Reyes Villa revela que a Bolívia já vem sofrendo agudamente os efeitos dessa crise. Segundo revela, os produtos argentinos vêm perdendo preço e estão invadindo o mercado boliviano de forma agressiva, afetando seriamente a produção local. O candidato, por outro lado, quer criar, com a parceria de empresas brasileiras, como a Odebrecht, um pólo de produção petroquímica em seu país.

Entre os graves problemas que a Bolívia enfrenta, Reyes Villa aponta o déficit da balança de pagamentos, que se situa em torno de 7% do PIB – uma situação que se mantém há 15 anos. O país, diz o candidato, não conseguiu desenvolver políticas de exportação de seus produtos, pois não abriu novos mercados externos. “Vivemos uma grave crise econômica e social, com confrontos diários através de greves, paralisações, bloqueios, etc., porque não se conseguiu até hoje dar solução aos problemas estruturais que afligem os diferentes setores nacionais”, afirma. Segundo ele, a Bolívia se debate com três problemas fundamentais: o primeiro diz respeito à crise econômica; o segundo é o confronto social; e o terceiro é a pobreza extrema que aflige a esmagadora maioria da população. As soluções preconizadas por Reyes Villa incluem a transformação do modelo econômico boliviano, “pois vivemos as consequências de um modelo neoliberal ortodoxo que, no contexto de uma globalização galopante que se processa no mundo, só tem feito mal ao país”, diz.

Modelo neoliberal – “A Bolívia, desgraçadamente, não teve a capacidade de criar uma burguesia nacional e o modelo neoliberal que adotamos não nos preparou para participar desse livre mercado. Então, não existe realmente o que se poderia definir como produção nacional, pois tudo que consumimos, praticamente, vem de fora”, explica. Reyes Villa lembra também que a Bolívia é um país que dispõe de grandes recursos naturais. “Veja o caso de nosso gás. Temos reservas de 53 trilhões de pés cúbicos de gás. Então, somos uma potência energética. endemos cerca de oito trilhões de pés cúbicos só para o Brasil. Por outro lado, o México e a Califórnia querem comprar o nosso gás. E daí? Nossos governantes anteriores praticamente entregaram esse imenso potencial às empresas. Assim, o gás passa a ser mais dessas empresas do que do próprio país”, acusa. “Aos bolivianos resta somente os impostos, cerca de 18%. Assim, mesmo com todo esse gás, o país vai continuar pobre. Não se soube negociar nem defender os interesses nacionais e é isso o que mais me preocupa”, enfatiza Reyes Villa. Para o candidato, “se a Bolívia mantiver o comportamento de boa discípula do Fundo Monetário Internacional (FMI), sofrerá uma contração econômica cada vez maior. Em suma, se isso persistir, a situação vai piorar”, conclui.