A fantástica história contada pelo diretor americano Steven Spielberg no filme Parque dos dinossauros, em que um obsessivo cientista recria em laboratório os tiranossauros pré-históricos, cruzou a fronteira da ficção e ganhou ares de fato científico no museu australiano de Sydney. Usando técnica de clonagem semelhante à que gerou a ovelha Dolly, uma equipe de pesquisadores busca ressuscitar o tigre da Tasmânia, mamífero carnívoro extinto em 1936. A história se transformou no documentário Clonando o tigre da Tasmânia, que será exibido no dia 7 de julho, às nove da noite, pelo canal pago Discovery. Na terça-feira 28, o coordenador do ambicioso projeto, o biólogo australiano Mike Archer, disse que conseguiu chegar a uma amostra genética do animal a partir de fragmentos de DNA extraídos de uma fêmea. Foi puro golpe de sorte. Durante 136 anos, a tigresa ficou conservada em álcool, e não em formol, a solução mais usada para preservar cadáveres. O formol teria danificado o DNA do mamífero para sempre, mas o álcool evitou sua degradação. No acervo do museu australiano, encontraram-se ainda os restos de outros dois machos da espécie, de onde se retiraram amostras para a produção de um clone. Agora, os cientistas vão reconstruir o seu genoma completo e, dentro de dez anos, esperam inseminar o embrião do tigre no útero de seu parente, o demônio da Tasmânia.

O bicho de um metro e meio de comprimento era um marsupial como o canguru, que carrega os filhotes numa bolsa presa ao ventre. Ele vagava pela Austrália, Papua Nova Guiné e Ilha da Tasmânia e seu alimento preferido era a ovelha. No século XIX, ele foi vítima de uma verdadeira caçada humana incentivada pelo Parlamento da Tasmânia, que concedeu mais de duas mil recompensas pelo escalpo do animal. Embora a última espécie viva de que se tem notícia tenha morrido no zoológico de Londres, há 66 anos, o bicho foi declarado extinto em 1986. A pesquisa para ressuscitá-lo começou em 1999, dois anos depois do nascimento de uma outra ovelha, a Dolly. Até hoje nunca deu certo uma clonagem de animal extinto. Em 2001, tentou-se reproduzir o gauro, um raro touro asiático ameaçado de extinção. Seu DNA foi colocado no óvulo de uma vaca. O filhote nasceu saudável, mas morreu dois dias depois, de uma prosaica disenteria.

A experiência com o tigre da Tasmânia abre uma perspectiva otimista para a clonagem de animais. “O tigre é um ícone australiano porque o país carrega a culpa de tê-lo exterminado”, diz Archer. Enquanto o mundo animal espera usufruir dos avanços científicos, os benefícios da técnica para replicar a vida humana parecem distantes. Estudo divulgado na semana passada joga uma pá de cal na expectativa de gerar um clone humano. O trabalho, que tem a participação da brasileira Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo, foi realizado com vacas adultas e revelou que suas células raramente conseguem reprogramar o cromossomo feminino, o que é essencial para a gestação e o nascimento de bebês saudáveis. No experimento, seis dos dez embriões bovinos morreram. Embora a tentativa de brincar de Deus dissemine medo e incerteza entre os seres humanos, ela sinaliza uma esperança para reverter erros bestiais como o que resultou no extermínio do tigre da Tasmânia.