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A ex-modelo, ex-estudante de nutrição e mestre em artes plásticas Estela Renner lança
um filme que denuncia e alerta sobre a pandemia da obesidade infantil se instalando no Brasil

Até alguns anos atrás, era comum ver brasileiros voltando de suas viagens de compras ou passeios aos Estados Unidos, comentando entre impressionados e orgulhosos sobre a profusão de corpos gigantescos pelas ruas e parques das cidades americanas. Sim, era possível identificar também qualquer coisa de orgulho e às vezes até uma ponta de acidez vingativa em um ou outro desses interlocutores enquanto contavam sobre as dezenas de obesos vagando pelo território americano. Se a simples observação da população nas calçadas já levava a um diagnóstico assustador, os dados científicos aterrorizavam bem mais. Entre outras estatísticas, há uma em especial de estarrecer, algo que nunca aconteceu antes no mundo: uma geração apresentará expectativa de vida menor do que a que a antecedeu. Uma safra inteira de pessoas que hoje são ainda muito jovens, deve literalmente explodir por conta de doenças provenientes da quantidade e da qualidade daquilo que ingere.

E tudo indica que aqui, no país do futuro, já podemos dizer que chegamos lá.
É mais ou menos o que se conclui ao assistir ao documentário “Muito Além do Peso”. O filme, dirigido por Estela Renner, produzido por Marcos Nisti e Juliana Borges e com fotografia de Renata Ursaia, viaja pelo Brasil e descobre algumas consequências menos divulgadas do crescimento econômico, da inclusão e da “nova classe C”. Em cerca de uma hora e meia de imagens e depoimentos, descobre-se, por exemplo, que, nos postos médicos de povoados longínquos, os casos de crianças desnutridas tornaram-se raríssimos. Ao contrário, hoje grande parte das ocorrências médicas dão conta de problemas decorrentes da obesidade infantil em números impressionantes. Na apresentação do filme, no site da Mostra Internacional de Cinema, está escrito: “Pela primeira vez na história da raça humana, crianças apresentam sintomas de doenças de adultos. Problemas de coração, respiração, depressão e diabetes tipo 2. Todos têm em sua base a obesidade. O documentário discute por que 33% das crianças brasileiras pesam mais do que deviam.”

A má publicidade voltada para as crianças é um dos assuntos estruturais do documentário. A nefasta associação de ícones de saúde a alimentos que nada têm de saudáveis e a odiosa distribuição de brinquedos como brindes na compra de lixo comestível estão entre os tópicos colocados em discussão. Num dos momentos mais marcantes, crianças são colocadas diante de frutas e legumes muito comuns. Depois de olhar e de apalpar os vegetais, muitas delas demonstram não só desconhecer os nomes, mas, em alguns casos, nunca ter provado alimentos tão supostamente familiares a uma criança brasileira quanto uma maçã. Mamadeiras lotadas de refrigerantes sendo mamadas por bebês de colo, populações carentes e indígenas recebendo a visita de “barcos supermercado” de uma das maiores empresas de alimentos do mundo descarregando toneladas de biscoitos recheados (um tubo desses biscoitos de 140 g tem 30 g de gordura e 50 g de açúcares, o que equivale a nada menos do que oito pães franceses) e outras formas de empacotar açúcar e gordura em excesso. A propósito, as quantidades industriais de açúcares, gorduras e sal que são colocadas nos alimentos, para acentuar o sabor, melhorar a textura e torná-los mais irresistíveis aos paladares e capacidades de discernimento menos desenvolvidos dos menores são outro aspecto chocante do documentário. O projeto contou com o apoio fundamental do Instituto Alana, conhecido pelas iniciativas contra os excessos da propaganda voltada ao público infantil. Uma amostra do filme pode ser vista no site da organização: https://alana.org.br/

Estela e a equipe do Alana prestam um serviço de enorme relevância ao País e acendem uma luz amarela forte de alerta sobre como podemos estar inadvertidamente patrocinando a morte prematura e lenta de nossos filhos a cada ida ao supermercado.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente