O presidente Eduardo Duhalde passou uma semana entre Madri e Roma, reunido com outros líderes do Mercosul e da União Européia. O mandatário argentino ouviu muitas promessas de ajuda, diversos palpites “infalíveis” para contornar a maior crise da história do país e, como sempre, voltou para casa, na quarta-feira 22, sem nada de concreto. Pior: encontrou o país paralisado por uma greve geral de um dia, o presidente do Banco Central demissionário, o peso ainda mais desvalorizado, três bancos falidos estatizados e imagens chocantes de crianças e senhoras
famintas revirando o lixo estampadas nos jornais.

Pouco mais de 12 horas depois de regressar ao país, Duhalde socou a mesa (literalmente) e ameaçou renunciar à Presidência em uma reunião de gabinete. “Estou trabalhando 20 horas por dia, me matando com isso
e tem gente que parece estar olhando para o céu…”, esbravejou o presidente contra seus principais colaboradores, pedindo pressa na resolução de questões que afogam a Argentina na recessão há mais
de quatro anos.

A fúria de Duhalde tinha como endereço os parlamentares, que demoram a aprovar mudanças na lei de Subversão Econômica (uma peça fundamental nas negociações com o Fundo Monetário Internacional), e os governadores das províncias, que relutam em cumprir as metas estabelecidas pelo FMI. “Se não aprovarem (a lei), tragam um presidente que eu me vou”, ameaçou. Duhalde disse ainda que, se junho chegar e a Argentina não tiver cumprido as 14 exigências do Fundo, o órgão poderá abandonar o país.

A pressão deu resultado, ao menos por algumas horas. Os deputados oposicionistas amenizaram o discurso e voltaram a discutir a aprovação da lei (que afrouxaria as medidas impostas pelo bloqueio de depósitos vigente desde dezembro). Mas, no fim das contas, o governo acabou perdendo a votação na Câmara e, agora, aguarda que o Senado modifique a lei. Com mais uma derrota, o presidente passou a falar em antecipação das eleições, marcadas para 2003. A única vitória de Duhalde foi a manutenção do presidente do BC local, Mario Blejer, no cargo. Descontente com a lentidão dos parlamentares e sem diálogo
com o ministro da Fazenda, Roberto Lavagna, Blejer ameaçava pular
fora da canoa.

A ajuda do FMI é vista como a única saída pelo governo. Já os argentinos não pensam o mesmo. A sede do órgão, em Washington, está sendo inundada de cartas e mensagens eletrônicas de cidadãos comuns clamando pela recusa no pedido de apoio financeiro. Em linhas gerais,
as mensagens pedem que o FMI não libere mais dinheiro, pois a classe política não teria condições de gerir os recursos de forma honesta
e coerente.

Longe dos gabinetes, o cenário socioeconômico continua se deteriorando. A produção industrial caiu 14,4% em abril, os pobres já somam metade da população de 38 milhões de habitantes e 2,35 milhões de pessoas estão sem emprego. Casos de desnutrição infantil (uma novidade no país) são contados às centenas nas províncias mais pobres. Outra cena praticamente inédita em solo argentino, a degradante prática de
se buscar comida nos lixões, também já está virando rotina em
algumas localidades.

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O sentimento de ódio contra os Estados Unidos cresce. A última cartada antiimperialista partiu da cidade de Escobar. A prefeitura local baixou uma norma exigindo que o comércio traduzisse para o castelhano todas as expressões em inglês contidas nas peças publicitárias (hábito que, como no Brasil, se tornou comum na última década). Só não se sabe se os muros pichados com o clássico “Yankees, Go Home”, em referência ao FMI, também terão de ganhar legenda.


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