Nos últimos dias, o candidato do PSB Anthony Garotinho foi comparado a um censor do regime militar. Chegou à conclusão de que o preço pago para impedir na Justiçaz que o empresário Guilherme Freire divulgasse as fitas que tem sobre ele era muito caro. Além das críticas, Garotinho percebeu que os eleitores tinham certeza de que ele queria esconder algo. Segundo o ex-governador do Rio de Janeiro, Guilherme tem uma obsessão: destruí-lo. Para isso, coleciona grampos telefônicos de Garotinho e seus ex-auxiliares na Prefeitura de Campos desde o início dos anos 90. Nos últimos meses, Guilherme vem mantendo com a imprensa um estranho jogo de esconde-esconde. Sempre promete apresentar munição com potência suficiente para destruir o ex-governador. Nada de tão grave foi mostrado. Pelo menos até agora. Então por que temer as fitas? Garotinho garante que sua preocupação foi preservar amigos vítimas do grampo. Segundo ele, as gravações flagraram relações sexuais extraconjugais, traições domésticas dignas de novela de Glória Perez. “O preço foi alto demais. Fui tachado de censor. Agora chega”, disse ao autorizar ISTOÉ a publicar os grampos.

ISTOÉ – Por que o sr. entrou na Justiça para impedir a publicação das fitas gravadas por Guilherme Freire?
Anthony Garotinho –
Porque existem outras fitas, além dessas, que a revista está publicando e envolvem relacionamentos íntimos de pessoas que colaboraram comigo. Ele gravou conversas durante cinco anos. Nessas conversas, envolveu outras pessoas em situações delicadas. Era meu dever preservar essas pessoas da execração pública e evitar problemas familiares.

ISTOÉ – Quem ouviu essas outras gravações fala em casos
de adultério…
Garotinho –
Imagine que um marido fique sabendo por uma fita que sua mulher vem tendo um comportamento de traição com um amigo dele. Qual seria a reação dele? Então, na posição de uma pessoa responsável, eu evitei que essas fitas viessem à tona. Sei que paguei caro porque houve uma incompreensão generalizada de que eu estava tentando esconder alguma coisa.

“Imagine um marido ficar sabendo por uma fita que a mulher vem tendo um comportamento de traição com um amigo dele”
 

ISTOÉ – De onde vem esse ódio do Guilherme?
Garotinho –
Conheci Guilherme através do seu primo, Sérgio Mendes, que foi meu secretário particular na Prefeitura de Campos (1989-1992). Eu estava tentando quebrar o cartel dos empreiteiros. Um dia, Sérgio me disse: “Tenho um primo que tem uma pequena firma. Acho que ele toparia entrar numa concorrência com preço abaixo do que estão apresentando.” Foi aí que eu conheci o Guilherme. Essa história que ele conta que foi meu contemporâneo de colégio… se ele estudou lá, não me lembro dele. Então, abri uma concorrência para o calçamento de uma rua e ele ganhou com preço abaixo e o mercado se regulou. Na eleição de 1992, o candidato a prefeito foi o Sérgio Mendes, que ganhou com o meu apoio. Cerca de nove meses depois da posse, fui procurado por empreiteiros que me disseram: “Nós estamos marginalizados. O Guilherme Freire faz 90% das obras e as 10% restantes decide quem vai fazer.” Chamei o prefeito, hoje meu inimigo político, e pedi providências: “Fomos eleitos para acabar com essa prática.” Eu era secretário de Agricultura do governo Brizola, isso deve ter sido em 1993, e a conversa foi no Rio. Quando cheguei a Campos, no final de semana, recebi a visita do sr. Guilherme Freire. Ele estava armado e disse: “Quer dizer que o sr. esteve com o prefeito para pedir que ele me tire as obras?” Eu respondi: “A conversa foi entre dois políticos, não tenho que dar explicações a um empreiteiro.” Ele disse: “Você sabe que eu posso acabar com a sua vida?” Eu falei: “Você está me ameaçando de morte?” E ele: “Não. Tem muitas formas de se acabar com a vida de uma pessoa.”

ISTOÉ – Foi a partir daí que as gravações começaram?
Garotinho –
Não. Soube depois que ele me gravava antes, traindo nossa amizade. Na eleição de 1996 ele usou essas fitas, mas, mesmo assim, ganhei a eleição com 74% dos votos. Ele publicou até conversas íntimas no jornal, mas nunca assumiu o grampo. Dizia que as fitas eram jogadas no jardim da casa dele. Mas o que gerou o ódio mortal foi que, ao ganhar a eleição, eu encontrei a prefeitura esfacelada. Constatei que, no final do governo do Sérgio, muitos processos de pagamento sumiram. Descobrimos que as obras foram pagas, mas não existiam. Denunciei e as irregularidades foram constatadas. A partir daí, ele passou a ter uma obsessão: me destruir.

“Eu renuncio à minha candidatura se alguém provar que tenho algum patrimônio, além do que declarei: um carro e uma casa”
 

ISTOÉ – Ele diz nas entrevistas que fez vários negócios escusos para o sr.
Garotinho –
Ele nunca fez negócio em meu nome. Na história da rádio, ele apresentou um cheque dele, depositado na conta da rádio, não meu.

ISTOÉ – E o Garotinho bilionário…
Garotinho –
Eu renuncio à minha candidatura à Presidência da República se alguém provar que tenho algum patrimônio, além do que declarei: um carro e uma casa que herdei do meu pai.

ISTOÉ – Se era para preservar seus amigos, por que liberar
a fita agora?
Garotinho –
O que mais me incomodou não foi o Guilherme. O que me levou a tomar essa decisão foi a opinião pública ter a impressão de que sou a favor da censura. Sou um homem de comunicação, jamais impediria que um veículo esclarecesse a população. O que percebi foi que a minha tentativa de preservar famílias e relações íntimas passou a imagem de que eu queria acobertar irregularidades.

ISTOÉ – Ao mostrar a fita, Guilherme diz que o sr. teria um esquema com o consulado chinês para a importação de mercadorias sem o pagamento de impostos.
Garotinho –
Logo depois da eleição de 1994, eu estava vivendo uma fase difícil. Montei uma empresa com a marca dos produtos da Rosinha. Uma pessoa que me conhecia, o Edir Batista, que aparece na fita, me apresentou alguém que tinha um conjunto de seringa e termômetro muito barato, da China. E eu perguntei: “Preciso trazer uma firma de importação para trazer esses produtos?” Ele disse: “Acho que precisa.” Falei: “Acho que não. Porque tenho um amigo lá no Consulado da China que pode resolver isso.” Acabou que essa operação nem se concretizou. No final, vimos que os produtos não eram para o nosso público-alvo, as
donas-de-casa.

ISTOÉ – Ele também fala de uma conversa com fiscais da Receita…
Garotinho –
Nunca autorizei ninguém a corromper um fiscal da Receita. Aquela conversa tratava de regularizar a situação dos sorteios dos carros que fiz no meu programa de rádio. Eu, ingenuamente, comecei a sortear prêmios no meu programa. Quando estava no segundo automóvel já sorteado, a Receita comunicou à Rádio Tupi que para sortear prêmios daquele valor era preciso autorização da Receita. Eu já tinha sorteado dois. A Receita depois concedeu as autorizações para os sorteios restantes. Tenho autorização para sortear sete carros. Sorteei nove. E havia recolhido o imposto apenas sobre sete. O que a Receita me cobrou foi o imposto pelos dois carros que sorteei sem saber. Mas hoje já foi tudo pago. E mais: nossa empresa, a Garotinho Editora Gráfica Ltda., tinha um capital social que não comportava aquela quantidade de prêmios. Tinha que haver um aumento de capital, o que foi feito, mas o contador esqueceu de declarar no Imposto da Rosinha. Tanto que eu não fui multado pela Receita, mesmo tendo minha vida devassada de 1995 a 2002. Embora o crime estivesse prescrito, a Rosinha pagou a multa por não ter declarado o aumento do capital. Pagou tomando um empréstimo pessoal que ela está quitando agora.

Receita federal

Garotinho – Olha, Jonas (Carvalho, amigo do ex-governador) me falou a respeito daquele amigo lá da DRF (Delegacia da Receita Federal), que você vai lá amanhã, né?
Waldemar (contador de Garotinho) – Isso.
G – Então eu sugiro a você, que você deixe partir dele.
W – É né?
G – Você diga: “Olha você precisa conhecer melhor o Garotinho, talvez você esteja com uma falsa impressão, de que esteja havendo um faturamento muito grande nisso…” Garotinho é um cara que dá cadeira de rodas com esses recursos, ele é uma pessoa muito boa, humanitária, se você quiser pode acompanhar pelo rádio, todos os dias ele fala nisso. Nós não estamos nos negando a participar, agora a gente fica sem jeito porque a gente não tem noção do que é. Sugere você. Entendeu? Deixa ele fazer a sugestão.
W – Deixa ele fazer a proposta dele.
G – É, depois você fala: “Eu vou falar com ele. Você sabe que ele teve um prejuízo imenso, em função de rumores que circularam na rádio de que vocês multariam a rádio, qualquer coisa assim…” Você diz: “A rádio está esperando essa autorização para ele continuar anunciando o livro, com isso caiu assustadoramente a venda…” Entendeu… Explica essas coisas todas para ele, para ele não vir com uma…
W – Tudo bem… Eu converso com ele… Com a goela grande, né?
G – Isso.
W – Eu converso com ele. E tomo dele uma certa noção do que ele imagina e falo contigo. Tá bom?

Produtos da China

Garotinho – Deixa eu te fazer uma pergunta, Roberto… Duas perguntas… Esse negócio da seringa, é seringa e termômetro… Mas muito barato. Pra você ter uma noção, é 0,018 centavos de dólar, entendeu? É mixaria… Entendeu?
Roberto (comerciante) – E eu tenho a minha equipe toda e a estrutura toda de venda justamente no mercado consumidor desse material. Então seria o caso de a gente fazer uma importação, não é isso?
G – Não, não, não… Aí é que é a minha vantagem…
R – É?
G – Como o cara é funcionário do governo chinês, ele é primo do Cônsul da China aqui no Rio, eles importam pra gente. Eu perguntei a ele: eu preciso abrir uma firma de importação? Ele disse não, não… você importa pra mim.
R – Ah, então…
G – Nós só vamos tirar o pedido.
R – É porque… Olha só… Eu tenho a máquina pra distribuir o produto, pra vender, em volume, não é isso?. E você tem a fonte, nós vamos fazer um casadinho nisso aí.
G – Você podia levantar pra mim, mais ou menos quanto você quer… Porque aí eu já adianto para ele. Porque ele deve vir aqui na semana que vem, o chinezinho…

Obras – fantasmas

Ao mesmo tempo que ataca Garotinho, Guilherme Freire não cuida da sua retaguarda. A ficha do empresário é extensa na Justiça Federal do Rio. Ele é réu em 17 ações de execução fiscal e duas ações penais, que vão de 1995 a 2000. Entre os autores estão o INSS, a União, o Ministério Público Federal e a Fazenda Nacional. Numa delas, movida pelo MP, Guilherme e sua mulher, Rosana, foram condenados por emissão de notas frias que permitiram à empreiteira Tucum, da qual eram donos e gerentes, sonegar cerca de R$ 700 mil. Na sentença, a juíza Daniela Milanez, da 1º Vara da Fazenda de Campos (RJ), diz que “os réus possuem situação financeira bem cômoda, uma vez que residem em um dos endereços mais nobres do Rio de Janeiro e são proprietários rurais. Demonstra-se, então, que a sonegação não foi por falta de recursos, mas, ao contrário, para o enriquecimento de ambos”. Fundada em 1986, a Tucum chegou a funcionar com 300 empregados e a faturar cerca de US$ 500 mil mensais, quantia garantida pelas inúmeras licitações vencidas na Prefeitura de Campos durante as gestões de Garotinho (1989-1992) e de Sérgio Mendes (1993-1996), primo de Guilherme e ex-afilhado político do presidenciável.

A briga entre Guilherme e o ex-governador é antiga. Segundo Garotinho, a inimizade teria começado quando assumiu pela segunda vez a administração de Campos, em 1997. Ele diz ter descoberto uma série de irregularidades cometidas pela gestão anterior, entre elas o pagamento de R$ 1,4 milhão à Tucum por obras não realizadas – e os 18 contratos correspondentes sumiram da Secretaria da Fazenda. Desde então, afirma o ex-governador, a empresa foi impedida de participar das licitações municipais. De fato, uma CPI da Câmara e uma investigação realizada pelo Tribunal de Contas do Rio a pedido da prefeitura, ambas em 1997, confirmaram as suspeitas de fraudes que envolviam Sérgio Mendes e Guilherme Freire.