Às 19h30 de 12 de abril de 1972, o dirigente comunista João Amazonas embarcaria num ônibus na rodoviária de Anápolis (GO) rumo a Marabá (PA). Era uma parada estratégica na viagem iniciada em São Paulo para se juntar aos combatentes do maior movimento armado contra o regime militar. Ele só não foi porque a companheira de partido Elza Monnerat chegou a tempo de avisá-lo. As Forças Armadas tinham acabado de cercar a região do Araguaia, onde levariam quase três anos e mobilizariam dez mil homens para exterminar os 69 guerrilheiros do PCdoB. Durante exatamente três décadas, amargou a frustração de não ter dado um tiro na guerra que ajudou a planejar. O comunista ferrenho que a repressão não matou na selva nem nos porões daqueles anos de chumbo morreu na segunda-feira 27, aos 90 anos, vítima de pneumonia. Teve tempo para formular seu último desejo: ter suas cinzas espalhadas no cenário da guerrilha do Araguaia.

Alguns parentes dos militantes não tinham Amazonas em boa conta, pois quando procuravam o PCdoB em busca de notícias ouviam como resposta que, uma vez alistados na frente de batalha, os guerrilheiros passavam a ter como única família o partido. Para quem não teve a alma doutrinada pelo marxismo-leninismo, é difícil entender o radicalismo e a coerência da vida de Amazonas. Sua única indisciplina, motivada pelo compromisso empedernido com o que considerava comunismo puro, foi em 1962. Ele se rebelou contra a direção do PCB, comandado por Luiz Carlos Prestes, que decidira seguir o presidente soviético Nikita Kruschev e seu revisionismo. Kruschev abalara o movimento comunista internacional denunciando os crimes do antecessor, Josef Stalin.

Expulso com seu grupo do PCB, Amazonas ergueu o PCdoB sobre os pilares já trincados do stalinismo e tendo como inspiração as guerrilhas maoístas da China. Com o fracasso do Araguaia, Amazonas se exilou na Albânia, outro regime fechadíssimo que o inspirou na direção do partido. Os cabelos brancos, o corpo aparentemente frágil e a voz suave sempre destoaram da dureza com que cobrava fidelidade aos princípios comunistas em 67 anos de militância. Ele entrou para o PCB em 1935. Era operário de uma fábrica de massas. No mesmo ano, tornou-se dirigente da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e se meteu na chamada Intentona Comunista, como os militares batizaram os levantes daquele ano no Rio de Janeiro, em Natal e no Recife. Foi sua primeira prisão, das várias que sofreria no Estado Novo. Esteve em todos os momentos dignos de registro da história do País, da Constituinte de 1946, da qual foi deputado, à tentativa frustrada da oposição de criar a CPI da Corrupção em 2000, quando apareceu no Congresso numa cadeira de rodas. Morreu sem ver seu sonho comunista concretizado no Brasil, mas certamente em paz com a consciência.