A imagem do mundo despejando milhares de peixes na bocarra de uma baleia estava pintada até em ônibus da cidade japonesa de Shimonoseki, na semana passada. Em contraponto à ação de países ambientalistas como o Brasil, os defensores da liberação da caça comercial da baleia tentaram mostrá-la como uma terrível predadora no encontro da Comissão Baleeira Internacional (CBI). A instituição, que regulamenta a atividade baleeira desde 1946, reuniu-se na principal cidade portuária do Japão em clima de mar revolto. No centro da tormenta estavam os santuários, como são chamadas as grandes áreas marítimas nas quais a caça é proibida. Defensor da criação de um santuário no Atlântico Sul, o Brasil recebeu 23 votos a favor e 17 contra, mas acabou derrotado, pois precisava de três quartos dos votos. “Já estamos articulando com os Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia a reapresentação da proposta no ano que vem”, antecipou o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, referindo-se ao encontro que será realizado em Berlim, na Alemanha. Em relação ao ano passado, quando a criação de um território livre no Atlântico Sul foi discutida pela primeira vez, o País angariou mais três votos favoráveis (Portugal, San Marino e Suíça). Como o Brasil, a Austrália e a Nova Zelândia também não conseguiram criar um santuário no Pacífico Sul.

Liderado pelo Japão, o bloco de países que defendem a liberação da caça não pôde comemorar. Em primeiro lugar, eles não conseguiram aprovar a extinção dos dois santuários já demarcados no mundo – um no oceano Índico, outro na Antártica. Em votação anterior, o retorno da Islândia como membro da comissão já havia sido barrado. Ardorosa defensora da caça, a Islândia havia se retirado da instituição em 1992, acusando a comissão de acalentar tendências ambientalistas. Desde o ano passado tenta, sem sucesso, voltar à comissão, em que agora atua apenas como observadora, sem direito a voto. Para completar a fase de maré contra, o Japão não conseguiu permissão para pegar, como queria, 50 baleias-minke por ano em sua costa, nem muito menos derrubar a moratória de caça comercial que vigora há 15 anos.

Ao contrário do mundo ocidental, que durante séculos caçou baleias para usar seu óleo, o Japão vê o mamífero como se fosse um tipo diferente de peixe. Acostumado a retirar do mar o alimento, o arquipélago burla a moratória adquirindo cotas de caça para “fins científicos”. Na prática, o resultado da “pesquisa” é encontrado nas prateleiras dos supermercados, em forma de carne enlatada de baleia. Para terminar com a farsa e liberar a matança, o Japão assegurou no encontro que a população de baleias não só se recuperou como representa uma ameaça à população de peixes. Irritado com o argumento, o chefe da delegação americana, Rolland Schmitten, acusou o Japão de deturpar os resultados dos levantamentos científicos em favor de seus interesses econômicos. “O motivo da diminuição dos peixes é a pesca indiscriminada, não a preservação das baleias”, garantiu Schmitten.

Sashimi – Nem a Comissão Baleeira Internacional se arrisca a calcular o número de baleias que existem no mundo. O máximo que faz é uma estimativa de algumas espécies. Assim, calculam que no Pacífico Sul existam 760 mil baleias-minke, número reduzido para 250 mil nas estimativas da Austrália e da Nova Zelândia. O nível do debate também varia em razão dos interesses em jogo. O Japão, que tem como principal aliado a Noruega, mas contou com os votos de pequenos países do Caribe e da África, foi acusado por organizações ecológicas, como o Greenpeace, de conquistar votos em troca de benfeitorias em portos pesqueiros. Negou veementemente, mas fez questão de revidar a derrota no pedido de permissão para caçar 50 minkes anualmente. Na briga, sobrou para as comunidades isoladas do Ártico, como os esquimós, que praticam a caça de subsistência. Pela primeira vez na história da Comissão Baleeira Internacional, eles perderam o direito de continuar a atividade. O porta-voz japonês, Joji Morishita, respondeu impassível à argumentação de que essas comunidades dependem da caça à baleia para viver. “A ciência e todas as leis e normas internacionais estão do nosso lado”, disse Morishita. Ao contrário do que ocorre com os esquimós, o que move os japoneses é a tradição culinária. Não foi à toa que eles encerraram o encontro de Shimonoseki servindo iguarias como sashimi de baleia.