Frenético, furioso, desvairado são adjetivos em português para frantic, em inglês. Frantic é título do mais recente álbum do cantor e compositor inglês Bryan Ferry, que diz ter se inspirado na vida atribulada dos últimos tempos para assim batizar seu trabalho. Mas as palavras de imagens fervilhantes também podem remeter à instrumentação do CD, praticamente sedimentado num mar de guitarras que provocam êxtase auditivo. Antes de tudo, Frantic é um disco primoroso. Descontando-se o projeto conceitual As time goes by, de 1999, no qual o dandy do rock mergulhou com toda sua elegância em deliciosos standards da música americana, sem dúvida este é o seu melhor álbum solo em pelo menos uma década e meia. Credenciais não faltam. Além de estar numa ótima fase vocal, aos 56 anos Ferry encontrou inspiração para se lançar em excelentes parcerias com o ex-Eurythmics Dave Stewart e balancear o disco com sessões de cordas, percussão e pitadas eletrônicas de sabores requintados. Também acrescentou à turma de bambas músicos do porte do tecladista Brian Eno e do baterista Paul Thompson, ambos antigos companheiros da banda Roxy Music. Thompson, aliás, integra o grupo com o qual Ferry cumpre turnê. Os shows brasileiros estão previstos para 18 e 19 de junho, em São Paulo, e 21 e 22 no Rio de Janeiro.

Para quem gosta de rock com humor, sagacidade, ótima instrumentação e versos falando de amor e luxúria, Frantic é um disco imprescindível. Logo de início, Ferry recorre a Bob Dylan. Sem a levada folk do violão triste e a voz fanhosa do bardo americano, Ferry transformou It’s all over now, baby blue – um clássico entre os clássicos do gênero – num hino à alegria, imprimindo tom rocker à canção de letra existencial, cheia de espirais de maluquices. Em Cruel, um festival de guitarras, que irá se repetir em quase todas as canções, harmoniza-se à perfeição com o time de cordas, o piano, o baixo, a bateria e até um chicote estalado pelo filho mais velho, Otis. Goin’ down, se não for proposital o arranjo dado à música de currículo hard, é uma fabulosa homenagem involuntária ao guitarrista, cantor e compositor americano J.J. Cale, tal a similaridade do balanço. Referência que só acrescenta brilho.

Goddess of love traz um Ferry mais sensual do que nunca. É aqui que ele tem a seu serviço a guitarra de Dave Stewart, que junto a outras três perpetua um ótimo casamento com a programação eletrônica. Enquanto de um lado a guitarra solo geme chacoalhada por suas irmãs, os discretos efeitos da máquina fazem coro com a gaita do cantor, num arremate vulcânico de prazer. Na sua determinação de lapidar diamante, Ferry resgatou a canção medieval Ja nun hons pris, composta por Ricardo Coração de Leão. Os vocais são da soprano Mary Nelson, que se acompanha de harpa, percussão e virginal, antigo teclado de três oitavas, semelhante a um minicravo. A música serve de introdução para Fool for love – única faixa assinada só por Ferry –, em que a guitarra solo remete ao melhor estilo do ex-Dire Straits Mark Knopfler. Mas a intenção de Ferry em fazer um disco histórico pode ser resumida em duas das 13 fantásticas canções de Frantic. Uma delas é Hiroshima, que num clima futurista mistura Alain Resnais, Tailândia, Berlim e néon ao som de guitarras – uma delas pilotada por Johnny Greenwood, do cultuado grupo britânico Radiohead – e de um time de teclados, com destaque para o mago Brian Eno. A outra é a energética One way love, permeada pela presença da guitarra limpa e musculosa de Stewart. Fecha o disco Thought, cujo primeiro verso indica o caminho da canção: “Eu pensei que você seria meu bonde chamado desejo”, referência direta ao dramaturgo Tennessee Williams. Sobra sofisticação em Bryan Ferry.