Eram exatamente 11 horas da quarta-feira 4 quando o empreiteiro Zuleido Veras, pontualmente, abriu a porta da suíte 1411, no 14º andar do Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Não escondia uma certa tensão, que foi logo tratando de justificar: "É a primeira vez na minha vida que concedo uma entrevista", avisou. "Nunca falei a ninguém." Sobre uma pequena mesa de centro na saleta com cerca de 15 metros quadrados, Zuleido tinha à disposição uma pilha de documentos demonstrando a participação de sua empreiteira, a Gautama, em licitações de vários Estados. No alto da pilha estava a primeira boa notícia, desde que foi preso em 17 de maio, acusado de comandar uma quadrilha que corrompeu políticos e fraudou obras públicas em cinco Estados. Era um despacho da ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça. O documento permite que Zuleido possa vender um imóvel para pagar salários que estão atrasados. "Sou só um peixe pequeno", disse. "Um lambari." E foi liso e ágil como um lambari que Zuleido respondeu às perguntas que lhe foram feitas durante três horas. Escaldado depois de ter suas conversas gravadas por mais de um ano, Zuleido interrompeu a entrevista em diversas ocasiões para falar ao telefone. Mas, agora é monossilábico. Ao retomar a entrevista, depois de uma dessas ligações, ele desabafou. "Nenhum empresário, mesmo fazendo a coisa certa, resistiria a tanto tempo de grampo."

ISTOÉ – A Polícia Federal e o Ministério Público o definem como o chefe de uma quadrilha que corrompe políticos e desvia dinheiro de obras públicas. Isso é verdade?
Zuleido Veras –
Isso é uma grande injustiça. A prisão de toda a direção da Gautama é absurda. Fomos vítimas de uma violência que jamais ocorreu no Brasil. A Gautama é uma empreiteira como qualquer outra que está no mercado. A única diferença é que nós somos lambaris bem pequenos perto das outras. Sou só um peixe pequeno. Nossa empresa nasceu quando eu saí da OAS, depois de uma briga de sócios que houve lá dentro, e achei que poderia iniciar uma construtora. Nosso modo de agir sempre foi o tradicional e hoje faturamos R$ 150 milhões por ano. É pouco.

ISTOÉ – Mas a PF aponta índícios de superfaturamento nas obras da Gautama. É assim que as outras também trabalham?
Zuleido –
Todas as nossas obras foram fruto de licitação pública. Os contratos foram disputados por cinco, seis empreiteiras. Hoje, esse mercado de construção não é o mesmo do passado. Não existe mais a inflação que permitia ajustes enormes. Os preços são muito apertados e as margens são baixíssimas. Se as coisas estivessem tão boas, as grandes empreiteiras não estariam partindo todas elas para novos negócios.

ISTOÉ – As conversas telefônicas gravadas pela PF mostram que a Gautama tem uma proximidade enorme com vários políticos.
Zuleido –
Um político hoje não faz você ganhar uma obra. Ele às vezes até tenta demonstrar uma influência maior do que ele tem, tanto para o empresário como para a população.

ISTOÉ – Não são os políticos que conduzem as obras públicas?
Zuleido –
Sim, mas eles não têm força para fazer uma empreiteira ganhar uma obra. As coisas não funcionam assim, há muita fiscalização.

ISTOÉ – E o que faz uma empreiteira ganhar um contrato?
Zuleido –
Às vezes, o preço. Às vezes, a vontade de arriscar mais. Vou te dar um exemplo. No programa Luz para Todos, nada menos que 18 empresas compraram o edital. Quando elas viram as condições, todas abandonaram o barco e terminou só com a Gautama. Ficamos porque aceitamos correr um risco. Decidimos que iríamos fabricar os postes na própria obra, para reduzir os custos. A Lei de Licitações, a 8.666, é muito dura.

ISTOÉ – Mas consta nos relatórios policiais que o sr. não entregou a obra.
Zuleido –
A fábrica de postes foi instalada, três mil casas foram atendidas e nenhuma fatura foi paga.

ISTOÉ – O Programa Luz para Todos era conduzido pelo ex-ministro Silas Rondeau. Ele saiu do governo depois que a PF mostrou a imagem de uma diretora da Gautama entregando um envelope a um assessor no gabinete do ministro. Não era pagamento por alguma ajuda?
Zuleido –
Outra injustiça. Tanto é que já dizem que o presidente Lula está pensando em chamá-lo de volta para o governo.

ISTOÉ – Não havia dinheiro no envelope?
Zuleido –
Não havia dinheiro ali dentro. Se houvesse dinheiro, por que eles não deram um flagrante?

ISTOÉ – O que havia no envelope?
Zuleido –
Papel. Nós estávamos tendo prejuízo com uma obra em Urucu (AM), para o seu sistema viário, e a Fátima (Maria de Fátima Palmeira, diretora da Gautama) foi falar com o Ivo (Ivo Almeida Costa), o assessor do Silas, para levar o nosso pleito de R$ 17 milhões. A obra estava com prejuízo de R$ 7 milhões e a Fátima foi tentar resolver. Era uma coisa normal, de rotina. O envelope continha o dossiê que demonstrava nosso prejuízo.

ISTOÉ – Ela teve contatos com o ministro?
Zuleido –
Nunca.

ISTOÉ – Qual era o papel do lobista Sérgio Sá?
Zuleido –
Foi ele quem apresentou o Ivo à Fátima. Ele era de uma empresa de projetos, a Engevix. Essas empresas de projetos estão sempre na frente das obras.

ISTOÉ – Como?
Zuleido –
Eles sabem das obras antes dos editais justamente porque fizeram os projetos. Por isso, eles têm contatos políticos e também com os empreiteiros.

ISTOÉ – Isso não caracteriza uma intermediação que pode gerar corrupção?
Zuleido –
Não. Isso é legítimo. Todos os projetistas fazem isso, pois têm interesse em realizar a obra.

ISTOÉ – Se ministros, governadores, prefeitos e deputados pouco podem influir nos contratos de obras públicas, por que a Gautama mantém um relacionamento político tão intenso?
Zuleido –
Toda obra de engenharia é executada por uma secretaria ou por um órgão da administração pública. E todo secretário é indicado por um político. Portanto, falar com políticos é natural. O político vende para a população o benefício da obra. E muitas vezes diz mais do que faz. Mas, nenhuma empreiteira sobrevive sem obras públicas.

ISTOÉ – As conversas telefônicas gravadas pela PF mostram que a Gautama estava com dificuldade para receber os pagamentos de algumas obras. É nesse momento que surgem as propinas?
Zuleido –
Pode até acontecer alguma tentativa, mas não funciona. Nós, por exemplo, temos obras no Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT). Todo mês tem medição. E eles só pagam em ordem cronológica. Não adianta ir brigar para passar na frente.

ISTOÉ – O grampo revela que a Gautama lutava pelo pagamento da construção de pontes no Maranhão e posteriormente mostra o sr. perguntando se o então governador José Maranhão gostou do carro. O sr. comprou um Citroën C5 para o governador?
Zuleido –
Eu assisti à compra do carro na concessionária. Soube que o governador estava lá e fui cumprimentálo. Vi que ele estava comprando um C3 e até brinquei. Disse: "Governador, o senhor deveria comprar um carro maior! Um C5". Ele gostou do C5 e então comprou. Depois eu perguntei num desses telefonemas se ele tinha gostado do carro. Só isso. Quem comprou o carro foi ele.

ISTOÉ – A PF descobriu que o pagamento do carro foi feito com um cheque e que depois esse cheque foi devolvido, pois alguém teria ido à concessionária e trocado o cheque por dinheiro.
Zuleido –
Isso eu desconheço totalmente. Eu só assisti à compra do carro.

ISTOÉ – E no caso do atual governador do Maranhão, Jackson Lago. Os sobrinhos dele falam com funcionários da Gautama e combinam o recebimento de R$ 240 mil. O que aconteceu?
Zuleido –
Eu não conheço o governador Jackson Lago e nunca falei com ele nem por telefone. As obras que tenho no Maranhão vêm de outros governos.

ISTOÉ – A polícia apreendeu na Gautama um papel mostrando uma suposta lista de propinas para autoridades no Maranhão. É um documento codificado. Nele, há um "chefe maior", e depois nomes como Gordo, Baixinho e outros. Do que se trata?
Zuleido –
Não reconheço esse papel. Essa letra não é minha e também não é da Fátima.

ISTOÉ – Então o governador Jackson Lago não é o "chefe maior"?
Zuleido –
Já disse que nem o conheço.

ISTOÉ – Qual era o papel dos sobrinhos do governador?
Zuleido –
Eu os conheci na prisão. Nunca existiu dinheiro nenhum para eles.

ISTOÉ – Algum diretor da Gautama poderia estar pagando propina à sua revelia?
Zuleido –
Não. O que havia de dinheiro no nosso caso era pagamento para os funcionários das obras e para os subempreiteiros. Muitas vezes nossos funcionários precisam levar o dinheiro em espécie para o pagamento nos canteiros de obras. Isso é comum em todas as empreiteiras.

ISTOÉ – O sr. contribuiu financeiramente na última eleição?
Zuleido –
Fiz pequenas doações.

ISTOÉ – Para quais candidatos?
Zuleido –
Para o governador André Puccinelli (PMDB-MS) dei R$ 100 mil. Para o senador Papaléo Paes (PSDB-AP) também dei R$ 100 mil. E outros R$ 40 mil para três deputados: Osvaldo Reis (PMDB-TO), Gastão Vieira (PMDB-MA) e Átila Lins (PMDB-AM). Tudo está declarado. Não tinha dinheiro para ajudar os outros que pediram.

ISTOÉ – Quando se faz uma doação, não se espera uma contrapartida?
Zuleido –
Hoje não. Antigamente os empreiteiros eram mais generosos. Mas hoje não tem mais mágica. Depois que a inflação acabou, as coisas ficaram muito mais transparentes. Antes, o empresário ganhava a obra com um preço baixo e depois conseguia um baita reajuste. Isso não acontece mais. Hoje, existe um controle de preços muito severo.

ISTOÉ – Não há outras formas de aumentar o valor dos contratos? Toda a imprensa divulgou fotos de pontes da Gautama no Maranhão que levam o nada a lugar nenhum.
Zuleido –
Nós temos um contrato de 110 pontes, que são para as travessias dos rios do Maranhão. Antes, essas pontes eram feitas de madeira e agora são de concreto, porque as anteriores tinham de ser trocadas todos os anos. Nesse caso, como é praxe no mercado de engenharia, as licitações das obras de arte, que são as pontes, não são as mesmas licitações das estradas. O nosso trabalho foi feito, mas aquelas fotos foram exploradas para nos prejudicar. As estradas não são de responsabilidade nossa.

ISTOÉ – Sobre essas pontes, os grampos da Polícia Federal mostram que a Gautama pressionava para receber por mais área construída sem que se fizesse um contrato aditivo. Essa não é uma forma de o empreiteiro lucrar mais do que estava previsto no contrato inicial?
Zuleido –
As medições são as coisas mais legítimas que existem. O empresário quer cobrar o serviço que prestou. E o fiscal quer engolir a medição. Essa briga é eterna. Mas fazer a medição nem sempre significa receber.

ISTOÉ – Mas os policiais concluem que haveria pagamento de propinas para facilitar as medições e evitar os aditivos. Isso não é verdade?
Zuleido –
É fantasia. Um grampo sempre permite interpretações. E nós fomos monitorados durante mais de um ano. Nenhum empresário, mesmo fazendo a coisa certa, resiste a isso.

ISTOÉ – A Gautama não negociou para receber a medição maior sem a necessidade de novo contrato?
Zuleido –
Não. Não havia mesmo necessidade de aditivos. Como tínhamos mais de 100 pontes para fazer e em 14 houve maior metragem, a diferença poderia sair das outras. Se fosse preciso um contrato aditivo poderia ser feito no final da obra e não naquele momento.

ISTOÉ – Pelas conversas gravadas, pode-se concluir que o problema foi resolvido sem o novo contrato e que em seguida Geraldo Magela, ex-funcionário do governo estadual, lhe cobra uma "Caloi". O que isso quer dizer?
Zuleido –
Quer dizer isso mesmo. Ele cobrou o pagamento dele, pois trabalhou para nós e tinha que receber. Só que seu trabalho nada tinha a ver com funções no governo estadual.

ISTOÉ – Qual a sua relação com o governador Jaques Wagner, da Bahia?
Zuleido –
Nenhuma.

ISTOÉ – Os grampos da PF mostram que a Gautama usou o nome do governador para se aproximar do prefeito de Camaçari.
Zuleido –
O que meu filho Rodolpho fazia em Camaçari era uma prospecção normal de negócios.

ISTOÉ – E qual a sua relação com a ministra Dilma Rousseff?
Zuleido –
Nunca conversei com ela.

ISTOÉ – Mas o governador da Bahia e a ministra passearam em sua lancha. É normal o sr. emprestar a lancha para pessoas que não conhece?
Zuleido –
É comum os amigos pedirem a lancha emprestada. Eu sempre a oferecia a um assessor meu, chamado Guilherme Sodré, e num fim de semana, ele me pediu. Emprestei e nem sabia que seria usada pelo governador. Muito menos pela ministra Dilma Rousseff.

ISTOÉ – Depois de tudo isso as pessoas continuam a pedir a lancha emprestada?
Zuleido –
Ninguém pediu mais. A lancha está apreendida, como todos os meus bens.

ISTOÉ – Qual a sua relação com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL)?
Zuleido –
Eu o conheço desde 1986, pois fui diretor da OAS em Maceió. Tenho relações normais com ele, assim como com o governador Teotônio Villela.

ISTOÉ – O sr. tem um contrato de saneamento na Prefeitura de Mauá, na Grande São Paulo, que chega a R$ 1,5 bilhão?
Zuleido –
Mas é um contrato que hoje gera um faturamento anual de R$ 24 milhões. Estamos falando de uma concessão de 30 anos.

ISTOÉ – Como foi a sua prisão?
Zuleido –
Eu estava em São Paulo e foi uma coisa terrível. A primeira reação de quem tem uma empresa e trabalha corretamente, pagando todos os impostos, é de surpresa. Você não acredita, fica tonto. Ainda mais quando você é responsável por três mil funcionários e se vê recebendo uma voz de prisão, num quarto de hotel.

ISTOÉ – E como o sr. reagiu ao ver que seu filho também estava sendo preso?
Zuleido –
Uma coisa que não dá nem para falar. É o pior momento de sua vida. Algo que eu não desejo para ninguém.

ISTOÉ – Restam-lhe amigos?
Zuleido –
Poucos. Nós temos que estar de braços abertos para receber os amigos de volta, mas o fato é que poucos retornam.

ISTOÉ – Como a Gautama poderá sobreviver de agora em diante?
Zuleido –
É o novo exercício que estamos fazendo. Todas as nossas contas ainda estão bloqueadas e os salários dos operários nas obras estão com dois meses de atraso. Estamos tentando convencer o Judiciário a rever essa situação.

ISTOÉ – Há sensibilidade para esse problema?
Zuleido –
Acredito que sim. A ministra Eliana Calmon, por exemplo, permitiu que vendêssemos um imóvel para ajudar a resolver esse problema.

ISTOÉ – Mas o Tribunal de Contas da União também estuda declarar a Gautama uma empresa "inidônea". Qual seria a conseqüência disso?
Zuleido –
A morte da empresa e o fim de três mil empregos. E seria também uma grande injustiça. Todas as nossas obras, além de ganhas em licitação, estão sendo executadas no prazo. Já fizemos 60 obras, em 12 anos, e apenas cinco tiveram restrições no TCU. Existem empreiteiras que têm mais de 100 obras com ressalvas no Tribunal.

ISTOÉ – Sua casa, em Lauro de Freitas, vale mesmo R$ 5 milhões?
Zuleido –
Não sei. Eu comprei a casa por US$ 220 mil. Depois comprei outros terrenos ao lado, chegando a US$ 500 mil e fui melhorando. É uma coisa compatível com o meu trabalho. Nos últimos 38 anos, tirei quatro meses de férias apenas. Vivi sempre para o trabalho e fui diretor da OAS durante dez anos antes de criar a Gautama.

ISTOÉ – Dizia-se que o sr. era o "embaixador" da OAS em Brasília.
Zuleido –
Não é verdade. Mas estive lá num momento muito importante, no fim do governo Sarney e no início do governo Collor, em que a construtora deu um salto muito importante e entrou para o clube das grandes.

ISTOÉ – O que é estar no clube dos grandes?
Zuleido –
É faturar mais de R$ 500 milhões por ano e esse era o sonho que eu tinha para a Gautama.

ISTOÉ – O sr. acredita que isso ainda é possível?
Zuleido –
Estamos pensando apenas em sobreviver. E hoje as nossas obras não estão mais sendo pagas. Tudo parou, à exceção de duas obras, Pratagy e Ipojuca, que já foram auditadas e continuam em execução. Vamos ter que nos ajustar, mas seria importante que todas as obras fossem terminadas. Caso contrário, o prejuízo seria muito maior. Só para fazer uma nova licitação, perderiam pelo menos mais um ano. Além disso, nós também poderíamos entrar na Justiça para defender nossos contratos.

ISTOÉ – É verdade que o sr. deu o nome Gautama à empresa depois de se converter ao budismo?
Zuleido –
Conversa. Sempre fui católico. Apenas gostava do nome.

ISTOÉ – As contas da empresa estão bloquedas e os salários dos seus empregados estão atrasados. Não seria bom nomear um administrador judicial?
Zuleido –
Se o problema é o Zuleido, essa é uma possibilidade que deve ser considerada. O mais importante é preservar a empresa e os empregos.

ISTOÉ – Como o sr. acha que a história irá terminar?
Zuleido –
Tenho certeza absoluta de que eu e todos os nossos diretores seremos inocentados. O que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer empreiteiro. Aliás, pode acontecer com qualquer empresário e isso é muito ruim para o País.