Ao dissecar os comentários de que não era entendido pelo povão, o escritor e poeta Oswald de Andrade criou mais uma frase de efeito: “A massa ainda comerá o biscoito fino que eu fabrico.” Apesar das intenções, a obra do grande artífice da Semana de Arte Moderna continua sendo consumida apenas pela elite intelectual. Mas a expressão biscoito fino se popularizou e virou sinônimo de algo selecionado, especial. Tanto que não escapou da percepção de outro poeta e escritor, o mineiro Geraldo Carneiro, quando ele ouviu da cantora e compositora Olivia Hime detalhes sobre a proposta de uma gravadora independente, que estava abrindo em parceria com a empresária Kati Almeida Braga. “Mas isso é biscoito fino!”, exclamou Carneiro, sem querer batizando a caçula das gravadoras brasileiras com um nome que a prende para sempre ao compromisso de ser um espaço de excelência da MPB. E assim tem sido. Com apenas dois anos de vida, o selo Biscoito Fino já pode ser chamado de Cosac & Naify do mercado fonográfico, numa referência à requintada editora paulistana, tal a marca diferenciada de qualidade em ambas.

Bethânia – Entre os contratados há gente fina, elegante e sincera, como Maria Bethânia, Miúcha, Francis Hime, Olivia Hime e Sérgio Santos. Em relação aos projetos escolhidos para realização em parceria, há quituteiros do porte de Wagner Tiso, Joyce, Toquinho e Marcelo Vianna cantando sucessos de seu avô Pixinguinha. Dos lançamentos recentes, um dos destaques é Mar de algodão, no qual Olivia Hime navega delicadamente pela obra de Dorival Caymmi ao recriar clássicos como Saudade de Itapoã ou O bem do mar. O outro é Memorial, de Wagner Tiso e Zé Renato, projeto idealizado pelo Grupo Takano para comemorar, em setembro, o centenário de nascimento de Juscelino Kubitschek.

É desta receita especial que a diretora-geral Kati Almeida Braga e a diretora artística Olivia Hime pretendem ir adiante com seu biscoito fino, mas sem objetivar o consumo pela massa, já que o catálogo da gravadora é basicamente composto de artistas com vendagens em torno de 30 mil cópias, à exceção de Bethânia. “Não temos nada contra vender muito, pelo contrário. Mas só produzimos a música que gostamos de ouvir em nossas casas. Pode aparecer um disco que vai vender cinco milhões de cópias que a gente não vai fazer de jeito nenhum. Sabe por quê? Porque não ouviríamos em casa. Então, não interessa”, simplifica Kati, apelido-que-virou-nome da superintendente do conglomerado financeiro Icatu, Maria do Carmo de Almeida Braga, filha mais velha do banqueiro Antônio Carlos de Almeida Braga com Vivi Nabuco, figura das mais festejadas
nas colunas sociais.

Oriunda da mais pura linhagem social brasileira, Kati contraria a saga familiar. Tailleur, jóias caras e ares de princesa não fazem parte do seu cardápio. Foi casada com o diretor e cenógrafo Gianni Ratto, pai de dois de seus quatro filhos, consagrou-se como banqueira, mas, sem dúvida, se realiza como dona da gravadora. Com Olivia aconteceu o contrário. Agora é que ela descortinou seu lado administrador. Kati está aprendendo o novo ofício. “Às vezes, levo 25 discos para ouvir no fim de semana”, confessa. “O nível é excelente, mas a gente não pode fazer tudo para
não fazer mal.”

O cuidado inclui embalagem de padrão. Todos os CDs abrigam-se em capas de papel, com encartes trazendo informações e letras das músicas em ótimos projetos gráficos de artistas plásticos. Sobra a pergunta: Pode um disco com este acabamento ter o mesmo preço de um comum, com capa de plástico? “Absorvemos a diferença do custo. Nossa margem de lucro é que fica menor”, explica Kati. “Estamos em fase de montar catálogo e de investir.” Elas não revelam números, até porque ainda não arredondaram as contas. Os contratos são negociados em royalties e adiantamentos. A estratégia é manter um elenco fixo de dez artistas e folha de pagamento em torno de 20 funcionários, como adianta Olivia Hime. “Isso aqui é casa de música mesmo”, diz ela, numa alusão ao charmoso casarão onde funciona o grupo Sarapuí, composto por um moderno estúdio capacitado para gravar e recuperar CDs e DVDs; pela editora Nossamúsica, com cerca de três mil títulos musicais; e por um instituto cultural.

A residência de três andares, no bairro do Humaitá, zona sul do Rio de Janeiro, com piscina, sauna e invejável vista para o Cristo Redentor, hoje experimenta um alvoroço que em nada lembra os tempos em que Kati e seus filhos moravam lá. Internamente, o funcionamento do selo, na opinião de Miúcha, gera liberdade para o artista. “Você dá uma sugestão completamente doida como a que eu dei, de instalar um teclado em minha casa e contratar um pianista para eu preparar a voz durante três meses, e elas aceitam”, conta a cantora, que em março lançou seu primeiro trabalho pelo Biscoito Fino, miúcha.compositores. É a diferença marcada por uma receita que não desanda.