Há dez anos, o ex-ministro Roberto Campos dizia que o desenvolvimento com distribuição de renda era uma “tese da esquerda infantil”. Tal como Delfim Netto, ele defendeu, durante a ditadura militar, primeiro o crescimento da economia e depois a distribuição da renda. A velha tese – que ainda divide economistas e autoridades – tem seguidores e críticos ferrenhos. Um dos expoentes do segundo time é o embaixador Rubens Ricupero, secretário-geral da Conferência Mundial para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que realiza a sua 11ª reunião no Anhembi, em São Paulo, entre os dias 13 e 18, tendo como tema principal “Comércio e redução da pobreza”. Só o crescimento econômico ou o comércio internacional não resolvem os maiores problemas da humanidade, segundo Ricupero, “porque são necessárias medidas redistributivas, como, por exemplo, o alívio da carga de impostos para os mais pobres”.

O embaixador antecipou o tom da reunião da Unctad durante a Rio Trade Week, realizada na semana passada na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, uma espécie de preparatória para a conferência de São Paulo. Ele enfatizou a necessidade de uma estratégia de crescimento associada ao combate à pobreza. Nos quatro dias do encontro, os exportadores brasileiros intensificarão negociações com a Índia, a Rússia e a China. O secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, Mário Mugnaini, anunciou que as exportações brasileiras este ano poderão atingir o recorde de US$ 83 bilhões. Para 2006, último ano do groverno Lula, a previsão é de US$ 100 bilhões. No ranking dos Estados que mais exportaram até o mês de maio estão São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.

No encontro do Rio, Ricupero afirmou que nações como o Brasil não podem mais deixar de compatibilizar o crescimento da economia com a inclusão social. No Brasil, disse, as desigualdades chegaram a níveis insuportáveis. E o crescimento da miséria no País nos últimos seis anos exige que o crescimento seja homogêneo. “Não é mais possível imaginar uma estratégia de crescimento da economia que não leve em conta o risco do aumento da pobreza com todos os seus efeitos, como a tensão urbana.”

A política econômica baseada só no crescimento, que predominou no Brasil nos anos 70 e 80, foi duramente criticada pela primeira vez em um artigo publicado na revista Time pelo professor Albert Fishlow, da Universidade de Berkeley, atualmente na Universidade de Columbia, em Nova York, mas continuou com adeptos na América Latina. Para Ricupero, as consequências do crescimento da crise social foram a escassez de emprego e a corrosão dos salários. Além de uma ênfase nas políticas sociais, o governo, segundo o embaixador, deve evitar que o câmbio seja sobrevalorizado como no governo Fernando Henrique Cardoso. “A paridade entre o real e o dólar foi um erro terrível, porque comprometeu as exportações e aumentou o endividamento”, salientou o embaixador.

O secretário-geral da Unctad afirmou ainda que a vulnerabilidade do Brasil já diminuiu bastante, mas ainda é necessário aumentar as exportações. Ricupero defendeu uma revisão da meta de inflação de 5,5% para 2004. Para ele, com a elevação do preço do petróleo, a equipe econômica deveria rever para cima a margem de inflação. Mas fez uma ressalva: “Desde que ela seja mantida em um dígito.” Justificou também a redução dos juros pela “impossibilidade realista de um recrudescimento da inflação a curto ou médio prazos no Brasil, porque a economia ainda está crescendo modestamente e o desemprego continua altíssimo.

Alca – Com relação ao impasse das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) entre Brasil e Estados Unidos, Ricupero se mostrou cético. “É muito difícil neste ano de eleição presidencial americana e com os lobbies no Capitólio (sede do Legislativo americano). Mas disse que, em compensação, “o Brasil já exporta produtos de valor agregado, como aviões, equipamentos de telecomunicações, automóveis e caminhões, além de apresentar inovações no setor agropecuário”. Isso pode ser relevante, já que os únicos países que estão melhorando a sua renda per capita são os que têm colocado itens com valor agregado (alta tecnologia) na pauta de exportações, como Taiwan, Cingapura e Coréia do Sul. Esta faltando incluir o Brasil.