No domingo 13, no meio da multidão para lá de descontraída, que estará em São Paulo para a 8ª Parada do Orgulho Gay – a maior festa homossexual da América do Sul –, um grupo terá um motivo especial para comemorar. São as travestis de Campinas, distante 90 quilômetros da capital paulista, para quem acabou aquela história de ser chamada de Adão durante o dia e de Eva só à noite. Elas já podem apresentar-se com seus documentos em lugares públicos, sem os constrangimentos habituais. Desde 1º de junho, elas portam uma carteira de identidade extra, emitida pela prefeitura, com o nome feminino. “Esperei por isso a minha vida inteira”, vibra Cynthia Close, 52 anos. Ela abandonou seu nome de batismo, que não revela, há 30 anos.

Na cidade, que tem um milhão de habitantes, pelo menos 300 travestis foram beneficiadas por um projeto da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e Cidadania, realizado pelo Centro de Referência GLTTB (Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais). A idéia é promover o resgate da auto-estima e da cidadania dessa minoria. “É a primeira vez que o poder público reconhece que as travestis têm direito à identidade que escolheram. Por trás da carteira, há a inserção em programas sociais e a melhoria do acolhimento no serviço público”, diz a secretária municipal Marília Cristina Borges, 39 anos. “Não estamos substituindo o registro formal. Apenas criamos uma alternativa de reconhecimento digno que tira essas pessoas do limbo e da marginalização”, acrescenta Paulo Reis, coordenador do Centro de Referência da prefeitura.

Para conseguir o documento, a travesti tem que morar em Campinas há pelo menos três meses, ser maior de 18 anos e ter em mãos seus documentos formais. Além disso, o interessado terá de participar de oficinas de saúde e educação, organizadas pelo Centro. A nova identidade será aceita em todas as unidades municipais. “O pior momento para a travesti é a hora de ser chamada para atendimento num centro de saúde. Todos esperam um homem e aí aparece alguém como eu. É terrível”, afirma Morgana Oliveira, 25 anos.

Para alguns, entretanto, a atitude da Prefeitura de Campinas tem apenas efeito cosmético. “A carteira tem significado simbólico. Não evitará a discriminação”,
afirma Sérgio Lima, 28 anos, que há dez responde por Janaína e há seis meses coordena o Grupo Identidade, de defesa dos direitos das travestis. Janaína conta que voltou a estudar e passou vergonha no começo do ano. “Disparei a chorar quando o professor fez a chamada. Não respondi”, conta. Apesar de feliz com a medida da prefeitura, ela teme que isso seja passageiro. “Temos de ter o direito de trocar todos os nossos documentos. Não somos mais homens”, reivindica. Mas que é um começo, isso é.