1.
Aos 26 anos, tive um forte flerte com a morte. Desejava, na mesma medida em que temia, morrer antes dos 30, ao modo dos poetas românticos e desregrados ou dos rock stars que eu tanto admirava no início da vida adulta. Bem, está claro que não consegui meu intento, como podem atestar sem muito esforço meus leitores, amigos, inimigos e desafetos. Havia outra razão que estimulava meu mórbido projeto: a perda trágica de uma pessoa ainda jovem e muito querida, fato que me deixou catatônico por alguns meses.
Embora não tenha hoje um medo exasperado da morte (a não ser quando entro em aviões, coisa que faço quase com a mesma frequência de um comissário de bordo), tampouco alimento a atração funérea e secreta dos 26 anos (e enquanto escrevo isto, impossível não lembrar de “A Lira dos Vinte Anos”, do poeta Álvares de Azevedo, morto antes mesmo de completar 21 anos). Falo do assunto com naturalidade, mesmo sabendo o quanto isso choca a maior parte das pessoas, que prefere esquecer o desfecho do livro e se concentrar na narrativa de intrigas, romances, medo, torpeza e dor.

O fato é que sobrevivi à fantasia romântica de morrer jovem. Morrer é misterioso, escuro, imponderável. E como não creio no mito cristão da vida eterna, não sinto o mesmo conforto de um crente, de alguém que acha (ou sabe, pois os crentes têm certezas que um descrente não tem) que adentrará o paraíso com pompa e festa e banda de anjos com clarins. Gosto de viver e pretendo lutar, se preciso até a morte (ops!), para prorrogar minha vida até a velhice, com força, vigor e saúde suficientes para dar bengaladas no primeiro hipócrita politicamente correto que a mim se referir como um ser da “terceira idade” ou, pior, “melhor idade”.

2.
Se meus ídolos de juventude morriam com 20 e poucos anos, gerando grande consternação popular, o que dizer dos adolescentes que hoje se matam aos 15, 17, 19 anos? Sintoma de um tempo doente e pleno de solidão, apesar da ilusão de “compartilhamento” que a internet traz.

Amanda Todd, jovem canadense de 15 anos, enforcou-se após ser vítima de um cyberbullying, ou seja, um bullying virtual, levado a cabo através da internet. A razão é a mais insólita possível. Depois de despir os seios a um voyeur em sua webcam num chat de bate-papos, teve as imagens espalhadas pela rede, foi espancada na escola e linchada moralmente por mensagens no Facebook. Várias tentativas frustradas de suicídio depois, deu um fim à vida enforcando-se no último 10 de outubro, na casa em que morava com a mãe. Antes de morrer, a menina Amanda postou vários vídeos no YouTube, com mensagens que eram silenciosos pedidos de socorro. Digo silenciosos porque os vídeos de Amanda não tinham texto, apenas mostravam cartazes escritos à mão, como no antológico clipe de “Subterranean Homesick Blues”, de Bob Dylan, em que o mito pop desfraldava versos da canção dispostos em vários pequenos pôsteres, que se sucediam em simultâneo com a música.

O drama da adolescente canadense não é um caso isolado. A “moda” dos cartazes é hoje um pequeno fenômeno de internet. São confissões, autoimolações verbais e relatos dolorosos dos medos e traumas da idade, que carregam títulos como “Confession Cards” ou “My Story”, e que existem às centenas hoje na rede. São filmes amadores com canções pop sentimentais como trilha e textos reveladores – há desde meninas que contam como foram molestadas na infância até garotos que se descobrem homossexuais e não sabem como lidar com a questão sozinhos.

“Parece que estou vivendo um pesadelo, mas não consigo acordar” – postou Olivia Penpraze, australiana de 19 anos que se suicidou em abril deste ano, depois de anos de perseguição dos colegas, que lhe causaram anorexia, depressão e psicose. Campanhas antibullying começam a ganhar força nas redes sociais, as mesmas redes onde se vê, com requintes de crueldade, o cyberbullying ganhando força, levando jovens instáveis e solitários ao pânico e à solidão da morte – sim, pois como dizia Nelson Rodrigues, “não há maior solidão que a de um morto”.

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Pior de tudo é imaginar um outro adolescente usuário da net, postando, ao fim de matéria sobre a morte de Amanda ou Olivia: “Curti!”.

Zeca Baleiro é cantor e compositor


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