Concertos de música erudita costumam seguir um certo protocolo. A atmosfera solene, quase sagrada, induz o público a se manter silencioso e imóvel. Vem daí a idéia de que música clássica é diversão de rico. Enfastiado com tanto zelo e circunstância, o pianista carioca Arthur Moreira Lima decidiu virar esses rituais de cabeça para baixo.

No lugar de palcos tradicionais, ele anda vestindo sua casaca sobre uma carroceria de caminhão para interpretar obras de Mozart ou de Villa-Lobos. “Meu sonho é democratizar o acesso à música clássica”, exalta o pianista. Moreira Lima não é o único a estar neste rol não convencional. Sediada em Brasília, a Companhia Teatral Mapati, há dez anos, percorre as estradas do País encenando espetáculos numa carreta. A organização não-governamental Leia Brasil tem rodado o Brasil com 17 caminhões que abrigam uma biblioteca viva de 500 mil livros. E a banda paulista de rock Rotorline transformou uma Kombi em palco e camarim para realizar seus shows em portas de universidades.

Esta cultura sobre rodas parece ter se transformado numa espécie de
atitude-contestação de artistas mundo afora. Recentemente, o pianista francês François-René Duchable destruiu seus pianos de cauda e queimou o fraque em praça pública.

A performance foi um grito de liberdade contra os concertos a portas fechadas. “Usado da forma como esta sociedade o usa, o piano é um instrumento arrogante e exclusivista.” Sem titubear, Duchable jogou para o alto uma carreira recheada de prêmios e orquestras de primeira linha, inventou um “pianocípede” – piano encaixado num triciclo – e, desde setembro passado, toca em praças públicas, orfanatos e hospitais.

Em solo tropical, a sala de concerto itinerante de Moreira Lima é um palco de 45 metros quadrados, amparado por um aparato de som, luz e 14 profissionais que incluem um afinador e um engenheiro de som.

Nesta empreitada, o pianista já viajou da nascente até a foz do rio São Francisco, levando o mundo clássico a cerca de 60 mil ribeirinhos. “Até o fim do ano pretendo percorrer o País inteiro”, anima-se. No caso da Companhia Mapati, que já queimou mais de 100 mil quilômetros de estrada, passando por 110 cidades brasileiras, as ambições vão mais longe. Seus 35 atores estão se preparando para, em julho, levar seu caminhão para Angola e Moçambique.