No quesito chapéu, as francesas exorbitaram no começo dos anos 1940. Pelas ruas e pelos cafés de Paris, elas exibiam desde criações inspiradas nas toucas da Idade Média até arranjos que mais pareciam jardins suspensos. Eram modelos coroados de plumas, gazes, flores, frutas e até ninhos de pássaros. A extravagância, que às vezes beirava o ridículo, foi a forma irreverente para driblar a escassez e as agruras impostas pelo conflito com os nazistas, como relata a historiadora Dominique Veillon em Moda & guerra – um retrato da França ocupada (Jorge Zahar Editor, 270 págs., R$ 43). Com tradução e glossário de André Telles, a autora faz sua análise de um ângulo bastante curioso. “A moda constitui, de fato, um observatório privilegiado do ambiente político, econômico e cultural de uma época”, comenta ela, que, na França, é uma das diretoras do Centro Nacional de Pesquisas Científicas.

Fonte de divisas – Paris já era o templo da moda quando a guerra eclodiu em setembro de 1939. Componente da cultura francesa e poderosa fonte de divisas, a indústria da alta-costura contava com estilistas que fizeram história, como Coco Chanel, Elsa Schiaparelli, Jeanne Lanvin, Lucien Lelong e Nina Ricci. Mesmo quem não podia comprar um modelo original, era influenciado pelas tendências apontadas pelos grandes ateliês de costura. Mas, no começo da guerra, a preocupação de muitas francesas se resumia a usar roupas e maquiagem sóbrias nas horas em que atuavam nos centros de refugiados, vindos principalmente da Bélgica. Na sequência dessas atividades, surgiu a moda da bolsa de couro presa à cintura por um cinto, que deixava as mãos livres. Com o passar dos meses, a situação mudou de tal maneira que a imprensa chegou a publicar sugestões para uma retirada estratégica. “Se estiverem partindo como tantos outros já partiram para algum refúgio fora da cidade, levem o que não encontrarão mais com facilidade. Senhoras, dêem preferência ao tailleur estrito em detrimento do traje de praia”, aconselhou o jornal L’Action Française, em 4 de junho de 1940, começo do verão na Europa.

Seis dias depois, quando os alemães entraram em Paris, encontraram uma
cidade semideserta. Por causa do câmbio artificialmente favorável ao marco, soldados e oficiais primeiro compraram artigos de luxo para despachar para
a Alemanha. Depois, tudo o que pudesse ser útil às suas famílias, que há muito viviam um cotidiano controlado pelo racionamento. Quando os moradores voltaram a Paris, encontraram as prateleiras vazias. Sem as roupas e os objetos pessoais perdidos no êxodo, tiveram de recorrer ao mercado negro para se abastecer. Capacidade de reciclar e inovar foi fundamental para a sobrevivência até o final da guerra, em maio de 1945. Com a moda não poderia ser diferente. Por causa do uso generalizado da bicicleta, por exemplo, surgiu a saia-calça. E, como muitas elegantes se locomoviam pedalando, o novo “vestido” passou a ser admitido à noite, “desde que ocultado por um impermeável”.

O metrô também inspirou a estilista Madeleine de Rauch a criar uma coleção com nomes de estações parisienses. Até os mais abastados, que antes só circulavam de automóvel, passaram a usar a luva-metrô, com bolsinho para o bilhete. Meias de seda, nem pensar. Inconformadas, as parisienses coloriam as pernas com uma loção de iodo, que escurecia a pele, sem tirar a transparência. Algumas chegavam ao requinte de fazer um risco preto na panturrilha, com a intenção de imitar o fio da meia verdadeira. Para substituir o couro dos sapatos, outro produto em falta, surgiram os solados de metal e madeira. Invernos rigorosos igualmente definiram figurinos. Roupas de esquiar incorporaram-se ao dia-a-dia. Para aquecer as pernas de suas clientes, a estilista Nina Ricci criou polainas colantes. Calças compridas entraram no guarda-roupa das mulheres.

Com tantas adaptações, a alta-costura se viu
num palco de embates memoráveis. Mesmo submetida aos rigores do racionamento, a maioria dos estilistas continuou desafiando o poderio dos ocupantes. No geral, defender a alta-costura como patrimônio cultural da França virou uma forma de resistência, em especial por causa do interesse da Alemanha nazista em quebrar a hegemonia francesa, transformando Berlim na capital da moda. Numa narrativa cativante, Dominique Veillon descreve em detalhes as alfinetadas e tesouradas entre as autoridades alemãs empenhadas em dominar o setor e as empresas de luxo da França, lideradas pelo estilista Lucien Lelong. No cotidiano, além das restrições impostas, os costureiros curiosamente conviviam com um nova clientela. Nela se destacavam rechonchudas integrantes de uma emergente elite econômica, enriquecida no mercado negro. Ávidas por consumir, elas eram conhecidas como BOF, iniciais de manteiga-ovo-queijo (beurre-oeuf-fromage), produtos que deram origem a sua fortuna.