Tanto o retrato da Gioconda, pintado pelo
italiano Leonardo Da Vinci (1452-1519), quanto seu correspondente holandês, de Jan Vermeer (1632-1675), se tornaram símbolos da dubiedade. Diante deles, cada pessoa tem uma opinião sobre as expressões das jovens imortalizadas nas tintas. Estariam elas rindo? Esconderiam algo? Impossível saber. Tanto mistério acabou alimentando a imaginação de poetas, escritores e até cineastas. Sob este impulso, o diretor estreante Peter Webber se interessou pela história da chamada Mona Lisa holandesa e fez Moça com brinco de pérola (Girl with a pearl earring, Inglaterra/Luxemburgo, 2003) em cartaz em São Paulo, baseado no romance da escritora americana Tracy Chevalier.

Notório prevaricador, Jan Vermeer (Colin Firth) vive às turras com a sogra
e a mulher, com quem teve 11 filhos. Mas, quando se tranca no ateliê, o mundo
se transforma. Passa os dias se dedicando ao cumprimento de prazos estipulados pelo mecenas Van Ruijven (Tom Wilkinson). A idéia de pintar a criada protestante Griet (Scarlett Johanssen) – a tal Mona Lisa holandesa –, que é desprezada pela família de Vermeer, foi do mecenas. No entanto, subjugado pela beleza e pela inteligência da menina, o pintor decide retratá-la adornando-a com os brincos de pérola da esposa ciumentíssima. Para sua surpresa, Griet não tem furos nas orelhas. Mas rapidamente ele resolve o assunto, numa cena carregada de erotismo. O mesmo ocorre quando o artista pede à criada de 19 anos para umedecer os lábios, que por sinal dão de dez a zero nos de Angelina Jolie, até agora a rainha absoluta neste quesito.

Webber soube tirar proveito destas várias situações desenhando sequências
de grande plasticidade. Como se sabe, Vermeer foi um dos primeiros a trabalhar a luz fisicamente. Entre seus artifícios, costumava regular as janelas de seu estúdio para dosar a claridade. No filme, ele também surge entretido com uma câmara escura, tentando corrigir problemas de perspectiva. Tais preciosismos foram realçados pela bela fotografia do português Eduardo Serra. Ele foi indicado
ao Oscar deste ano, junto com Ben van Os e Cecile Heideman pela direção
de arte, e Dien van Straalen pelos figurinos. A equipe recriou à perfeição a luminosidade dos quadros do pintor, levando o filme muito além de uma história curiosa. É praticamente uma aula de pintura. A tal ponto que em várias cenas tem-se a impressão de que elas são verdadeiras reproduções dos quadros do artista. De toda obra de Jan Vermeer, sobraram apenas 35 trabalhos. Deles, 28 foram examinados de perto por Tracy Chevalier que sonha em conhecer os restantes certamente para criar novas histórias.