Nos últimos shows que Cazuza
(1958-1990) fez na casa carioca de espetáculos Canecão, o público das primeiras fileiras costumava encontrar em cima de cada mesa uma rosa branca, devidamente despida de seus espinhos. Era a dica para que, ao final dos espetáculos, as flores fossem jogadas sobre o cantor. Cazuza ficava encantado, sentindo-se afagado pela manifestação das fãs. Mal sabia ele que a autora da façanha era a própria mãe, Lucinha Araujo, que passava horas preparando as rosas e depois, apoteoticamente, comandava o gesto logo imitado pelas outras mulheres. Quem conta a história é Lucinha, mas a cena, descrita de forma mais discreta, faz parte do filme Cazuza – o tempo não pára (Brasil, 2004), que estréia no País na sexta-feira 11.

Dirigida por Sandra Werneck e Walter Carvalho, a fita refaz a trajetória artística de Cazuza, desde suas brincadeiras de palco no histórico Circo Voador – manjedoura de todo o rock carioca dos anos 1980 –, passando pelo incandescente encontro com os então garotos do grupo Barão Vermelho, até seu vôo solo e o fim melancólico do jovem alquebrado pela Aids. Fazer cinebiografias é sempre um risco. Pode-se tanto cair nos rios da bajulação quanto na lava da fofoca. Mas a dupla diretora cumpriu bem seu intento. Afinal, tinha nas mãos um roteiro baseado em Cazuza – só as mães são felizes, livro assinado por Lucinha Araujo em corajosíssimo depoimento à jornalista Regina Echeverria. “Não entrei na intimidade do meu filho. A vida dele
já era uma fratura exposta”, disse Lucinha a ISTOÉ, depois da sessão do filme
em que saiu banhada em lágrimas, porém feliz com o resultado. “Não me incomodo de chorar, não me permito ficar deprimida mais que dez minutos. O filme é um documento para a posteridade e quem quiser fazer outros sobre ele, que faça. Ele viveu muito intensamente.”

Esta vibração, Sandra e Carvalho conseguiram captar. Estão ali os exageros, a vontade de se divertir fazendo rock e a enorme capacidade em traduzir
sentimentos universais e inquietações da sua geração, características
que o transformaram no maior poeta do rock brasileiro. “Fiquei muito feliz por imprimir a marca Cazuza”, conta Sandra. Boa parte desta intensidade deve-se ao protagonista Daniel de Oliveira, um ator mineiro de 27 anos, que conseguiu incorporar como ninguém o autor de Exagerado. Sem cair na caricatura, Oliveira digeriu todos os tiques, toques e atitudes de Cazuza. Até a sutil língua presa, que para a própria mãe só foi notada quando ele começou a cantar. Guto Goffi, baterista desde a primeira formação do Barão Vermelho, ficou impressionado com o gestual do ator. “Ele está igual e também é fantástico poder rever nossa história, constatar como foi alegre aquela fase do Barão.”

Preferências – A história de Cazuza – o tempo não pára é bem orquestrada. Não falta o clima de época nem todos os personagens-chave, entre eles o jornalista e produtor musical Ezequiel Neves, que, na opinião de muitos, foi o céu e o inferno na vida de Cazuza – quem o interpreta com certa afetação, porém impregnado de humor, é Emílio de Mello. “Cazuza iria adorar este filme”, diz Ezequiel. Claro que iria. Exposto ao mundo, o cantor e compositor não escondia suas preferências. É assim que o enredo não poupa cenas de homossexualismo, de drogas, nem as alternâncias de fúria e delicadeza, loucura e tristeza, contradições nem sempre assimiladas pela mãe Lucinha Araujo, encarnada por Marieta Severo. Contudo, um defeito do filme surge gritando na tela. Por querer imprimir um tom “cazuziano” e criar uma atmosfera meio trash, meio rock’n’roll, o produtor Daniel Filho induziu os realizadores a deixar a fotografia toda granulada. Foi um equívoco, pois o efeito proposital é confundido com falta de recurso ou desleixo. E não poderia, pois o co-diretor Walter Carvalho é dos fotógrafos mais festejados do cinema nacional. Portanto, admiradores de Cazuza, liguem-se apenas na história de alguém que muitas vezes viu o dia nascer feliz. Até porque, como o próprio ídolo diz na tela, morrer não dói.