Faz quase nove anos que os bancos Econômico e Nacional sucumbiram. Potências durante o ciclo inflacionário
da economia brasileira, as instituições não resistiram à estabilidade da moeda
e vergaram no segundo semestre de 1995. A clientela e a parte considerada saudável de ambos foram absorvidas pela concorrência. O que restou do
baiano Econômico passou pelas mãos do banqueiro Ezequiel Nasser e dos espanhóis do BBVA antes de ser incorporado pelo Bradesco, no início de 2003.
O mineiro Nacional foi imediatamente incorporado pelo Unibanco. A clientela das duas instituições foi salva do tombo e teve seus depósitos honrados, mas o contribuinte brasileiro ainda paga a conta.

O polêmico Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer), responsável pelo salvamento, deixou esqueletos no depósito do Banco Central. Trata-se da parte podre das entidades financeiras, o chamado passivo. Econômico, Nacional e mais sete dezenas de instituições liquidadas após a criação do real ainda respiram por aparelhos em regimes especiais de administração. Muitas delas carregadas de títulos públicos – é o caso dos dois antigos gigantes do sistema financeiro nacional. Os títulos são remunerados, obviamente, pelo Tesouro Nacional. Em algumas, como no caso do Banco Mercantil, o valor dos títulos já supera o da dívida, zerando o patrimônio. Mesmo assim, a instituição permanece sob gestão do BC.

A questão, recentemente, deixou a esfera técnica e virou um caso político. “Os cofres da República estão perdendo bilhões e bilhões de reais, que tanta falta fazem aos programas sociais do atual governo”, disse o senador Edison Lobão (PFL), em pronunciamento na tribuna do Senado no final de março. No discurso, o parlamentar aponta a letargia do Banco Central (BC) como culpada pela situação. “O Banco Central tem sido lento e pouco corajoso em encontrar soluções adequadas, de interesse público, para processos que se arrastam há quase uma década”, bradou o senador, que levou a discussão à Comissão de Assuntos Econômicos, onde uma subcomissão para tratar do assunto está para ser instalada.

Lobão aponta o dedo para o BC porque os antigos controladores das instituições – a família Magalhães Pinto, no caso do Nacional, e Ângelo Calmon de Sá, no Econômico – vislumbram uma resolução pacífica para a situação, mas não encontram disposição governamental em dar um ponto final à história. A engenharia financeira envolvendo os casos é complexa. Mas, expondo de forma simplificada, os ex-banqueiros pretendem utilizar os títulos públicos para cobrir os passivos e encerrar o período de liquidação. Para a contar fechar, o BC precisaria fazer uma correção contábil e passar a conferir o valor de face dos papéis. Nos restos do Nacional, os títulos na carteira (conhecidos como Fundo de Compensação de Variações Salariais, FCVS) da massa falida somariam R$ 18 bilhões, segundo pessoas familiarizadas com o processo. A dívida do banco, de R$ 14 bilhões, seria extinta imediatamente e o banco poderia, finalmente, descansar em paz. Em 2002, o banqueiro Luiz Cezar Fernandes (ex-Pactual) tentou resolver a situação, montando uma operação na qual ele assumiria a gestão da massa e quitaria o passivo em parcelas. Depois, ele iria ao mercado tentar recuperar os créditos podres. A operação não prosperou porque a negociação com o Banco Central fracassou.

Justiça – O BC, no entanto, contabiliza os papéis em 35% do valor de face (o equivalente a R$ 6,3 bilhões). Os mesmos títulos, na massa em liquidação do Econômico, estão inexplicavelmente cotados a 52%. A pessoa que acompanha
o processo e conversou com ISTOÉ disse que os títulos foram adquiridos pelo próprio BC, como garantia da operação do Proer que entregou a parte boa da instituição para o banco. “É uma questão contábil. O banco deve para a União e a União deve para o banco. Não corrigindo o valor dos títulos, eles mantêm a intervenção indefinidamente. Há muitos interesses envolvidos, especialmente do Unibanco”, diz a fonte, que pede anonimato.

A família Magalhães Pinto ingressou na Justiça, no ano passado, para tentar corrigir a distorção. São duas ações: a primeira, contra o BC, aponta falhas ao longo do processo intervencionista, incluindo a questão do valor dos títulos. A segunda alveja tanto o BC quanto o Unibanco, que teriam trabalhado em conjunto para desvalorizar o Nacional. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas anexado ao processo diz que o valor do banco era duas vezes maior do que foi estipulado na época. As ações só complicam ainda mais o caso e podem criar novos esqueletos para o governo, já que é muito possível que elas durem décadas até a resolução final. Pior para o Tesouro: a remuneração dos títulos do Nacional deve começar a ser creditada em 2005. O papagaio pode chegar a R$ 1,2 bilhão anual (ou 10% do superávit primário, recorde conseguido em abril pelo governo a muito custo).

Mercado – Os títulos do Econômico já estão recebendo remuneração. O esqueleto do banco está carregado de Notas do Tesouro Nacional com lastro em dólar (as NTNs cambiais), que rendem de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão por ano. O banco falido, acredite, costuma dar lucro, mesmo em estado de liquidação há quase nove anos – principal-mente em momentos de desvalorização da moeda brasileira. O ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá chegou a fazer uma oferta ao BC pelos títulos em carteira. Um investidor, segundo ele, já estava preparado para arrematar os papéis num leilão que posteriormente foi cancelado (as participa-
ções em empresas já foram todas vendidas em pregões). “Gostaria que o BC realizasse o leilão, a lei manda. O mercado está ávido por comprar os papéis”, diz o ex-banqueiro, que garante ter desmontado a operação. “Hoje quem está ávido pelos papéis é o mercado”, afirma. Pelos seus cálculos, as vendas proporcionariam algo entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões, o suficiente para quitar o passivo, hoje em R$ 5,7 bilhões. O diretor de liquidações e desestatização do BC, Gustavo do Vale, diz que, “por enquanto não há mercado para esses títulos”. Diz também que o banco está aberto para receber propostas, desde que sejam do interesse público.

A história do Econômico remonta à primeira metade do século XIX. Fundada em 1834, a Caixa Econômica da Bahia passou às mãos do clã Calmon de Sá em 1910. Ângelo, da terceira geração de banqueiros da família, assumiu em 1971 o comando da instituição já rebatizada. Começava um período de forte expansão, que levou o banco, em meados dos anos 80, a ser um dos três maiores do País. No auge, foram quase 500 agências, a maioria concentrada no Nordeste. Paralelamente, Calmon de Sá desenvolvia sua carreira política, que culminou com o cargo de ministro da Indústria e Comércio, nos anos 70.

O primeiro baque viria em 1986, com o Plano Cruzado, quando o banco fechou
mais de 200 agências e demitiu dez mil funcionários para sobreviver. Em duas oportunidades, boatos dando conta da quebra provocaram corrida às agências do Econômico, que ingressou nos anos 90 ferido, mas vivo.

O golpe fatal veio com o Plano Real. Quebrada, a instituição sofre intervenção do BC em 11 de agosto de 1995. O rombo, na época, foi calculado em R$ 2 bilhões. As agências foram reabertas em abril do ano seguinte, já sob a denominação Excel Econômico. Excel era o pequeno banco de investimentos do financista Ezequiel Nasser, que passou a controlar a chamada “parte boa” do Econômico (a ruim, já sabemos, virou o esqueleto que o BC guarda). O sonho de Nasser de comandar um banco popular durou dois anos. Sem conseguir alavancar a operação, foi obrigado a repassar o banco pelo valor simbólico de R$ 1 aos espanhóis do Banco Bilbao Vizcaya (atual BBVA). Em 2003, o Bradesco comprou a operação brasileira do banco, que se retirou do País.

Fórmula 1 – O Nacional, curiosamente, tem seu logotipo reconhecido até hoje graças ao boné azul utilizado por Ayrton Senna em grande parte de sua carreira. O piloto morreu há dez anos, quando o banco já agonizava, porém sem dar sinais públicos da situação. A liquidação aconteceu em 18 de novembro de 1995, após o BC detectar um rombo de R$ 9 bilhões. O buraco foi cavado durante nove anos de irregularidades. Os problemas só foram detectados depois que a parte boa da instituição estava sob a bandeira do Unibanco.

O caso levou à prisão por três dias, em 2002, de Marcos Catão de Magalhães Pinto, último controlador do banco antes da intervenção. Toda a então diretoria do banco foi condenada a penas de até 27 anos de prisão. A instituição havia sido fundada em 1944 pelo pai de Marcos, o político José de Magalhães Pinto, que chegaria ao posto de governador de Minas Gerais na década de 60, uma época gloriosa para o banco. Pouco antes de morrer, em 1996, o fundador teve o desgosto de assistir à ruína da instituição que criara.