Para a maioria das pessoas, o termo redução de danos soa pouco familiar. Mas esse conceito, baseado na idéia de que, se não der para acabar com uma ação nociva, que pelo menos se diminua seus estragos, ganha espaço dentro da medicina. O princípio começa a ser adotado no tratamento de compulsões, dependências químicas e também para amenizar os danos causados pelo álcool. A idéia teve destaque há alguns anos, quando vários centros de saúde começaram a distribuir seringas para os usuários de droga injetável como forma de reduzir a contaminação pelos vírus da Aids.

Hoje, trabalhos dirigidos aos dependentes de drogas estão mais frequentes. Um exemplo é o caso do É de lei, que reúne usuários em São Paulo. “Distribuindo insumos para o consumo do crack, nos aproximamos e ajudamos uma população sem acesso à educação ou à saúde”, diz Paulo Giacomini, coordenador da ação. O local é o primeiro centro de convivência de usuários do Brasil e tem apoio do Ministério da Saúde. No Rio de Janeiro, o técnico em radiologia Décio Ciavaglia, em parceria com o hospital São Francisco de Assis, criou o “kit cheire bem”, distribuído a prostitutas. “O kit tem canudo, cartão, lenço de papel, soro para limpeza nasal e folhetos com informações sobre as ações das drogas. Ele serve para que as prostitutas que usam cocaína não tenham problema com a falta de higiene, que pode causar infecções”, conta Ciavaglia.

Outra modalidade de redução de danos que começou a ser mais utilizada foi a da terapia substitutiva, que prega a troca de drogas mais pesadas, como o crack, pela maconha, por exemplo. O jovem B.L., 25 anos, submeteu-se ao método, aplicado no Serviço de Orientação a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele consumia álcool, maconha e principalmente cocaína. “Comecei o tratamento não misturando as drogas. Depois, diminuí a cocaína. No começo, eu fumava mais maconha e bebia mais, mas o objetivo era largar o pó. E larguei. Deixar a maconha, depois, foi mais fácil. E aprendi a dizer não porque realmente não tinha mais vontade”, conta B.L., que hoje bebe álcool, mas pouco.

O conceito está sendo aplicado até para amenizar os danos causados pelo álcool em situações mais corriqueiras. Jovens envolvidos com a cena eletrônica criaram a Associação dos Amigos da Música Eletrônica e querem incentivar o consumo responsável de bebidas na balada. Eles inventaram o Sem Noção, personagem bêbado e incômodo que ilustra folhetos que começaram a ser distribuídos nos clubs. “Não estamos dizendo para ninguém deixar de beber. Queremos apenas que as pessoas não bebam a ponto de atrapalhar a balada e os amigos”, diz Bruna Barros, integrante da associação.

Não deixar que a dependência atrapalhe a vida pessoal – e a dos outros – também é um dos objetivos da aplicação da redução de danos no tratamento das compulsões. Um dos serviços que usa esse princípio é o Setor de Jogo Patológico e Compras Compulsivas do Hospital das Clínicas de São Paulo. “A abstinência é a meta, mas não a estratégia de tratamento”, afirma Juliana Bizeto, coordenadora do centro. “Estimulamos a troca de bingo eletrônico pelo de cartela, que demora mais para terminar, por exemplo”, conta. O objetivo é fazer com que o jogador que ainda não se livrou da dependência consiga jogar sem ter danos sociais ou financeiros. “O resultado é muito bom. A maioria dos pacientes consegue se controlar. Até jogam, mas isso não atrapalha mais a vida”, completa Juliana.

A estratégia, porém, divide opiniões. Na opinião dos críticos, a redução não acaba com as dependências. Representaria a velha história de tapar o sol com a peneira. Além disso, muitos argumentam que não há comprovação científica de eficácia. “Como usam uma técnica que nem sabem se funciona? É preciso testar os conhecimentos antes de aplicá-los”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, da Unifesp. Os defensores, porém, garantem que a técnica é útil. “O método respeita os limites das pessoas sem amendrontá-las. A recaída, por exemplo, é algo que faz parte deste tratamento. Por isso, quando a pessoa recai, não se sente fracassada como nas terapias que só pregam a abstinência. Mas é claro que nossa meta é que o paciente se livre da dependência”, argumenta a psicóloga Fabiana Delbon, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, órgão público que coordena programas de redução de danos para drogas, doenças sexualmente transmissíveis e abuso de àlcool, entre outros.