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O programa nuclear brasileiro vive um momento de decisão. A retomada da construção da usina nuclear de Angra III está na ordem do dia. Os ambientalistas, liderados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, são contra, e a ministra-chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, lidera o coro dos que vêem a retomada do programa como uma das saídas para o gargalo do crescimento. O desfecho será conhecido em breve. Ele acontece justamente no momento em que o debate sobre a opção nuclear volta à tona em todo o mundo depois de mais de duas décadas de quase hibernação que se seguiu ao impacto da explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Na época, a tragédia levou água ao moinho dos ambientalistas, que conseguiram paralisar a construção de novas usinas e criaram um tabu contra a energia nuclear, mesmo para fins pacíficos. Ingenuamente, os verdes se alinharam à política de “apartheid tecnológico” que os EUA e outras potências tentam impor ao resto do mundo, camuflada sob a bandeira de “não-proliferação nuclear”.

 

 

A ironia é que foi justamente a questão ambiental – o chamado “efeito estufa” – que tornou possível o renascimento da alternativa nuclear. “Em várias partes do mundo o humor está mudando em favor da energia nuclear – freqüentemente porque as outras respostas à mudança climática parecem mais duras”, diz a revista The Economist. Antigos críticos da opção nuclear – como o cientista James Lovelocke – admitem que lutavam contra o vilão errado. Afinal, 39% da energia gerada no mundo provém de carvão mineral, que emite CO2 (gás carbônico, o principal responsável pelo “efeito estufa”). Para se ter uma idéia, só nos EUA as usinas elétricas movidas a carvão produzem 36% das emissões no país e 10% das emissões globais de CO2. Por essas e outras razões, Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, chegou a dizer que a energia nuclear será a alternativa para salvar o planeta da catástrofe climática causada pela queima de combustíveis fósseis. Além disso, sabe-se hoje que Chernobyl era um projeto antiquado, sem proteção. E as medidas de medidas de segurança nos reatores foram aperfeiçoadas e o lixo atômico, que ainda causa muita celeuma, é estritamente controlado. Nada menos que 442 usinas nucleares estão em operação no mundo e outras 27 estão em construção. E a energia nuclear já é a terceira fonte mais utilizada no mundo para geração de eletricidade e a segunda nos países industrializados: 78% na França, 46% na Suécia, 31% na Alemanha e 19% nos EUA.

No Brasil, o programa nuclear nasceu sob o signo da desconfiança, já que foi concebido sob o regime militar e não tinha fins meramente pacíficos. Aliado a isso, temia-se a ocorrência acidentes graves, a falta de preparo para situações de emergência. Também se questionava sobre a conveniência de se instalar usinas nucleares num países de enormes recursos hídricos como o Brasil – 93% da energia gerada no Brasil provém de hidroelétricas. Mas depois que o País abandonou suas pretensões bélicas e assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) – que permite inspeções periódicas e incertas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – a percepção de parte da sociedade brasileira parece estar mudando. “As usinas térmicas são necessárias para expandir o sistema elétrico brasileiro, complementando a energia gerada pelas hidrelétricas”, diz Edson Kuramoto, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear. “Precisaremos de todas as fontes de energia disponíveis, incluindo a nuclear, para evitar novas crises de abastecimento no futuro. Por isso, o investimento continuado no setor, começando pela conclusão de Angra III, é algo indispensável para o País”. Para ele, como para outros especialistas, não é possível aproveitar totalmente o potencial hidráulico do Pais, devido ao grande impacto ambiental e ao alto custo da transmissão de energia.

As usinas de Angra I e Angra II têm uma potência instalada de 2.000 MW. Na matriz energética brasileira, o setor nuclear responde por 2,5% da eletricidade gerada no País, e representa metade da energia consumida no Estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. A usina de Angra I, com reator do tipo PWR (reator à água pressurizada) e potência de 657 MW, foi comprada à americana Westinghouse Electric Co. em 1970. Era um pacote fechado e o reator só entrou em operação em 1985. Já Angra II fez parte do acordo nuclear Brasil-Alemanha, assinado em 1975, que previa a compra de oito usinas e a transferência de tecnologia do ciclo de combustível. Na ótica do regime, o acordo com a Alemanha daria às Forças Armadas um grande incremento ao desenvolvimento de pesquisas bélicas.

Sob a batuta de Jimmy Carter, os EUA pressionaram a Alemanha, que acabou desistindo de repassar ao Brasil a tecnologia de enriquecimento de urânio através do método da ultracentrifugação. Para compensar, eles ofereceram um processo chamado jet-nozzle (jato centrífugo), completamente ultrapassado. A situação foi contornada a partir de 1979, quando a Marinha, que tinha interesse no processo de propulsão nuclear de submarinos, associou-se a outros organismos de pesquisas e criou o Complexo de Aramar em Iperó (SP) e o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).

O trabalho da Marinha permitiu que o País dominasse o enriquecimento de urânio através de ultracentrifugadoras construídas inteiramente no Brasil, bem como a fabricação de um protótipo de um reator nuclear. A tecnologia de enriquecimento foi repassada para as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que em maio último inaugurou a primeira cascata (conjunto de centrífugas) da unidade industrial de enriquecimento de urânio em Resende (RJ). Em poucos anos, o País deixará de enriquecer seu urânio no exterior e poderá fazê-lo inteiramente na INB. Enquanto isso, Aramar está vivendo um verdadeiro “estado vegetativo”. O orçamento da
União para 2007 reduziu em 25% a verba do programa: de R$ 28,5 milhões
para R$ 21,5 milhões.

A energia nuclear se mostrou uma alternativa limpa e confiável para gerar eletricidade. A questão do custo-benefício ainda é objeto de acaloradas polêmicas, mas o Brasil tem a vantagem de ter matéria prima em abundância – com menos de 30% de seu território prospectado, o País já é o 6º maior produtor de urânio bruto do mundo. Se a opção for pelo crescimento, não há como evitar a alternativa – a não ser que o Brasil queira jogar no lixo um programa que garante a soberania nacional e pode conquistar novos mercados.