Em época de eleição, o engenheiro Eliezer Batista, ex-ministro e criador da Vale do Rio Doce, vira uma espécie de guru dos presidenciáveis

Uma das maiores autoridades brasileiras em desenvolvimento estratégico, o engenheiro e executivo Eliezer Batista nunca deixou de ser assediado pelos políticos. Entra governo, sai governo, esse ex-ministro, ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce e atual consultor da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), de mente arguta e sobrancelhas grossas, é lembrado a cada eleição por sua extraordinária capacidade para fazer radiografias minuciosas do Brasil. Desta vez não foi diferente. Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro a procurá-lo. No Rio, eles se encontraram reservadamente no dia 15 de agosto na sede da Brasif, a empresa que comanda os free-shops brasileiros. Não foi a primeira vez em que dividiram a mesma mesa. Em duas outras ocasiões, Lula fez o contato entre Eliezer e o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, que resultou em um programa estratégico implantado no Estado. Ciro Gomes também já mandou recado: quer ouvir atentamente o que Eliezer tem a dizer. O elo é Jorge Bornhausen, o mesmo que levou o ex-ministro à Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Collor.

Eliezer nutre pelas aparições públicas uma aversão tão grande quanto sua importância na história empresarial brasileira. Foi ele quem praticamente criou a Vale do Rio Doce (a qual chama carinhosamente de Rio Doce) e transformou uma mera empresa de minério de ferro em gigante mundial. Quando ISTOÉ o procurou, ele não se opôs, mas lançou mão de sua fina ironia na hora da foto. “Querem que eu faça pose de inteligente ou de corrupto?”. Eliezer é assim, um misto de intelectual e executivo que todos querem por perto. Não é à toa que vive sendo cortejado para cargos na República. A cada convite, uma recusa. Desde João Goulart, nos anos 60, ele consta de listas de ministeriáveis. Só cedeu às pressões na época de Collor. Fluente em cinco idiomas (incluindo russo e japonês) e amante dos livros, ele mantém uma visão otimista do País, apesar do desempenho sofrível em setores como educação ou desenvolvimento estratégico. Eliezer não declara seu voto para presidente e diz que seu engajamento é com o Brasil, e não com nenhum candidato. “Sou um servidor do País.”

ISTOÉ – Onde estão as melhores oportunidades de exportação para o Brasil, considerando as barreiras americanas e européias?
Eliezer Batista

O grande mercado futuro está na China, na Coréia, na Índia e nos países do Sudeste Asiático. São esses países que necessitam dos nossos produtos. Eles precisam de ferro, de produtos agrícolas, de álcool. Queremos exportar tudo, inclusive produtos agrícolas. Precisamos exportar tudo que gere dólares. Só que, para isso, precisamos de um porto. O Porto de Sepetiba, por exemplo, atinge 70% do PIB brasileiro. Ao mesmo tempo, temos de investir no desenvolvimento de uma indústria de alta tecnologia para ganhar novos mercados. O que eles compram hoje vão comprar amanhã com maior valor agregado.

ISTOÉ – Estamos então fazendo tudo errado?
Eliezer Batista

Nada disso. Podemos nos orgulhar do trabalho feito na área da economia agrícola. O trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), conjugado com programas agrícolas em todo o território nacional, transformou o Brasil num país bastante produtivo e competitivo, apesar das nossas dificuldades de logística. Um bom exemplo são as safras de soja e de milho do Brasil e da Argentina. Somando as safras dos dois países, teremos uma produção maior do que a americana. Nosso desempenho em biotecnologia é outro exemplo de sucesso. Se voltarmos no tempo, podemos ainda citar o exemplo da Rio Doce (Companhia Vale do Rio Doce). Fizemos uma revolução marítima. Conseguimos reduzir a distância física e econômica, vendendo um produto de baixo valor de forma bastante competitiva. Para isso, substituímos navios de 35 mil toneladas pelos de 100 mil toneladas numa época em que não existia design nem aço para a construção naval em grande escala. Abrimos os portos do Japão.

ISTOÉ – E que erros do Brasil o sr. apontaria?
Eliezer Batista

São tantos que é melhor nem enumerá-los.

ISTOÉ – O Brasil está carente de um programa estratégico de longo prazo?
Eliezer Batista

É uma tese bastante controvertida. Definir o que é uma política industrial não é uma tarefa fácil. Temos linhas gerais de orientação para uma política industrial. Há ações estratégicas, de longo prazo. Mas isso não é feito na escala que deveria. É preciso definir um processo educativo que concentre ciência e tecnologia.

ISTOÉ – Qual é hoje sua maior preocupação?
Eliezer Batista

Estou preocupado com a integração do Brasil no mundo moderno. Para chegar lá, precisamos sair da pobreza. Essa é nossa maior luta, ou seja, conjugar questões físicas, ambientais e sociais. É impossível dividir essa tricotomia. O Projeto Carajás, por exemplo, é uma experiência altamente econômica. Lá, os conflitos sociais foram tratados da melhor maneira possível. Foi uma combinação perfeita entre educação e meio ambiente.

ISTOÉ – Como promover essa inserção no mundo global?
Eliezer Batista

Precisamos desenvolver nossa infra-estrutura para integrar o Brasil na América do Sul. Temos um potencial de intercâmbio com nossos vizinhos e precisamos desenvolver infra-estrutura em quatro pilares: energia, telemática, capital humano e logística. Quando falo de logística, estou falando da integração de transporte terrestre, portuário, marítimo e telecomunicação. Isso traz custos muito mais baixos e assim criamos cinturões de desenvolvimento. O mundo tende a uma aglutinação econômica. Somos hoje escravos da globalização financeira, sem nenhuma contrapartida da globalização de mercadorias. O Mercosul, por exemplo, seria uma forma de negociar com os Estados Unidos. Os americanos são sempre bilaterais. Eles têm horror ao multilateralismo e preferem trabalhar de forma bilateral, oferecendo vantagens aqui e ali. Precisamos criar uma unidade da América do Sul para fazer disso uma unidade política de negociação com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

ISTOÉ – O que seriam esses cinturões de desenvolvimento?
Eliezer Batista

Essa idéia acabou se transformando no programa Avança Brasil, adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Defendo a divisão do País em eixos geoeconômicos. Mesmo que o Brasil funcione em blocos, os países continuarão existindo. Quer dizer, mesmo que culturalmente as diferenças permaneçam, economicamente estão unificados. Por isso, precisamos ser econômicos e competitivos. Voltamos ao exemplo da Rio Doce. O transporte marítimo pôs o Japão ao nosso alcance econômico e passamos a vender produtos de baixo valor agregado a preços competitivos.

ISTOÉ – Se até o presidente já comprou sua idéia, por que então o Brasil não sai da inércia?
Eliezer Batista

O começo é sempre muito complicado. Além do mais, há mudanças muito contínuas. Chega um governo e manda todo mundo embora. Cada um acha que seu jeito é o melhor. Meu modo de pensar é diferente: se tiver uma idéia melhor, eu pego e jogo a minha no lixo. Existem documentos no governo onde estão claríssimas as metas do Avança Brasil. Mas precisamos quebrar a inércia e as resistências. Temos interesses constituídos que são muito fortes.

ISTOÉ – O sr. defende um programa de infra-estrutura sustentado em quatro pilares: educação, energia, logística e telemática. Qual a maior carência do Brasil?
Eliezer Batista

A educação. Energia e logística sofrem crises, mas podem ser resolvidas. A telemática está caminhando. Já na educação precisamos de um estadista que ponha o problema como prioridade. Já tivemos avanços consideráveis: praticamente a oferta de vagas no ensino básico coincide com a população. É a primeira vez que ocorre isso no País. O problema agora é investir na melhoria qualitativa do ensino fundamental. O primeiro movimento foi quantitativo; o segundo terá de ser qualitativo. Veja o exemplo da Coréia: até 1949, era um país em ruínas. Eles fizeram um investimento maciço na indústria de conhecimento e hoje fazem parte do clube dos países tecnologicamente adiantados.

ISTOÉ – O desafio é tirar o País do clube dos excluídos tecnológicos?
Eliezer Batista

Precisamos concentrar mais investimentos em ciência e tecnologia. A informática é uma das ferramentas mais eficientes para aumentar a produtividade e recuperar o tempo perdido. Se fôssemos pensar que os países não têm conserto, a Coréia ainda estaria em ruínas. Quanto mais rápido educarmos, mais rápido usaremos o talento humano para desenvolver a indústria do conhecimento. Se necessário, pode-se até importar esse material humano. Os americanos fizeram isso buscando indianos para desenvolver softwares nos Estados Unidos. Nós deveríamos estar fazendo isso, e não mandando nosso pessoal estudar lá fora.

ISTOÉ – O Brasil tem muitos desafios a enfrentar e poucos recursos financeiros. Como fechar essa conta?
Eliezer Batista

O Brasil pode se capitalizar com seus próprios recursos naturais. O ferro é um ótimo exemplo. O Brasil pode ser o maior fornecedor de produtos de ferro do mundo, mas para isso precisa verticalizar a produção com itens de maior valor agregado, o que pode gerar divisas de bilhões de dólares. O mesmo ocorre na área de alimentação. Precisamos nos capitalizar no que é mais fácil para nós, até que eduquemos nossa população.

ISTOÉ – O sr. é considerado o pai da Vale do Rio Doce, além dos seus sete filhos. Como vê hoje a empresa pós-privatização?
Eliezer Batista

Era um caminho natural. A Rio Doce não pára de crescer, o que acaba criando um efeito demonstração para outras empresas brasileiras. Ela cresceu mais do que o mercado interno poderia suportar. É por isso que precisa procurar outros mercados para abrir novas frentes de trabalho. Além do mais, a Rio Doce nunca foi uma mineradora, como costumam classificá-la. É uma empresa de logística. Pelo menos foi esse o conceito que desenvolvi. Um dos meus maiores orgulhos é o Projeto Carajás. Foi o primeiro projeto no mundo em que as questões econômica, social e ambiental foram tratadas simultaneamente e de forma integrada.

ISTOÉ – A Vale é uma empresa global. Que outras empresas brasileiras têm condições de trilhar esse caminho?
Eliezer Batista

Os setores de papel e celulose são ótimos exemplos. Mas, para uma empresa transformar-se numa concorrente global, ela precisa inicialmente definir um conceito. Você pode até errar no varejo, mas não no atacado, que em última análise é o conceito.

ISTOÉ – O sr. vive sendo assediado para ocupar cargos em ministérios. Por que sempre recusa os convites?
Eliezer Batista

Tem gente que faz isso melhor do que eu e ainda é mais jovem. Além do mais, nos cargos públicos você se torna prisioneiro de uma série de condições que não permitem um trabalho com liberdade.

ISTOÉ – Por que o sr. aceitou o convite de Fernando Collor para ocupar a Secretaria de Assuntos Estratégicos?
Eliezer Batista

Não sabia que o governo Collor acabaria se transformando no que se transformou mais tarde. Collor era um político jovem, eu não o conhecia. Jamais poderia imaginar que daria no que deu. Infelizmente, Collor queria um negócio mais imediato e visível. Sinto muito o que aconteceu, mas como poderia imaginar?

ISTOÉ – O sr. se arrepende?
Eliezer Batista

Em grande parte sim, mas também tento enxergar o lado positivo daquela experiência. Consegui, pelo menos, iniciar alguns projetos importantes. O maior exemplo é o gasoduto Brasil–Bolívia.

ISTOÉ – Em quem o sr. pretende votar?
Eliezer Batista

Ainda estou estudando. Preciso conhecer o programa de cada um dos candidatos.