Não existem barreiras intransponíveis quando o desejo de superá-las e o prazer de viver falam mais alto. Uma prova disso é o livro Transformação, de Ana Cristina de Lima Ferreira, 41 anos, recém-lançado pela Academia Brasileira de Letras. A autora, nascida em Campos e moradora de Niterói, no Rio de Janeiro, é portadora de paralisia cerebral, o que acarreta descontrole dos movimentos e grandes dificuldades na fala. A escritora levou quatro meses digitando o livro com a língua em seu computador. Ao vencer o projeto Novos Talentos, promovido pelo governo do Rio e pela Academia Brasileira de Letras, ela realizou um antigo sonho: ver sua obra nas livrarias. “Consegui o que muitos escritores desejam. Não sou pouca porcaria, sou muita”, brinca a moça.

Apaixonada por literatura, não é a primeira incursão de Ana Cristina na área editorial. Entre 1987, com uma velha máquina de escrever elétrica doada por um padre, Ana Cristina deu os primeiros toques para virar escritora. “A gente descobre que o limite está dentro de cada um. E eu prefiro não ter nenhum”, diz. Depois de quatro anos usando a língua para digitar as palavras, o esforço foi recompensado. Estava pronto o livro artesanal Analfabeta, bancado por ela. Não foi editado nem chegou às livrarias, apenas às mãos de amigos e conhecidos. A obra biográfica foi um manifesto contra o preconceito. O título foi inspirado em um constrangimento vivido pela autora. Como não pode utilizar as mãos, no local da assinatura em seus documentos aparecia a palavra “analfabeta”. Para uma amante das letras, era uma doída classificação.

Ana Cristina mostrou que sem nem poder virar as páginas de livros e revistas, venceu as deficiências pela sede de cultura. Aprendeu a ler, escrever e, trabalhando como camelô, formou-se professora. Já na adolescência, ela mostrava sua força de vontade e seus dons, alfabetizando parentes e vizinhos pobres. O emprego de professora ela não conseguiu mas a classificação injusta foi substituída por “impossibilitada de assinar”. “A gente nunca deve parar de sonhar porque seria parar de viver. Eu vivia num casulo e virei uma borboleta com as cores do arco-íris”, conta. Até por isso o inseto virou sua logomarca.

Além das horas que reserva para escrever, a guerreira ainda encontra tempo para militar contra a discriminação e dedicar-se a outra grande paixão: a dança. Ela faz parte do Grupo Giro de Dança Sobre Rodas, composto por portadores de deficiência, e se apresenta em todo o Brasil. “Por meio da dança criei um novo alfabeto, uma forma própria de me expressar. Cada movimento é como se fosse uma letra diferente”, explica. O namorado de Ana Cristina, Gilvan Filho, é também deficiente físico. Ele é paraplégico e toca violão clássico. Os dois se preparam para o casamento. Ana quer voar.