O Rio de Janeiro, sede da Petrobras, transformou-se na semana passada na capital mundial do petróleo. A presença numerosa de chefes de Estado e dos principais executivos de grandes empresas petrolíferas garantiu a densidade do 17º Congresso Mundial de Petróleo, realizado pela primeira vez no Brasil. Mas não garantiu resultados. Os conferencistas não tiveram muito do que se orgulhar. A responsabilidade social era o tema central do encontro, mas a iminência de uma invasão americana ao Iraque desvirtuou os debates. No lugar de discutir paz e desenvolvimento sustentado, o assunto acabou sendo a guerra. Muitas autoridades subiram ao palco, fizeram discursos inflamados e voltaram para seus países com a sensação do dever cumprido. Nada de sugestões revolucionárias para reduzir a emissão de gás carbônico. Nada, tampouco, de metas milagrosas para diminuir o preço do petróleo e do gás ao consumidor daqui e de fora.

“O mais importante desse evento é que ele ocorre num momento em que o Brasil vem sendo castigado pelas agências de risco com o rótulo de país perigoso para investimentos estrangeiros”, consola-se o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Sebastião do Rêgo Barros, que aproveitou o mega-encontro para estreitar as relações internacionais. O xerife do mercado nacional do petróleo trocou impressões com executivos estrangeiros. Anunciou ainda que a ANP já está mudando as regras da 5ª rodada de licitação para exploração de áreas de petróleo e gás, prevista para junho de 2003. “Acabou o período de euforia pelo Brasil”, admitiu. A partir de agora, só mesmo a natureza poderá fazer o País voltar ao centro das atenções mundiais e isso só ocorrerá se novas descobertas forem feitas. A Shell foi a única empresa premiada até agora: encontrou, recentemente, petróleo na bacia de Santos, em São Paulo.

“Os novos investimentos em exploração e produção no Brasil vão seguir as oportunidades. Se elas forem menos atrativas do que em outras regiões, os recursos irão para outro lugar. A competição no setor é mesmo muito forte”, analisou o presidente mundial da Chevron-Texaco, David O’Reilly. Ninguém tem mais dúvidas de que hoje o capital tem asas e voa para onde as oportunidades são melhores. Se o Brasil quiser atrair novos investimentos, que faça o dever de casa. “O sistema fiscal aqui deixa o País em desvantagem”, advertiu O’Reilly. Para o bom entendedor, meia palavra basta. Isso significa que o Brasil anda perdendo espaço para países de economias menos expressivas, como Angola e Nigéria.

Com tanta gente do mundo do petróleo reunida, era inevitável que o assunto preço viesse à tona. Ainda mais agora que o Brasil anda pondo em xeque a abertura do setor, em prática desde 1997. A ANP defendia com unhas e dentes a volta do controle de preços; do outro lado, a Petrobras capitaneava o descontentamento da indústria petrolífera. “O controle de preços vai durar, pelo menos, até as eleições”, advertiu Rêgo Barros. Tudo porque a inflação voltou a ser preocupação da equipe econômica do governo. Só o preço do gás de cozinha já subiu 38% neste ano, como qualquer dona-de-casa já notou.

O controle de preços é visto como retrocesso pela indústria nacional. “Qualquer tentativa de mudança das regras é prejudicial ao setor”, criticou o principal executivo da Repsol-YPF no Brasil, João Carlos de Lucca. O presidente da Petrobras, Francisco Gros, fazia coro. “Ou acreditamos que livre competição significa paridade de preços com o mercado internacional ou voltamos ao monopólio estatal”, alfinetou o executivo. “Não ouvi nenhuma reclamação das empresas estrangeiras”, rebateu o xerife da ANP.

O temor de que a guerra saia do campo da ficção e vire uma realidade levou os conferencistas a se concentrar nas especulações sobre o tema. “Apesar da possível invasão, o preço não deve subir muito aqui porque apenas 20% do nosso óleo importado vem dos países árabes”, analisava o diretor de Abastecimento da estatal, Rogério Manso. O presidente da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Rilwanu Lukman, tentou acalmar os ânimos revelando a carta que pretende tirar da manga para amenizar o impacto num cenário de guerra: aumentar a produção. Só que sua opinião não teve apoio de todos os membros da Opep. A Venezuela, por exemplo, foi contrária ao aumento da produção. O representante da TotalFinaElf no Brasil, Alexandre Allard, aproveitou para reforçar a irritação da França com os Estados Unidos. “O que Bush está fazendo é ajudar as petrolíferas americanas, responsáveis pelo caixa de sua campanha eleitoral”, disse o executivo.

Discussões à parte, o 17º Congresso Mundial de Petróleo também teve seu momento de glória. Pelo menos para o Brasil. O número de delegados superou em 15% o do último encontro, em Calgary, no Canadá. Metade dos conferencistas era formada por estrangeiros. Houve também bons momentos de descontração. Além da festa oficial, na Marina da Glória, todos foram convidados a assistir ao Fla-Flu no Maracanã. O jogo foi ótimo (menos para os torcedores do Tricolor) — terminou 5 a 2 para o Flamengo.

Festa estranha

Eles foram chegando aos poucos. Os rostos dos convidados denunciavam o cansaço pelo longo dia de reuniões. Os primeiros chegaram às 20h30 da terça-feira 3 na Marina da Glória, à beira da Baía de Guanabara, centro do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os últimos retoques eram dados nos bastidores do evento. Mais uma mão de tinta aqui, outra acolá e pronto, a festa “Noite Brasileira” estava começando. A lista de convidados incluía homens de negócios das maiores companhias petrolíferas do mundo, xeques árabes e chefes de Estado. Uma festa estranha com gente esquisita. Estranha porque muitos dos convidados conheciam o Brasil apenas pela ótica da Petrobras, e esquisita porque juntava num mesmo espaço lúdico pessoas que passam a vida brigando por preço e mercado.

De caninha em caninha, a sisudez ia dando lugar à descontração. Os ingleses perdiam a fleuma, os africanos deixavam se contaminar pelo ritmo musical, os canadenses demonstravam surpresa ao provar os quitutes e os americanos arriscavam passos mais ousados. Alguns davam conta do recado, no ritmo quase correto, outros mais pareciam siris patinando no sinteco, tal a desarmonia de movimentos. A noite começou ao som da bossa nova e terminou com a escola de samba Beija-Flor embalando a festa num carnaval fora de época. Teve ainda tributo a Iemanjá, capoeiristas, chorões e até boleadeiros, típicos do Sul. Foram servidas cinco toneladas de comidas típicas e quatro mil litros de caipirinha. Nem uma gota de uísque, vinho ou champanhe. Tudo 100% nacional, nada importado. Uma síntese do Brasil em dez mil metros quadrados.

Opep garante abastecimento

A iminência de um novo ataque dos Estados Unidos ao Iraque, uma década e pouco depois da guerra do Golfo, virou o tema central do 17º Congresso Mundial de Petróleo. O presidente da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Rilwanu Lukman, garantiu que, caso o presidente George W. Bush aperte o botão de mais uma guerra no Oriente Médio, os países membros da entidade têm condições de evitar o desabastecimento ou a explosão dos preços internacionais, fazendo jorrar mais petróleo. O problema é que alguns países, como deixou claro a Venezuela no encontro, não estão dispostos a aumentar a oferta do óleo. Os venezuelanos pretendem aproveitar a reunião da Opep no dia 19, no Japão, para conquistar aliados.

O Congresso ocorreu simultaneamente à Rio + 10, a conferência da ONU sobre meio ambiente na África do Sul, onde a indústria petrolífera figurou entre os vilões do planeta. Lukman elogia as pesquisas em busca de energia renovável, mas afirma que o mundo tem um problema muito maior a combater: a pobreza. Leia trechos da entrevista concedida a ISTOÉ:

IstoÉ – Caso os Estados Unidos invadam o Iraque, o mundo correrá o risco de escassez de petróleo?
Lukman –
Não queremos especular sobre o que os Estados Unidos vão fazer. Não desejamos que isso ocorra. Caso venha a ocorrer, os países membros da Opep poderiam responder com um aumento da produção. Precisamos pôr todas as cartas na mesa e a partir daí tomar uma decisão. Temos condições de aumentar nossa produção em seis milhões de barris/dia. O Iraque produz, diariamente, um milhão de barris de petróleo.

IstoÉ – Os preços não disparariam?
Lukman –
Prefiro não fazer especulações, mas poderia haver aumentos. É por isso que na próxima reunião da Opep vamos discutir o assunto. Seremos cautelosos. Admito, no entanto, que já existe um prêmio de risco por conta da iminente invasão dos Estados Unidos ao Iraque.

IstoÉ – A preocupação ambiental pode levar à restrição do uso do petróleo. O que o sr. pensa sobre isso?
Lukman –
Precisamos continuar pesquisando fontes alternativas de energia, mas é a pobreza o agente mais danoso e poluente do planeta Terra. Nos últimos anos, a globalização foi defendida como uma panacéia, mas acabou servindo mesmo para aumentar a distância entre os países ricos e os países pobres. Precisamos repensar urgentemente a nova ordem econômica.

IstoÉ – Por que em países como o Brasil os combustíveis são tão caros?
Lukman –
Nos países em desenvolvimento, os combustíveis custam três vezes mais do que em nações desenvolvidas. É a fome de impostos dos governos. Nossa prioridade é defender a estabilidade do preço do petróleo. Aos países produtores de petróleo não interessam preços altos, que são contraproducentes. Tampouco interessam preços muito baixos.

IstoÉ – Na Rio + 10, o Brasil defendeu uma meta mundial de 10% até 2010 para a geração de energias renováveis. O sr. concorda com essa proposta?
Lukman –
Não adianta estabelecer uma meta e não dizer como isso será feito. Como eles chegaram a esse percentual de 10%? Alguns países já utilizam 10% de energia renovável, enquanto outros vão demorar 100 anos para chegar lá. Além do mais, praticar um preço de energia razoável, a meu ver, é mais sustentável do que qualquer outra fonte alternativa.