Vasculhando a história brasileira é possível identificar o DNA do PFL em quase todos os governos. A compulsão por cargos é tão irresistível que este ano ameaçaram abandonar o papel de coadjuvantes para lançar candidata própria, Roseana Sarney (PFL). Após a implosão da então governadora do Maranhão, a cúpula pefelista ficou aturdida. Deixaram os ministérios que ocupavam, mas o segundo escalão do PFL foi ficando, ficando… Depois, uns subiram na boléia de Ciro Gomes (PPS-CE), como Antônio Carlos Magalhães (BA) e o presidente do partido, Jorge Bornhausen (SC); e outros permaneceram com José Serra (PSDB-SP), como o vice-presidente Marco Maciel (PE) e o senador José Jorge (PE). Quando Ciro aparecia como favorito para chegar ao segundo turno contra o PT, o pêndulo do PFL balançava para ele. Com o tombo de Ciro nas pesquisas e o namoro Ciro-ACM, o presidente do PFL já ensaia fazer o caminho de volta para apoiar Serra, que exibia uma sedutora curva ascendente nas pesquisas. No último Ibope, divulgado na terça-feira 3, o tucano aparece empatado com o candidato do PPS: os dois têm 17% dos votos. Lula tem 35%, e Garotinho, 11%. Em conversas reservadas, temendo um possível segundo turno entre Serra e Lula, o presidente da pefelândia já antecipou: “Vou com o Ciro até determinado ponto. Se não der, paciência!”, confidenciou a um correligionário. O Alemão, como é conhecido no meio político, disse mais: “Não vou com Lula, ideologicamente não dá. Por mais que Serra vá tentar enfraquecer o PFL, não nos restará nenhuma alternativa.”

O aceno de Bornhausen tem um único motivo e um sonoro apelido: “a maldição de Painho”, uma referência ao cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, com quem disputa o posto de manda chuva da sigla. O bordão foi criado pelos aliados de Bornhausen e se refere a dois tropeços que, segundo eles, foram determinantes para a queda de Ciro. A entrevista à rádio Metrópole, de Salvador, em que o candidato da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB) chama um eleitor de “burro”, foi estimulada por ACM. O beija-mão no próprio ex-senador, há duas semanas, provocou duplo estrago: apontou para uma direitização da campanha, isolando a esquerda da Frente Trabalhista, e assombrou os pefelistas que não se ajoelham no terreiro do cacique baiano. A turma do Alemão ficou engulhada com o cheiro de dendê no ar. “Este rapaz (Ciro) quer fazer Antônio Carlos presidente do Senado de novo?”, desabafou Bornhausen, irritado.

Antes de começar a chamar Ciro pelo impessoal “esse rapaz”, Bornhausen chegou a anunciar que dois terços do PFL estavam morrendo de amores pelo candidato. Despachou o senador Geraldo Althoff (SC) para atrair os governadores pefelistas no apoio a Ciro. Os principais caciques a serem conquistados eram o governador do Piauí, Hugo Napoleão, e o PFL do Maranhão. Não deu certo. Napoleão ficou com os tucanos e a confraria Sarney aderiu a Lula. “Agora fica muito mais difícil”, confessa Althoff. Publicamente, Bornhausen vem mantendo o apoio a Ciro, mas nos bastidores pode não ser bem assim. O partido anda irritado com os erros da campanha da Frente e as barbeiragens verbais do próprio candidato. “Ele criou indisposições em setores importantes. Pelo temperamento forte, aqui e acolá diz coisas fora do prumo”, critica o líder pefelista, José Agripino Maia (RN). Os caciques do PFL reclamam da falta de comando na equipe e da qualidade dos programas de tevê. “O Fernando Henrique só começou a percorrer o Brasil, na campanha de 94, depois que definiu o horário gratuito. É o que ganha eleição”, disse Bornhausen na terça-feira 3.
 

“Ossinhos” – Na avaliação dos pefelistas, a resposta aos ataques tucanos chegou tarde. Eles podem ter razão. Após três semanas de palanque eletrônico, Ciro Gomes só murchou. No Vox Populi despencou 12 pontos; no Ibope, 9; e no Datafolha caiu 7. Só quem lucrou foi Serra, que subiu na mesma proporção na maioria dos barômetros eleitorais – apenas no Ibope os antigos eleitores de Ciro ficaram indecisos. Outra história entalada na garganta da pefelândia é a declaração do novo coordenador de campanha e irmão do candidato, Cid Gomes, de que o PFL pegaria alguns “ossinhos” num eventual governo Ciro. O partido marcou para 10 de outubro uma reunião que vai decidir o rumo a tomar no segundo turno. Se der Ciro, o PFL vai unido e não se contentará com “ossinhos”. Se der Serra, o enredo já está combinado: Bornhausen, estrategicamente, toma um avião para Aruba e passa o bastão para o vice-presidente, senador José Jorge (PE), que sempre foi fiel aos tucanos e pode ter condições de articular a volta das dissidências. Nesse caso, será um amargo regresso.

O presidente FHC já sentiu as mudanças de humores no PFL após a reação do candidato governista nas pesquisas. Antes de embarcar para a África do Sul, almoçou com um tucano em São Paulo e informou que, no momento certo, tentará reaproximar os dirigentes do PFL de Serra. ACM e Roseana Sarney, é claro, não estão incluídos na agenda de ligações de FHC. Devoto dos recados políticos via satélite, o presidente disse em Johannesburgo que não aprova retaliações: “Sempre fui contra a caça às bruxas. Num país democrático, devemos evitar procedimentos persecutórios.” Ele respondia a uma pergunta sobre a infidelidade do ex-governador Tasso Jereissati (CE), que traiu o tucanato para apoiar Ciro, mas o aceno vale também para os pefelistas. Um cacique do PSDB que avaliou o assunto com o presidente aposta: “O PFL vem quase todo e o Tasso toma o rumo da Europa, liberando o pessoal dele.” Os gestos pacifistas de FHC não impediram que ele se tornasse o novo alvo da guerra na disputa pela segunda colocação.

No debate da Rede Record, na segunda-feira 2, os candidatos Anthony Garotinho (PSB), Ciro Gomes (PPS) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram uma tabelinha para bater na dupla FHC-Serra e tentar desmoralizar o “Projeto 2ª-Feira”, que promete criar oito milhões de novos empregos. Lembraram à exaustão que esse fora um compromisso não cumprido de FHC. “Eram três contra um”, comentou Serra nos bastidores depois do programa. O campeão dos ataques foi Garotinho, que espera crescer nas pesquisas depois do debate. Ele garante que estará no segundo turno. Para justificar, usa uma lógica para lá de otimista: “Minha diferença para o segundo colocado era de quase 20 pontos. Agora caiu para seis.” Não deixa de estar certo, mas ele não subiu. Foi Ciro quem caiu.

Depois de insultos mútuos na telinha da Record, a brigalhada transbordou para os sites dos candidatos na internet e para o horário gratuito. Ciro passou a utilizar declarações de FHC em campanhas passadas prometendo criação de empregos (“Juntos venceremos o desemprego”) e comparando-as às de Serra na tentativa de derreter o principal mote da campanha tucana. As peças fecham com o questionamento: “Dá para acreditar?” No embate do horário eleitoral, Serra levou vantagem nos primeiros dias. Mas o interesse pela propaganda diminuiu e a audiência só deve voltar a crescer nos últimos 15 dias. Por isso, os rumos da campanha tucana sofreram alterações. Se nas três últimas semanas mais da metade da agenda foi tomada por longas gravações no estúdio em São Paulo, a prioridade agora passou a ser as viagens pelo Brasil, e o principal destino é o Nordeste, região onde o tucano tem o pior desempenho – 15% das intenções, abaixo da média nacional. Na quarta-feira 4, Serra passou o dia na cidade de Porto de Galinhas (PE), onde foi recebido calorosamente e desfilou com o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Marco Maciel – ao contrário do ocorrido há um mês, numa visita morna que fez ao Estado.

Ayrton Senna – Enquanto Serra estava no Recife, sua vice, Rita Camata (PMDB-ES), representava o tucano num evento promovido pelo Instituto Ayrton Senna para entregar aos presidenciáveis um documento que propõe políticas para a infância e juventude. Viviane Senna, presidente do Instituto, entregou o documento a Ciro, Garotinho, Rita e ao vice de Lula, senador José Alencar (PL-MG). A festa começou com a exibição do filme Como uma onda no ar, de Helvécio Ratton, que conta a história da Rádio Favela, emissora comunitária da periferia de Belo Horizonte. Depois da sessão, o criador da rádio, Misael dos Santos, criticou a ausência de Lula e elogiou Ciro: “Foi o único que subiu o morro e até deu entrevista na rádio.” Quando subiu no palco para receber o documento, Ciro foi o mais aplaudido dos quatro. Feliz da vida com a recepção, comentou depois: “Cinema e pipoca em plena quarta-feira. Que mais alguém pode querer de uma campanha?”

No final, enquanto os convidados degustavam o coquetel, Garotinho, Rita e Alencar simplesmente desapareceram, constrangidos com a aglomeração de jornalistas e curiosos ao redor do candidato do PPS e de Patricia Pillar. Ciro cumprimentou Garotinho com frieza, quase indiferente. Certamente com Serra teria sido pior. Na última semana, a Frente Trabalhista travou uma batalha contra o Tribunal Superior Eleitoral. Na guerrilha jurídica, os tucanos vêm ganhando direito de resposta e mordendo tempo no horário de tevê de Ciro, que acusa o TSE de fazer o jogo de Serra. “Isso não é democrático. Isso é arriscado”, diz a nota da Frente Trabalhista revoltada com as decisões do Tribunal, que, há bem pouco tempo, foi acusado de tucanar ao determinar a verticalização das coligações. Outra crítica feita por Ciro aos tucanos, que promete render boas brigas entre os candidatos, é o aumento da meta de superávit primário de 3,75% para 3,88%, anunciado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, na quinta-feira 5. Os assessores econômicos da Frente Trabalhista disseram que FHC omitiu a elevação da meta na reunião com os presidenciáveis em 19 de agosto. Para Guido Mantega, assessor econômico de Lula, a nova meta “é uma questão deste governo com o FMI. O Lula se comprometeu com a meta de 3,75%. Mas essa nova meta de qualquer forma vai atingir o próximo governo na medida em que o atual terá que reduzir investimentos e gastos que terão que ser feitos pelo próximo presidente”, comentou. Lula foi menos veemente: “Não fomos informados. Fiquei surpreso, mas quero crer que o ministro Malan não sabia (sobre a nova meta). Se soubesse, teria dito para a gente, pois foi uma conversa muito franca”, amenizou.

Verde-oliva – Não bater no governo já é coisa comum para Lula, mas aproximar-se de setores do Exército é novidade. Depois de flertar com a classe empresarial, ele agora acena para militares insatisfeitos com a crise financeira das Forças Armadas. Na sexta-feira 13, Lula fará palestra na Fundação de Altos Estudos de Política e Estratégia, da Escola Superior de Guerra (ESG). Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército do governo Sarney, disse que os outros candidatos também foram convidados, mas até agora só Lula aceitou debater questões como o papel das Forças Armadas, defesa nacional e política externa. “Nunca vi Lula na minha frente. Não digo quem apóio porque o voto é secreto”, disse o ex-ministro. O petista recebeu a bênção de outro militar que integrou o governo Sarney, o general Ivan de Souza Mendes, ex-chefe do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). As declarações elogiosas de Lula às políticas desenvolvidas no regime militar que resultaram em crescimento econômico foram muito bem recebidas pela caserna.

Seguindo a linha nacionalista que imprimiu à sua campanha, ele visitou na quinta-feira 5 a sede da empresa de aviação Embraer, em São José dos Campos (SP). A empresa brasileira e a francesa Dassault formaram um consórcio para participar da concorrência para renovar a frota da Força Aérea Brasileira, um contrato no valor de US$ 700 milhões. Apesar de não assumir o compromisso de que, eleito, dará preferência ao consórcio da Embraer, Lula afirmou que a prioridade deve ser para quem garantir ao País ganhos em tecnologia. “Nos Estados Unidos, por exemplo, uma lei de 1938 estabelece que, quando o Estado tem que fazer uma compra, ela é preferencialmente feita de uma empresa nacional”, comparou.
Colaboraram: Florência Costa, Ines Garçoni e Juliana Vilas (SP)

Ingrediente sertanejo

Lula é um especialista em quebrar tabus. Depois de escandalizar os xiitas amenizando seu discurso, para se tornar palatável ao gosto conservador, tenta derrubar um preconceito na seara cultural: acrescentou na receita de sua candidatura o ingrediente sertanejo. Ele continua com ilustres apoios, como o de Chico Buarque, um ídolo da esquerda. Mas “Lulinha paz e amor” aderiu ao estilo dos partidos tradicionais para falar direto ao povão: contratou a dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano, donos de um farto repertório de músicas amorosas, para cantar em seus showmícios. A dupla – que já vendeu 20 milhões de CDs desde 1991, quando foi alçada à fama com o sucesso É o amor – fará 11 shows para Lula ao preço de custo de R$ 75 mil cada um, quando o cachê normal é R$ 120 mil. Interlocutores do tucano José Serra haviam sondado os sertanejos, mas eles já estavam com seu destino ligado ao petista. Serra hoje divide o palanque com Chitãozinho e Xororó.

Zezé, 40 anos, nunca votou para presidente. Saiu de Goiás para São Paulo em 1987 sem transferir o título de eleitor: “Meu primeiro voto será para Lula. Não cantaria para um político no qual eu não acreditasse.” Nos showmícios já realizados em Campo Grande, Rio de Janeiro e Ribeirão Preto, Zezé discursou contra a miséria e pregou o voto consciente. Seu namoro com Lula começou no ano passado, quando o petista se apaixonou pela música Meu país. A pedido do advogado Paulo Viana, amigo de Lula e da dupla, a música foi cedida de graça ao petista. É um protesto sertanejo: “(…) Por que será que tá faltando pão? (…) Se nessa terra tudo que se planta dá. Que é que há, meu país? (…) Tem alguém levando lucro. Tem alguém colhendo o fruto. Sem saber o que é plantar. Tá faltando consciência. Tá sobrando paciência. Tá faltando alguém gritar (…).” No showmício em Bangu (RJ), no dia 29 de agosto, que reuniu 30 mil pessoas, o fã Lula apresentou aos sertanejos a mulher, Marisa, e o filho Sandro. “Eles estão ficando amigos mesmo. Zezé está tão animado que já prometeu a Lula que, se ele for eleito, vai fazer um show de graça em Brasília no dia da posse”, contou Viana.

É a primeira vez que eles se engajam numa campanha presidencial. Já cantaram para os amigos Eduardo Azeredo (PSDB), ex-governador de Minas Gerais, e para o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Luciano, 29 anos, deu seu primeiro voto a Lula em 1989, quando ainda era bancário. Não votou nunca mais. “Meu segundo voto será para Lula de novo. Ele pode mudar o País porque sabe das necessidades do Brasil como nenhum outro”, opinou. Lula e Zezé se conheceram em agosto do ano passado, num jantar na casa da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. “Minha imagem do PT era de invasão de terra, de anarquia. Hoje sei que é uma visão distorcida. Eu conheço os lugares mais miseráveis do Brasil. Fiquei impressionado com o conhecimento que Lula tem do País”, observou Zezé, cuja mãe foi lavadeira e o pai, pedreiro. No jantar, Zezé questionou Lula: “Como é que você, que veio da classe trabalhadora, pode ter como interlocutores somente intelectuais? Nada contra Chico Buarque, mas você não vai falar com a massa só através dessa galera.” O conselho foi ouvido.
Florência Costa

Esqueleto telefônico

A disputa acirrada pelo governo gaúcho e a histórica briga entre Antônio Britto, hoje no PPS, e o PT está pautando o bate-boca no horário eleitoral no Rio Grande do Sul. Na última pesquisa, realizada pelo Correio do Povo entre 29 e 31 de agosto, Britto passou de 35% para 33,9% dos votos, e Tarso foi de 31,2% para 31,4%. Na semana passada, a denúncia de que o jogo do bicho teria contribuído com a campanha do PT no Estado foi ressuscitada. “O partido não explica o envolvimento com a contravenção”, diz o deputado Nelson Proença (PPS-RS). Já os petistas trouxeram para a telinha a história da privatização da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT).

A CRT foi arrematada pela Telefônica em 1998. Mas, como a empresa ganhara a Telesp em São Paulo, teve de abrir mão da companhia gaúcha. Em julho de 2000, a CRT passou para o Opportunity, onde Britto viria a ser conselheiro, de março de 2001 até março de 2002. Em defesa, o PPS diz que Britto trabalhou exclusivamente para as operadoras no Centro e Norte do País. Também é questionado o fato de duas das cinco prestadoras de serviço na telefonia gaúcha, a Telsul e a Pampa, pertencerem a Assis Roberto de Souza, ex-secretário de Energia, Minas e Comunicações de Britto e comandante da privatização. Para Assis, “não há problema entrar nesse ramo após dois anos da venda da estatal”. Antes da privatização, havia 40 prestadoras na CRT contra as cinco de hoje. O Sindicato dos Telefônicos acusa essas empresas de fazerem o “pagamento por fora” do salário. Funcionários da Pampa com salários de R$ 1.000 disseram a ISTOÉ que há mais de um ano recebem metade do valor no contra-cheque e metade através de um cartão magnético, com o qual sacam o restante. A prática foi denunciada à Delegacia Regional do Trabalho, Ministério Público Federal, INSS e Receita Federal, que realizaram na quinta 29 uma blitz nas empresas supostamente envolvidas. Assis diz que a entrega do cartão é ocasional, para premiar a categoria, com 10% a 20% do valor total do salário.

Adriana Souza e Silva (Porto Alegre)