Dona Sônia dos Santos Barata não quer presente de Natal. Feliz, diz que o filho já lhe deu tudo o que queria ganhar. De fato, este ano Ronaldo Luiz Nazário de Lima foi bastante generoso. E a mãe do craque não foi a única a receber agrados. A fanática torcida do Real Madrid, seu clube na Espanha, e 170 milhões de brasileiros também foram presenteados com exibições que ficarão na memória dos apaixonados pela bola. Aos 26 anos, Ronaldo nunca foi tão Fenômeno quanto em 2002. A lista de conquistas é
proporcional ao seu imenso talento: dois títulos mundiais, um com a Seleção Brasileira e outro com seu atual clube, ambos no Japão e com direito a gols nas finais, a artilharia da Copa e, para completar, a vitória
na eleição de melhor jogador do mundo realizada pela Fifa. Pela terceira vez o Fenômeno receberá esse prêmio. Isso sem falar no reconhecimento de vários órgãos de comunicação europeus. Até mesmo o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) o escolheu como o melhor atleta de futebol do ano do
País. A imagem do ano que se vai é a de um careca dentuço e vencedor, dono de um sorriso do tamanho de sua genialidade. Um menino atrevido, sem medo de ser feliz. O despertador do humor nacional, mesmo nas frias madrugadas de um inverno que terminou pentacampeão. Ronaldo fez uma nação inteira cair da cama sem reclamar. Foi fundamental em uma vitória que fez o País esquecer a alta dólar, a volta da inflação e outros
percalços que insistem em derrubar a auto-estima nacional. “Este
foi o melhor ano da minha carreira profissional. Ganhei dois títulos
mundiais, fui artilheiro da Copa e estou jogando no Real Madrid.
Depois de tudo que passei, consegui realizar uma série de sonhos.
Não poderia ter sido melhor”, diz um feliz Ronaldo.

E imaginar que o ano começou com um imenso ponto de interrogação! Poucos acreditavam que o Fenômeno voltaria a merecer ser chamado como tal. Parafraseando Drummond, havia um joelho no meio do caminho. Um joelho de dores, incertezas. Um joelho que deixava uma nação em suspense. Motivos para tais desconfianças não faltavam. Ronaldo jogava uma partida e ficava três de fora na Inter de Milão, clube que deixou logo após a Copa. O problema não era a temida patela, que se rompeu em Roma naquela primavera européia de 2000. Agora eram os músculos que teimavam em doer. O fisioterapeuta e amigo de todas as horas Nilton Petroni, o Filé, afirmava que tudo ia bem. Mas não faltava quem desconfiasse do contrário. Até Luiz Felipe Scolari, o Felipão, tinha certos receios. Convocou Ronaldo somente após receber a garantia de José Luiz Runco, médico da Seleção. Vencida a desconfiança, Ronaldo teve que derrotar o orgulhoso Héctor Cúper, seu ex-treinador na Inter. Ele e o Fenômeno começaram a bater de frente. Surgiram boatos de que o técnico argentino havia desaconselhado Felipão a levá-lo ao Mundial. Meses depois, em entrevista a ISTOÉ, Scolari negou a versão. Em um jogo do Campeonato Italiano, Cúper ignorou dores que o Fenômeno dizia sentir e o manteve em campo. O resultado: uma lesão muscular que por pouco não o tira da Copa do Mundo. As desavenças acabaram por levar Ronaldo ao Real Madrid, um antigo sonho do craque. Ronaldo não deverá sentir saudades da bela Milão. A Inter lhe trouxe muito mais decepções do que alegrias. Além da contusão, foi lá que em maio viu o título italiano escapar na última rodada, com uma derrota para a Lázio no mesmo estádio Olímpico de Roma, onde sofreu a terrível lesão no joelho direito.

As desilusões ficaram na Itália e Ronaldo desembarcou na Ásia com algo mais do que seu valioso par de chuteiras Nike, sua milionária patrocinadora. Na bagagem, trouxe superação e esperança, os principais ingredientes que o levariam à glória. Não haveria dor que impedisse o desejo de ser novamente admirado como um Deus por seus fãs. “Na maioria dos casos, a dor leva o indivíduo à depressão. No caso do Ronaldo, ela o levou à superação. A primeira vontade dele era só voltar a jogar. Depois, queria ser o mesmo jogador de antes das lesões. Por último, pôs na cabeça que queria virar exemplo para milhões de pessoas que passam por dificuldades”, diz Filé. Além
de fisioterapeuta, Nilton Petroni foi o parceiro de todas as horas. Estava lá naquela fatídica tarde quando o nervo do joelho do craque se rompeu no segundo tempo de um jogo contra a Lázio. Estava com ele quando
um médico americano sugeriu uma terceira cirurgia, que acabaria de
vez com qualquer sonho de ir à Coréia e ao Japão. Felizmente, ela não
foi feita. Assim, não foi por acaso que, minutos após a final da Copa, Ronaldo fez um emocionado agradecimento à família e a Filé. “Eu não
fiz nada. Ele e Deus são os responsáveis”, diz o fisioterapeuta. A fé parece ter sido tão importante quanto os médicos e os aparelhos de
alta tecnologia usados na recuperação do atacante. Dona Sônia que
o diga. Esta senhora perdeu a conta das noites que passou em claro,
de joelhos, orando para Nossa Senhora Aparecida. “Ela atendeu aos
meus pedidos. O Ronaldo nem precisava marcar gols na final da Copa. Minha felicidade era vê-lo ali, recuperado e jogando pela Seleção. Isso
já era tudo para mim”, diz a mãe fenomenal. Ela conta que, antes das lesões, Ronaldo era um católico relapso. Dificilmente ia à igreja. Hoje, para seu contentamento, o filho é quase fervoroso. “No Natal, vou da
r o único presente que ele não tem: uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, para ele colocar no pescoço”. Para agradar ao filho famoso, que chega dia 23 com a esposa, Milene, e o filho, Ronald, Dona Sônia promete preparar uma bacalhoada e um pernil assado para a ceia natalina. Mas confessa estar cada dia mais difícil satisfazer seus
desejos. “O Ronaldo anda muito europeu para o meu gosto”, brinca.

Protegido pelo carinho dos amigos e da família, Ronaldo recuperou
a confiança e voltou a fazer aquilo de que mais gosta: gols. Na
Ásia foram oito. Cada um deles com a marca do R9. Alguns bonitos,
como o segundo da final contra a Alemanha, depois de uma esperta “deixada” de Rivaldo. Ou de puro oportunismo, como no biquinho contra a Turquia, na semifinal. Não faltaram nem mesmo gols feios, como
aquele contra a mesma Turquia, na estréia, quando, meio torto,
meio caindo, conseguiu empatar um jogo que começava a tirar o País
do sério. Diante de tal brilhantismo, muitos devem se perguntar por
que o gelado goleiro alemão ficou com o título de melhor da Copa.
A sorte de Khan é que o resultado da votação saiu na véspera do
jogo final, um dia antes de Ronaldo colocar o mundo a seus pés.

Se dentro de campo o Fenômeno assombrou, fora dele também fez sucesso. Até seu estranho corte de cabelo feito dias antes da semifinal virou moda. O visual meio Cascão meio Tintin foi copiado mundo afora. Para desespero das mães, as tevês exibiam milhares de crianças desfilando a meia-lua inspirada na careca mais valiosa do planeta. Mas o esquisito topete tinha lá sua razão de ser. “Aquilo estava horrível.
Mas o Ronaldo fez o corte para desviar a atenção das dores musculares que estava sentindo”, entrega a mãe. A Ronaldomania parece não ter limites. Uma pesquisa da Nike o apontou como a terceira personalidade mais conhecida do mundo, atrás apenas do papa e do presidente americano, George W. Bush. Tamanha fama corresponde a cifrões. E são muitos. Entre milionários patrocínios e seu gordo salário no Real Madrid, o Fenômeno embolsou neste ano cerca de US$ 15 milhões.

Engajado – Feliz e realizado, Ronaldo quer agora repartir um pouco daquilo que conseguiu na brilhante carreira. Embaixador da ONU na campanha mundial “Unidos contra a Pobreza”, participará ao lado de seu colega de time, Zinedine Zidane, de filmes publicitários que buscam a arrecadação de fundos para a entidade. Colocou-se também à disposição de Lula para ajudá-lo no plano de combate à fome no
Brasil. “Deus foi bom demais com o Ronaldo. Por isso, ele se sente na obrigação de ajudar a quem precisa. A cabeça dele está voltada para isso”, afirma Dona Sônia. Mas que os adversários não esperem altruísmo de Ronaldo dentro das quatro linhas. Naquele sagrado território, seu reinado promete ser longo. Como previu o primeiro amigo e guru Filé. “Sempre acreditei que Ronaldo renasceria como a fênix da mitologia. Ele ainda vai dar muita alegria para o povo.” Alguém duvida?