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REALIDADE
Viciados sendo recolhidos pela prefeitura no Rio

O flagelo do crack, droga derivada da cocaína, porém muito mais mortífera, viciante e barata e, por isso, largamente consumida, é mais visível em grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. As cracolândias, nome dado aos lugares onde os viciados se juntam para se drogar e viver em condições subumanas, proliferam nas duas metrópoles. A diferença é a maneira de lidar com o problema. Na semana passada, o prefeito carioca Eduardo Paes (PMDB) anunciou que vai obrigar os usuários da droga que vivem nas ruas da cidade a se tratar e, para tanto, apelará para a internação compulsória, prevista na lei há 11 anos. A medida nunca fora usada antes como política pública, apenas em casos raros. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) optou por uma operação policial agressiva no início do ano sem nenhum tipo de plano de assistência social para os dependentes. O resultado foi a pulverização e não o fim da cracolândia na região central da cidade.

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REALIDADE
Usuários de crack que voltaram ao centro de São Paulo após operação policial

A decisão de Paes tem como pontos positivos a expansão do número de leitos psiquiátricos e vagas em centros de acolhimento, além do investimento no atendimento direto na rua, cujo objetivo é convencer os viciados a se tratar. O regulamento da operação será anunciado em novembro e o Ministério da Saúde já manifestou apoio ao programa de ampliação da rede de saúde mental. “Estamos tratando de um tema que diz respeito aos indivíduos, dramas pessoais”, afirmou Paes. O Brasil é o maior consumidor da pedra de crack no mundo, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Nunca ninguém na rua me ofereceu emprego ou dinheiro para comprar comida. Mas droga, sim. É fácil o tempo todo”, conta André, 37 anos, usuário há dois e um dos adultos instalados voluntariamente na Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor, em Paciência, na zona oeste do Rio. Depois de ter visto seu casamento acabar por causa da droga e de perder o contato com a filha há um ano, ele está em tratamento, arranjou emprego e sonha em voltar para casa até o Natal.

Em São Paulo, em vez de os usuários se concentrarem na área central da cidade que ficou conhecida como cracolândia, agora há várias pequenas cracolândias pela região. “Com o fim das operações policiais, muitos deles se reuniram nos antigos locais, mas muitos outros, com os quais já estávamos conseguindo progressos no tratamento, sumiram e estão agora em outras ‘ilhas de usuários’ pelo centro”, diz o psiquiatra Dartiu da Silveira, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, que trabalha com tratamento de viciados em crack há 25 anos. “Destruí­ram anos de trabalho dos consultórios de rua”, afirma ele, que alerta para a necessidade de ampliar o atendimento na capital paulista.

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As pedras são fumadas desde muito cedo. No Rio, começam entre 18 e 25 anos. Quase todos conjugam com outros entorpecentes e há mais homens no vício. Os dados estão num estudo da Secretaria Municipal de Assistência Social. Thayrine, com 21 anos de vida e sete de vício, está no Rio Acolhedor. De banho tomado, nada se parecia com os recém-chegados sonolentos, sujos e famintos cuja chegada foi acompanhada pela reportagem de ISTOÉ. “Tratavam a gente como bichos. Agora eles conversam. Se eu quiser mudar de vida, aqui eu tenho como. Na rua, não tem nada disso”, comenta ela, sem-teto desde os 12 anos.

“A atitude do prefeito contraria apenas quem fica na sala de aula e não conhece a realidade na ponta”, diz Ademir Treichel, coordenador da unidade Rio Acolhedor. O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, apoia a internação compulsória, mas critica a falta de preparo para lidar com dependência química. Nos hospitais gerais, que atendem pacientes em crise de abstinência, não há leitos suficientes. O Ministério da Saúde informou que o treinamento é feito a distância. Para ele, não internar em situações de risco é omissão de socorro. “Não podemos abandonar os pacientes à própria sorte. Essa agenda deveria ser nacional”, avalia. A internação involuntária é indicada quando o paciente põe em risco a própria vida e a de outros. Diante da recusa, a Justiça deve analisar a internação. A imposição é automática para crianças e adolescentes desde abril no Rio. Basta que o menor não tenha endereço ou responsável. Um quarto desses adolescentes largou o vício.

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A internação compulsória é polêmica e não é unanimidade. O presidente da Confederação Nacional das Comunidades Terapêuticas, Célio Luiz Barbosa, diz que 60% dos 180 pacientes em tratamento na Fazenda da Paz, comunidade terapêutica que coordena, em São Paulo, procuraram tratamento voluntariamente. “Não podemos internar à força todos os dependentes, mas, se há risco real de morte imediata do usuário, o Estado deve intervir”, pondera ele. “Mas é preciso ter uma rede de apoio bem estruturada para que eles não retornem à antiga condição quando foram liberados da internação”, complementa. Este é o ponto de equilíbrio que todos almejam. 

Fotos: Alessandro Costa/Ag. O Dia; Robson Ventura/Folhapress
Fonte: Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro
Fotos: Masao Goto Filho/ag. IstoÉ


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