chamada.jpg
SEM FIM
O militante mascarado na Vila Olímpica de Munique (à esq.) marcaria
o início de uma onda de terror, que ainda abala o mundo, promovendo
ações como a do ataque à embaixada dos EUA em Bengazi, na Líbia

Ao caminhar pela Vila Olímpica de Munique, Paulo Roberto Falcão, aos 18 anos, então volante da Seleção Brasileira de Fubetol, esforçava-se para não acreditar no que via. Era inconcebível a ideia de que aquele espaço de comunhão mundial e nobres ideais tivesse sido conspurcado por ódio, intransigência e horror. Ali era um lugar onde atletas de mais de uma centena de nacionalidades compartilhavam o refeitório e sentiam-se próximos de ídolos como o nadador americano Mark Spitz (que levaria sete medalhas de ouro naquela Olimpíada). À noite, na boate, esses atletas, despreocupados, desfilavam diferentes traços de suas culturas em coreografias caprichadas. Mas a pacífica vila, naquela terça-feira 5 de setembro de 1972, tinha virado palco de um atentado terrorista. “Para nós, era um ambiente inviolável. Ninguém entrava sem credenciais. Foi impensável acontecer o que aconteceu”, comenta 40 anos depois, um Falcão ainda incrédulo. 

Durante a madrugada daquele dia, oito integrantes do grupo terrorista palestino Setembro Negro escalaram a cerca de um dos portões da Vila Olímpica. Vestidos como esportistas e, com mochilas recheadas de armamentos, invadiram o alojamento da delegação israelense. Mataram dois atletas e fizeram outros nove reféns. A foto de um encapuzado na sacada dos alojamentos assombrou o mundo. Os terroristas exigiram a libertação de cerca de 200 árabes presos em Israel, o que foi negado pelos israelenses. “Naquele dia, a Vila Olímpica parecia um deserto”, lembra Falcão. Uma desastrada operação de resgate acabou resultando na morte de todos os reféns, um policial e cinco homens do Setembro Negro. Outros três terroristas foram presos, mas libertados mais tarde como moeda de troca pelos reféns e sequestradores de um avião da Lufthansa em Beirute. Israel vingou seus mortos lançando uma contraofensiva chamada Fúria de Deus, que caçou todos os que participaram da ação terrorista ou que colaboraram com tal acontecimento.

01.jpg
"Para nós, era um ambiente inviolável"
Paulo Roberto Falcão, ex-jogador da Seleção

A questão palestina, que foi o pano de fundo do ataque em Munique, manteve-se pelas décadas seguintes, até os dias de hoje, como uma ferida aberta e incurável na política internacional. E, assim, colaborou decisivamente para a grande onda de terrorismo que viria engolfar o planeta. Uma guerra de inimigos invisíveis, dispostos a sacrificar populações civis para promover o caos. Investidas sangrentas que não respeitam barreiras morais ou convenções internacionais. O terror afrontou o centro da Europa, ameaçou países como Alemanha e Itália, convulsionou nações árabes e espalhou-se por todos os cantos. Dados do Global Terrorism Database (GTD), da universidade americana de Maryland, revelam a ascensão nas últimas quatro décadas desse tipo de ataque. Foram realizadas mais de 104 mil ações do gênero em diferentes países. São 47 mil atentados, 14 mil assassinatos e 5,3 mil sequestros. O mundo esportivo ainda voltaria a ser alvo terrorista nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, EUA, quando uma bomba explodiu, deixando uma centena de feridos e um morto. O autor era o americano Eric Rudolph que disse protestar contra o aborto e os homossexuais.

Nada se iguala, porém, ao impacto dos atentados de 11 de Setembro de 2001. O terror ganhava naquele momento seu rosto mais famoso: Osama Bin Laden, o comandante da rede fundamentalista islâmica Al-Qaeda. O ataque matou 2.753 pessoas, escrachou as fragilidades da moderna civilização ocidental e foi o estopim para duas guerras: a do Afeganistão e a do Iraque. Obrigou ainda mudanças de hábitos, como as revistas rigorosas de passageiros, o controle de procedimentos em voos e a submissão do cidadão – e de alguns de seus direitos – a padrões ditados pela obsessão global com a segurança.

ESPECIAL-MUNIQUE-04-IE.jpg
Falcão não gosta de relembrar os dias de terror 

Nas quatro décadas que se seguiram aos Jogos Olímpicos de Munique, Paulo Roberto Falcão acumulou experiências e encantou o mundo com seu futebol vistoso. Com um estilo de jogar que agregava inteligência, habilidade e elegância, o volante magnetizou os amantes do futebol na Copa do Mundo de 1982, fez dos romanos seus súditos e treinou, inclusive, a Seleção Brasileira. Hoje, porém, mantém o mesmo olhar ao comparar os ataques noticiados nos jornais com aquele que testemunhou em 1972. “É uma agressão que parece não seguir lógica a não ser a de provocar um permanente estado de medo”, lamenta. Para ele, a única forma de reagir é seguir a vida.

Fotos: Kurt Strumpf/AP Photo; Esam Al-Fetori/REUTERS; Imago Sportfotodienst