Quem se habituou a frequentar as empoeiradas salinhas de cinema do interior para ver, quase sempre, os mesmos atores na tela terá a mesma sensação a partir do domingo 6, quando forem totalizadas as urnas que mostrarão a cara do futuro Congresso Nacional. Os projetores recendem a fita repetida ou, no máximo, a um remake com velhos figurinos e roteiros encarquilhados. O novo Congresso não terá revelações ou estreantes de peso. Sinal que indica a ausência de renovação de quadros em quase todos os partidos brasileiros. Enquanto para presidente há um claro desejo de mudança, explicitado nas intenções de voto apuradas pelas pesquisas – cerca de 70% dos eleitores preferem um candidato de oposição –, na disputa pelo Congresso a tendência é oposta: o continuísmo, com a reeleição de, pelo menos, 65% dos atuais deputados e senadores. “O voto para presidente é mais ideológico. Para deputado é mais fisiológico, é o voto do amigo, de quem promete mais vantagens imediatas e está mais próximo ao eleitor”, explica o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília.

Nas projeções mais otimistas haverá uma renovação de 35% do Parlamento, uma troca de aproximadamente 170 cadeiras do universo das 567 vagas de deputados e senadores que estão na disputa. Na divina comédia da política, a maioria já é reincidente no pecaminoso mundo da representação popular. De cada três assentos do Senado por Estado, apenas dois estão na disputa e na Câmara todas as 513 cadeiras estão em jogo. Se 35% sugerem um porcentual razoável para sinalizar a alternância de poder, é bom lembrar que o índice histórico de renovação no Congresso é de 50%. O professor da UnB David Fleischer lembra: “Uma taxa de renovação de 35% pode ser comparada ao ano histórico de 1974, em pleno regime militar, quando a combalida oposição do MDB ganhou força na anticandidatura de Ulysses Guimarães para derrotar a poderosa Arena do general Geisel, conquistando 16 das 22 cadeiras em jogo no Senado.”

Um outro dado é revelador: dos 170 gabinetes que poderão trocar de inquilino, mais de uma centena estão sendo cobiçados e têm como favoritos personagens bastante conhecidos. São ex-parlamentares que nos últimos anos se refugiaram nos Estados como prefeitos, deputados estaduais e até mesmo como vereadores. Alguns para ficar bem longe dos incômodos holofotes de Brasília. Entre eles estão Chicão Brígido (PMDB/AC), envolvido na compra de votos da reeleição; Nilson Gibson (PSB/PE), um insaciável defensor de mordomias para si e para os colegas; Hydekel de Freitas (PL/RJ), dileto amigo de Fábio Raunhetti citado em escândalos astronômicos do INSS; e Homero Santos (PFL/MG), flagrado como pianista em 1985. Isso para não mencionar os figurões envolvidos em escândalos recentes, como Jader Barbalho (PMDB/PA) no caso Sudam, e Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda na violação do painel do Senado. Os últimos três estão com os crachás garantidos no novo Congresso. Fora do tiroteio ético, antigas lideranças políticas também estão com grandes chances de voltar ao Congresso. Entre elas, o presidente do PSB, Miguel Arraes (PE), Moreira Franco (RJ), Paes de Andrade (CE), o ex-presidente da UNE, Lindenberg Farias (RJ) e Sigmaringa Seixas (DF). A bancada evangélica, com 46 parlamentares, deve crescer pouco e a novidade anunciada é o bispo Marcello Crivela (RJ), da Igreja Universal, como senador.

Nem mesmo a inscrição recorde de cerca de cinco mil candidatos ao Congresso – 1,5 mil a mais que na eleição de 1998 – representou uma ameaça às elites partidárias que hoje mandam e desmandam nos resultados das votações da Câmara e do Senado. É o tamanho de cada partido que define a ascendência que ele terá no próprio Legislativo e a influência no futuro presidente da República. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, aprovou o que quis no Congresso, amparado pelo rolo compressor formado por PSDB, PFL, PMDB, PPB e PTB, que pavimentou sua própria reeleição. Mas, para conquistar a docilidade dos parlamentares, FHC foi compelido a lotear o governo. É o habitual toma-lá-dá-cá que o próximo presidente terá de administrar dentro dos interesses clientelistas dos partidos e, não raras vezes, da vocação paroquial dos parlamentares. Nenhum candidato à Presidência terá a maioria mínima – 308 deputados e 49 senadores – para aprovar as reformas prometidas tão facilmente na telinha da televisão.

O Congresso – A chamada correlação de forças entre os partidos não deverá ser alterada significativamente na Câmara. Todas as projeções feitas pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
e pelo Instituto de Estudos Sócio-econômicos (Inesc) apontam a manutenção da hegemonia de oligarquias conservadoras: PFL, PMDB e PSDB (leia quadro). Nem mesmo a onda vermelha, que está empurrando morro acima candidatos do PT nos Estados, parece ter água suficiente para inchar a bancada petista de forma expressiva na Câmara. O PT,
que na última década experimentou dobrar sua representação, tem
hoje 58 deputados: na hipótese mais otimista, terá 75, e, na mais pessimista, 62, mantendo-se como a quarta força. O PPS e o PSB
tendem a um crescimento tímido na carona de suas próprias candidaturas à Presidência de Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB). “Ninguém perde ou acrescenta números significativos nessa eleição”, resume
o diretor do Diap, Antônio Augusto de Queiroz.

No Senado, o equilíbrio atual é ainda mais nítido. O PMDB dificilmente perderá sua confortável maioria: terá, na pior das hipóteses, 21 senadores, e, no melhor dos mundos, 26. Hoje são 24. A segunda bancada continuará sendo a do PFL. O PSDB, a exemplo da Câmara, será a terceira força. Hoje os tucanos possuem 14 senadores e poderão contar, a partir de janeiro de 2003, com um número entre nove e 15 senadores. O PT, que atualmente tem oito senadores, pode passar a 12. Os demais partidos deverão manter ou até reduzir a atual representação. Com base neste emaranhado de números e projeções é possível constatar que nenhum dos candidatos à Presidência terá maioria absoluta e precisará recorrer a coalizões ou desconfortáveis negociações pontuais para aprovar seus projetos. Segundo o professor Fleischer, José Serra (PSDB) teria vantagens no quesito governabilidade. Contaria com o apoio de, aproximadamente, 294 deputados (57% da Câmara). Uma eventual base tucana seria formada pelo PMDB, PSDB, PPB e ainda boa parte do PFL e PTB. De outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva poderia contar com o apoio de 271 deputados (52%). Essa soma englobaria todos os deputados eleitos por partidos de esquerda e parte da aliança que ajudou o governo FHC, especialmente o PSDB. No Senado, Serra teria o apoio de quase 60 senadores e Lula contabilizaria não mais do que 45 – nesta conta estão incluídos os tucanos segregados pela eventual derrota de Serra, com chances ainda de atrair o apoio de simpatizantes do PMDB.